ENSINO MÉDIO BRASILEIRO SOB AMEAÇA DE MAIOR FRAGMENTAÇÃO

Foi apresentado na Câmara Federal o Relatório do Deputado Wilson Filho (PTB-PB) - Comissão Especial para Reformulação do Ensino Médio, já apresentado em formato de Projeto de Lei, que propõe mudanças na LDB no que se refere ao Ensino Médio. Trata-se de grande retrocesso pois, se aprovado, negará os avanços existentes nas novas DCNEM que tomam o Ensino Integrado como referência e subordinará a organização curricular do ensino médio a uma lógica instrumental e ao gosto dos “homens de negócio”.
Vejam abaixo os comentários do Profº Celso Ferretti, estudioso da ensino médio brasileiro, sobre este relatório:

"A proposta pretende resolver os atuais problemas do EM por meio, basicamente, da reestruturação curricular que contempla, sem o declarar abertamente, os interesses dos empresários quando afirmam valorizar a educação. Embora o currículo seja um elemento central na definição da estrutura pedagógica e na organização da escola, não é tudo, evidentemente. Ao eleger como foco a organização curricular o documento secundariza ou ignora questões importantes na oferta do EM, alguns dos quais abordados na sequência.

A oferta de uma base nacional comum que contempla campos do conhecimento fundamentais na formação humana  (língua portuguesa, matemática, ciências naturais, ciências humanas) é, mais que desejável, o que defendemos, dependendo da forma como for tratada. Todavia, o fatiamento proposto na 3ª série, além de retroceder aos anos 1970, promove uma fragmentação do processo formativo que antecipa, para a Educação Básica, processos de especialização que a comprometem e que ferem a proposta de integração com base na qual estão estruturadas as atuais DCNEM. Além disso, a proposição do fatiamento, também dos exames nacionais (como o ENEM, já criticável na versão atual) provavelmente incidirá sobre o caráter a ser assumido pelo desenvolvimento dos conteúdos das áreas disciplinares não apenas na 3ª série mas durante todo o curso, pois antecipará, na prática, as posturas de alunos e professores em relação às áreas de conhecimento propostas, ainda que a segmentação ocorra, formalmente, apenas no último ano do curso. Finalmente, ao propor que “a opção formativa do aluno que também (nosso grifo) esteja matriculado na educação profissional esteja em consonância com a habilitação profissional pretendida” o documento indica, ainda que não o explicite, que tal EP se fará separadamente do EM, restabelecendo, portanto, a forma concomitante de educação profissional técnica.
3.      A proposta de oferta do EM em tempo integral é, em tese positiva. Todavia, do ponto de vista da realidade sócio-econômica da grande parte dos jovens brasileiros oriundos dos setores populares, representa uma forma de exclusão do EM ministrado no período diurno, dado o fato de que tal parcela significativa da população jovem do país trabalha, seja para contribuir para a renda familiar, seja para suprir suas próprias necessidades. É, portanto, nesse contexto, medida discricionária, que institui um EM diferenciado para uma população jovem com melhores condições de vida e relega, ainda mais, ao curso noturno os setores populares, ao arrepio do que propôs a CONAE que se contemplasse no PNE. O caráter discricionário se manifesta, novamente, por meio do estabelecimento dos anos de duração do curso diurno e noturno e do mínimo de horas diárias de funcionamento. Uma simples conta, levando em consideração 200 dias letivos de aula, a duração dos cursos diurno e noturno e as horas diárias de funcionamento mostrará que o curso diurno será de 4.200 horas e o noturno 2.400. Obviamente, não será possível “contemplar [no segundo] o mesmo conteúdo curricular” [do primeiro]. Aprofunda-se, ainda tal caráter discriminatório da proposta, ao reivindicar a ampliação do número de escolas que possam ofertar o EM diurno em tempo integral, em contraponto à simples manutenção do número de cursos noturnos.
4.      Não conheço o Programa Nacional de Professores Visitantes na Educação Básica, citado pelo documento. No entanto, a justificativa e o objetivo da proposta que o envolve deixa entrever, salvo engano, que ela, de um lado, sanciona positivamente, a precarização da profissão docente ao invés de questioná-la. Ao contrário, parece-me que sugere aumenta-la, pois tais professores serão provavelmente contratados  (ou receberão bolsa) por tempo determinado, para suprir carências de professores que não são atraídos à atividade docente exatamente por cota dessa precariedade. Aliás esta proposição é conflitante com outra, contida na proposta, de que sejam desenvolvidas ações de valorização dos professores do EM por das quais se garanta sua dedicação exclusiva ao EM em tempo integral (esta, sim, uma medida positiva desde que a ela se acrescente “na mesma escola”)
5.      Embora os docentes que atuam na licenciatura venham há tempos fazendo críticas aos referidos cursos e propondo alternativas, a proposta sugere que o problema central das licenciaturas é o de que elas não preparam adequadamente os futuros professores em termos de manejo de métodos e técnicas pedagógicas, conferindo atenção demasiada às questões “teóricas e políticas”, estabelecendo, por essa forma uma dicotomia entre fazer e pensar, em benefício do primeiro termo. Acho que aqui as contribuições dos que trabalham nas licenciaturas é importante para questionar tal tipo de argumento, posto que ele serve, junto com outros, para não só demonizar e responsabilizar as práticas docentes como também para justificar a ênfase na reestruturação curricular do EM.
6.      As relações estabelecidas entre EP técnica e sua ampliação em articulação com o Pronatec e com o Sistema S, são como já sabido, não só a manifestação aberta da subsunção da EP aos interesses do empresariado que, se pudessem, transformariam todos os IFs em satélites do sistema como também, como já discutimos muito, forma de carreamento de recursos públicos para instituições privadas, em particular o referido Sistema S.
7.      Só vejo duas indicações positivas na proposta. A primeira, já referida, diz respeito à vinculação dos professores em tempo integral às escolas de EM. A segunda liga-se com a sugestão da criação de programas de financiamento para a construção de novas escolas e o aparelhamento das já existentes melhorando sua infraestrutura.

Do meu ponto de vista trata-se de uma proposta, como já sabemos, que visa promover o EM que interessa ao empresariado, mesmo quando propõe uma base comum para este pois não tenho dúvidas de que o caráter que se pretende atribuir a tal proposta visa a preparação de quadros profissionais mais adequada aos interesses de setor da sociedade.”

 

Autor: Ronaldo Marcos de Lima Araujo