Alemanha, 1828, uma estranha figura surge nas ruas de Nuremberg. Era um jovem sem expressões definidas, caminhando titubeante como uma criança dando os primeiros passos. Em sua posse, encontrava-se apenas uma carta endereçada ao capitão do exército solicitando a sua aceitação ou, caso não fosse apto, a sua execução. Após algumas inúteis tentativas de comunicação com este jovem, lhe foi dado um papel e um lápis, onde, enfim, rabiscou o seu nome: Kaspar Hauser.
A curiosidade logo tomou as ruas da cidade. Quem seria este rapaz? Teria sido criado entre os animais? Kaspar, porém, permanecia incomunicável e quando olhava o mundo a sua volta, tudo lhe causava estranheza, a luz do sol, o céu azul, a natureza, os animais. Nem mesmo se reconhecia no espelho! Parecia que Kaspar estava vendo o mundo pela primeira vez.... Pensou-se até que tivesse um retardo mental. Mas o diagnóstico médico mostrou que não era este o caso e que a dificuldade de caminhar devia-se a uma atrofia nos joelhos causada, provavelmente, por falta de movimento. A conclusão era de que Kaspar havia sido desprovido de qualquer interação com o mundo! O que acontecera a este jovem?
Então, Kaspar foi colocado sob os cuidados de um tutor que o ensinou a ler, escrever e falar, atestando que o rapaz aprendia muito rapidamente. Foi neste ínterim que o jovem narrou a sua história. Kaspar havia sido criado em uma cela de não mais do que um metro quadrado, nunca havia visto a luz do sol e nem tido contato com outras pessoas, a não ser um homem que lhe trazia pão e água e que por vezes o dopava para lhe banhar e trocar suas roupas. Isolado do mundo até então, ele pouco aprendeu, pouco se desenvolveu, enfim, pouco viveu.
Fica-nos evidente, então, a importância e a necessidade da interação para o desenvolvimento humano. A sua falta deixou Kaspar com um aparente retardo mental, até o momento em que começou a interagir e aprender com a convivência sociocultural. Neste momento, Kaspar mostrou-se capaz de aprender como qualquer outra pessoa.
A problemática interacionista foi amplamente estudada pelo educador e psicólogo Lev Vygotsky (1896-1934), que nos alertou para a sua extrema importância no desenvolvimento humano, ou seja, as influências provindas do externo impulsionariam o desenvolvimento humano, algo que, evidentemente, faltou à Kaspar Hauser.
A interação, dizia Vygotsky, ocorria por meio de algumas ferramentas que fundamentalmente diferenciariam o homem dos animais. Estes últimos, por exemplo, vivem num mundo de impressões imediatas, determinadas por seus instintos. Já o homem, por sua vez, é capaz de realizar escolhas racionais como: “Estou doente, mas não vou tomar este medicamente porque a validade está vencida”. Além do mais, há um fator fundamental no ser humano: a capacidade linguística elaborada.
Kaspar, como vimos, não se comunicava. Mas, quando começou a elaborar uma linguagem e, assim, exprimir-se, saiu de uma condição semelhante ao de um animal, para a apreensão de impressões mais elaboradas do mundo. Ora, isto certamente se deu devido à aprendizagem e o desenvolvimento subsequente ao contato com o meio que agora o cercava.
De qualquer forma a história de Kaspar Hauser continua ainda um grande mistério. Especula-se quanto a sua origem e o motivo de tal criação precária. Contudo, uma valiosa lição nos é legada: não podemos negar que a interação social é fundamental para o desenvolvimento das ferramentas básicas à humanidade.