Feira cultural tem como objetivo apresentar África através da literatura.
'A temática fere preceitos bíblicos e contraria nossas crenças', disse aluno.
Tiago Melo
Do G1 AM
Cerca de 14 alunos evangélicos da Escola Estadual Senador João Bosco Ramos de Lima protestaram na frente da instituição nesta sexta-feira (9) contra a temática proposta na sétima feira cultural realizada anualmente na escola.
De acordo com um dos alunos, Ivo Rodrigo, de 16 anos, o tema "Conhecendo os paradigmas das representações dos negros e índios na literatura brasileira, sensibilizamos para o respeito à diversidade", vai de encontro aos preceitos religiosos em que acredita. "A Bíblia Sagrada nos ensina que não devemos adorar outros deuses e quando realizamos um trabalho desses estamos compactuando com a idéia de que outros deuses existem e isso fere as nossas crenças no Deus único", afirmou o aluno.
Para a professora coordenadora do projeto, Raimunda Nonata, a feira cultural tem o objetivo, através da literatura, de valorizar as diversas culturas presentes na constituição do Brasil como nação. "Através deste projeto podemos proporcionar um debate saudável sobre a diversidade étnico-racial brasileira. Mas não foi isso que aconteceu", disse a professora.
Segundo a professora, os alunos se recusaram a ler livros clássicos como 'Ubirajara', 'Iracema', 'O mulato', 'Tenda dos Milagres', 'O Guarany', 'Macunaíma', entre outros, por apresentarem questões como "homosexualidade, umbanda e candomblé".
Segundo a diretora da escola, professora Isabel da Costa Carvalho, os alunos montaram uma barraca sem a autorização da direção na qual abordaram outra temática que fugia à proposta inicialmente. "Eles montaram uma tenda com o nome 'Missões na África' na qual abordavam a evangelização do povo africano em seu próprio território", explicou a diretora. A diretora afirmou ainda que a atitude dos alunos desrespeita as normas e o plano de ensino da escola.
Outra estudante, Daniele Montenegro, de 17 anos, argumentou que desde o 2º bimestre os alunos vem apresentando a proposta à direção. "Desde o início do ano que tentamos falar com a diretoria e eles nos negaram uma reunião pra discutir o assunto. Somente nos proibiram de apresentar outro tema. Fomos humilhados em sala de aula por colegas e pelo nosso professor de história", contou a estudante.
A feira cultural, que teve sua primeira edição em 2006, aconteceu na quarta-feira (7) e nesta sexta. Ao final dela, pais, professores, coordenadores, alunos, representantes de turma se reuniram para debater a questão. "Minha filha é uma das melhores alunas da sala e por preconceito por parte dos professores, a nota dela e da turma da 'Missões na África' foi reduzida abaixo da média", afirmou dona Wanderleia Noronha, mãe de Stephane Noronha, de 17 anos, do 3º ano.
Ao final da reunião, o conselho escolar decidiu por mais uma reunião, a ser realizada na proxima semana, que contará com agendes da Seduc. "Discutiremos como ficará a questão das notas dos alunos. Se será necessário fazermos uma avaliação diferenciada para eles ou se avaliaremos o projeto 'Missões na África'", afirmou a diretora.
Comments
Diversidade Cultural e escola para todos
Esta é uma questão que deve ser analisada com muito carinho sob pena de desconsiderar a diversidade cultural dos sujeitos que vivem a escola cotidianamente. Um bom diálogo podería ter evitado o conflito, socializar conhecimentos é diferente de multiplicar "verdades". Viva a diversidade!
A religião e a escola partida
Cara Wanda, não sei se entendi bem o seu viva à diversidade. O que consegui enxergar neste episódio amazônico foi uma grave violação do princípio da laicidadade na escola e da própria noção de diversidade. Os estudantes que se recusaram a ler os livros com referências à africanidade, sob a alegação de que os mesmos ferem os seus princípios religiosos, estão tentando fazer da escola uma extensão de suas igrejas. Penso que é algo que ameaça a própria instituição da escola pública. Precisamos conversar mais sobre isso. Uma educação fundada no princípio da diversidade pressupõe justamente o contrário do que os estudantes praticaram. Eles deveriam se abrir para o outro, para a diferença, para a escuta, ainda que fosse para continuar com as próprias crenças. E não tentar um atalho para não enfrentar a diferença. No fim das contas, inventaram a tenda para se defenderem do que não acreditam. Isso não é democrático, republicano e não deveria ser tolerado pela escola. Sigamos em diálogo e em defesa da escola pública, laica e democrática!
Diversidade Cultural e escola para todos
A diversidade a que me refiro, professor Carrano, é a Diversidade cultural dos sujeitos que vivem a escola, e não ao ato de recusa em participar da atividade proposta para a feira. O que quero chamar a atenção é para a necessidade do diálogo com esses diversos sujeitos, será que esses jovens já discutiram em algum momento de suas vidas sobre a importância de uma escola Laica? a maioria desses jovens já nascem dentro das igrejas, passam muito mais tempo dentro delas do que na escola, a ideológia que lhes aprisiona, penso eu, os tornam tão vítimas do processo quanto nós, que não o reconhecemos como tal . Atuo no ensino Fundamental e Médio como professora de geografia há 10 anos e sei o quanto é difícil para esses alunos aceitar essa separação,determinados conteúdos de aprendizagem são difíceis de serem aceitos por eles, mas nunca sucumbi ao diálogo é um processo que construímos juntos. Quando a aluna da matéria afirma " Somente nos proibiram de apresentar outro tema. Fomos humilhados em sala de aula por colegas e pelo nosso professor de história", fiquei triste com a condução da situação. Como apresentá-los um outro mundo possível ao que eles se encontram aprisionados se nos fechamos ao diálogo?. Acredito que este diálogo é extremamente necessário e que possamos aqui neste espaço fazer um debate democrático.
abraço!