Gerações desplugadas
Nascidos antes da explosão digital, grande parte dos professores tem dificuldades com o uso das novas tecnologias .
A professora está diante de um sofisticado computador conectado a um datashow com o qual pretende fazer uma exposição dinâmica da sua aula. Em vez de iniciar a apresentação, no entanto, ela procura, num grosso manual de instruções, como deve fazer para usar as máquinas, bem diferentes do equipamento que usava anteriormente. A situação poderia chegar num impasse se os alunos prontamente não tomassem a iniciativa não só de ligar os aparelhos, como também, de dar as instruções fundamentais para que o arquivo da aula fosse adequadamente utilizado.
A cena aconteceu, de fato, numa escola pública do ensino médio de Curitiba. A professora de Física e Química, Jociele Aparecida Teixeira, não é exatamente uma excluída digital, pois tem computador em casa e faz uso pessoal dele. Mas o equipamento, fornecido pelo Estado para a escola, é bem mais complexo. “Havia um manual de 180 páginas que não tive tempo de ler”, diz Jociele. “Eu já tinha perdido metade da aula sem ter feito nada. Se não fossem os alunos, eu nunca teria conseguido. Mas eles ficaram com uma cara de ‘como é que você não sabe? Você é a professora’. Ora, eu não sei. Eles é que sabem, mexem no equipamento e de alguma maneira o fazem funcionar”.
Ela lembra que, uma vez por semana, um funcionário do Estado visita a escola para fazer manutenção dos equipamentos e que, eventualmente, pode dar também explicações sobre como operá-los. “Mas quando ele aparece, eu sempre estou em aula”, diz ela. O “drama” de Jociele não é exclusivo dela. É, na verdade, de toda uma geração. Os professores do ensino médio, em geral, nasceram e se formaram numa época em que não havia um uso tão disseminado de recursos tecnológicos, mais especificamente do computador, e não têm a mesma naturalidade de seus alunos para lidar com essa linguagem. O que exige investimento também em formação. “É preciso preparar o professor para a nossa nova realidade. A grande presença das tecnologias na nossa sociedade é um fato muito recente”, diz Juliana Siqueira, que conduz o projeto Pedagogia da Imagem, do Museu da Imagem e do Som de Campinas e recentemente defendeu tese de mestrado na Escola de Comunicação e Artes da USP, na área de Educomunicação.Tecnologia e conteúdo Em seu projeto, que está em operação desde 2003, Juliana Siqueira abriu um espaço para que os professores do ensino público tivessem a oportunidade de se atualizar com as novas linguagens, até mesmo, as audiovisuais. “Se antes era importante você saber ler e escrever para ser um cidadão, hoje você precisa também dominar essas linguagens e saber produzir com elas”. Os professores que se beneficiam do projeto de Juliana participam de cursos contínuos envolvendo todo o processo de execução de propostas audiovisuais. Se o projeto é, por exemplo, produzir uma aula com vídeo, eles não apenas aprendem a operar uma câmera, mas também “princípios de enquadramento, luz, ângulos, recursos tecnológicos, técnicas de roteiro e de pesquisa, dinâmica da aula. E também como publicar o resultado final num blog, por exemplo”, diz Juliana. É bem diferente dos cursos que se costuma oferecer aos professores – em geral, básicos demais. “O curso que me ofereceram era para aprender operações do Excel, Power Point e Word”, diz a professora Jociele. Se as escolas públicas vêm recebendo cada vez mais equipamentos do Estado – computadores, impressoras, datashows e periféricos –, o problema é que boa parte disso acaba confinada em laboratórios trancados, praticamente sem uso. “Existe uma simplificação de que basta colocar tecnologia nas escolas para que tudo corra bem”, diz Raquel Goulart Barreto, doutora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisadora do uso da tecnologia na metodologia de ensino. “Mas a questão que não se discute nas políticas de ensino é como o professor deve usar essa tecnologia”, diz ela. Raquel compara a situação com o antigo costume dos pais de comprarem enciclopédia para o filho poder pesquisar e estudar. “Naquela época, o aluno pelo menos copiava o conteúdo da enciclopédia. Ainda que fosse uma tarefa pobre, era melhor do que simplesmente copiar e colar um texto encontrado na Internet”, diz.
Ferramenta a favor “O papel do educador ainda é o mesmo: ser o responsável pelo conteúdo e pela linguagem. A forma, o domínio da ferramenta será sempre dos alunos. Não adianta lutar contra isso. O que adianta é saber aproveitar essa ferramenta para ensinar”, diz Glaucia da Silva Brito, diretora do Gepete, Grupo de Estudos Professor, Escola e Tecnologias Educacionais, ligado à Universidade Federal do Paraná. Segundo apurou em suas pesquisas, desde o início desta década os professores manifestam o desejo de uma formação no uso de tecnologias novas, especificamente do computador, não só para desenvolver habilidades operacionais, como também para elaborar aulas, pesquisar conteúdos e conduzir seus alunos nesse universo. E embora o Gepete ofereça cursos que ensinam desde a utilização de um processador de texto até a construção de sites, a situação, segundo Gláucia, ainda é crítica. “O professor precisa olhar para a realidade do aluno, para o universo em que esse jovem vive, e desenvolver seu ensino a partir dessa informação”. Seja como for, diz Gláucia, “o foco não deve estar no uso da tecnologia, mas, sim, na metodologia do professor”. A procura dessa metodologia deve preponderar sobre a preocupação operacional dos equipamentos e sobre o maior conhecimento da tecnologia por parte dos alunos. “Os professores nunca vão saber mais do que esses jovens. E nem devem se preocupar demais com isso”, diz Aparecida Paiva, professora de Língua Portuguesa e Literatura da Escola Albert Einstein, em São Paulo. Ciente das suas limitações, ela desenvolveu junto com os alunos uma dinâmica muito particular para enfrentar os problemas: “Uma verdadeira parceria. Eu proponho os projetos, embaso o conteúdo, oriento a pesquisa e eles fazem a formatação final. Isso é com eles. Já fizeram trabalhos incríveis com as minhas propostas e nem me pergunte o programa que usaram porque eu não sei. Mas o resultado foi muito bom”. Há mais de 20 anos dando aulas no ensino médio, Aparecida reconhece que só pôde evoluir na sua metodologia com a ajuda desses novos recursos – e com a participação decisiva dos alunos. “Eu fiz alguns cursos oferecidos pelo Estado mas, de fato, não aprendi muito. Porque não adianta a gente aprender a operar um programa. O importante é descobrir como utilizar esses recursos no seu método de ensino”, diz ela. Não que faltem iniciativas na área. O Ministério da Educação, por exemplo, oferece aos professores oportunidades de formação como o ProInfo Integrado, ou Programa Nacional de Informação Continuada em Tecnologia Educacional que, no ano passado, capacitou 118 mil professores do ensino público “a utilizar as tecnologias de informação e comunicação em sala de aula”. Há ainda o programa do governo batizado de UCA – Um Computador por Aluno – que tem como objetivo dar equipamento a professores e alunos. Para Gláucia da Silva Brito, a preocupação com a formação do professor nas novas tecnologias já deveria existir desde a faculdade, para que os professores se formassem já com essa base. Mas isso não ocorre. Na verdade, trata-se de um campo ainda muito pouco explorado no universo acadêmico. “Há um grande vazio de pesquisadores na área de tecnologia e educação. E quando há pesquisadores, não há orientadores”, conclui ela.
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