Entrando pelo portal da consciência
Escola desenvolve projeto de conscientização sobre a cultura afro-indígena brasileira. De maio a junho, alunos participarão de manifestações artísticas, debates e oficinas
Caminhando pela rua na qual passam todos os dias centenas de alunos do Instituto de Educação Clélia Nanci, duas garotas conversam animadas: “Nossa, hoje tava tão legal na escola!”, diz uma delas. “É, nem dava vontade de ir embora”, comenta a outra.
O relógio já está bem perto das 16:30h. Quadra do colégio lotada, muitas vozes se misturam. Alunos em cima de cadeiras dividindo o espaço com colegas, na ponta dos pés, apoiados uns nos outros. Pelo menos 10 celulares fotografando ou filmando. É quase impossível ver o que se passa no meio da roda, mas a música denuncia. Se trata da apresentação de um grupo de hip hop. O som deixa a escola em polvorosa. Muitos cantam, os sorrisos estão no rosto, empolgação. O clima não dá mesmo vontade de deixar o colégio.
Na sala dos professores um número mais reduzido de alunos assiste e protagoniza outro espetáculo. A sala, bem menor que a quadra, também está lotada. O entra e sai pela porta deixa repercutir o som que vem da quadra. A animadora cultural da escola, Magali Cardoso, pede a um dos presentes para dizer um número. Para cada número sorteado se segue a representação de um aluno ou aluna que passa a ser um personagem negro da história brasileira, como João Candido, Negra Quelé, Ademar Ferreira da Silva, Lupicínio Rodrigues, MC Claudinho, da dupla Claudinho e Bochecha, que é prata da casa.
“Sou Marlon Alves, cidadão negro brasileiro, da turma 1010”, disse o artista que representou o Almirante Negro João Candido. Ao final de cada apresentação os alunos diziam o nome, repetiam a frase “sou cidadão negro brasileiro” e de qual turma fazem parte.
Esses dois momentos foram atividades realizadas durante a abertura do projeto Portal da Consciência, desenvolvido no Instituto de Educação Clélia Nancy oficialmente desde 2006. Os professores organizadores contam que os trabalhos que resultaram no evento são realizados na escola há 10 anos. O portal foi aberto no dia 14 de maio e vai até o dia 20 de novembro – dia da Consciência Negra. Durante esse período serão realizadas várias atividades de conhecimento e valorização da arte e cultura afro-brasileira e indígena.
O Portal da Consciência em 2009 terá como fio condutor a narração de histórias. Como explica um dos professores coordenadores das atividades, Israel de Oliveira, os Griôs ou Dieli são personagens contadores de história na cultura africana e é essa realidade que os alunos do colégio serão convidados a vivenciar em 2009.
“Esta abordagem tem como objetivos compreender a importância das narrativas na formação da identidade pessoal e grupal e refletir sobre os conceitos de narração, narrativa e produção de conhecimentos”, explica o texto do projeto.
Israel conta que é dentro dessa perspectiva que os alunos serão também levados para fora da escola. Estão programadas visitas à cidade de Parati para conhecimento de quilombos e aldeias indígenas na região e à Ilha de Paquetá. O professor explica que na ilha há um Baobá, uma árvore típica da África, na qual as populações africanas se reúnem para ouvir os Griôs contarem histórias. Os alunos do Clélia Nancy repetirão essa cena em Paquetá.
“O que fica para os alunos são essas vivências proporcionadas a partir do Portal. Às vezes encontro com alunos que já se formaram e o que eles lembram dos tempos de colégio é isso. Pergunte a ele se lembra de alguma fórmula matemática assim instantaneamente? Provavelmente não, mas dessas atividades ele lembra”, comenta o professor de artes Israel de Oliveira.
Para ele, o professor tem esse papel de motivar os alunos a conhecerem. “Tem professores que estão há 30 anos no magistério, e são 30 anos de repetição, papagaio não motiva”, argumenta.
Também fazem parte da organização do Portal em 2009, os professores Ilana Gouveia, Magali Cardoso, Márcia Joaquim, Marcus Delphim e Rita Érika.
Amparados na lei
A Lei 11645/2008 modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e torna obrigatório o ensino da cultura negra e indígena no currículo escolar. Antes dessa alteração, os professores já realizavam o Portal da Consciência.
“A Lei serviu para não ficarmos tão tímidos ao pedir o suporte da direção da escola para a realização do Portal. Antes tínhamos que pedir pelo Amor de Deus”, relata.
Ainda assim, os professores enfrentam uma série de dificuldades para realizar o evento. Uma delas é a de orçamento. Segundo os organizadores, apenas dois dias antes da abertura do Portal, a escola informou que não poderia disponibilizar todo o orçamento previsto para a realização das atividades. Resultado: foi preciso que os professores arcassem com a maioria das despesas.
Apesar das dificuldades, Israel comenta que o projeto é essencial porque trata a educação como um todo e que eles estão dispostos a continuar. O esforço dos professores é visível, a casa de Israel, bem próxima da escola, serve como ponto de apoio, é lá que são guardados os materiais, são feitas as reuniões. É lá que, inclusive, dois indígenas convidados pelos professores para estarem no colégio durante a abertura do Portal foram recebidos e alojados.
A bonequinha Abayomi
Ao final da apresentação dos personagens na sala dos professores, os convidados receberam como lembrança uma pequena bonequinha negra, com um alfinete para ser afixada na roupa ou mochila. O professor explica que se trata da Abayomi, uma bonequinha típica africana. Na língua africana yorubá significa “meu presente” ou “meu momento”. “Há um preconceito e um racismo sorrateiro na escola”, alerta Israel. E é com esse sentimento que o projeto pretende acabar.
No caminho até o portão do colégio, vários murais com motivos africanos e poesias do poeta negro Solano Trindade enfeitam a passagem. Bem que as duas alunas comentavam que não dava vontade de ir embora da escola!
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Comments
Gostei muito deste texto!
Gostei muito deste texto! Tinha que pesquisar sobre esta lei para a escola ( em sociologia ) e em outros sites estava tudo muito grande, exaustivo! Aqui é direto e tem exemplos! Amei!!!!!
Resposta à Jessica
Olá Jéssica,
Ficamos felizes em saber que esta reportagem contribuiu para as atividades propostas na sua escola. Agente espera produzir materiais que possam ajudar os alunos, principalmente na sua relação com a escola. Neste mês estamos lançando o Projeto Escola da Vez, onde a equipe do portal realizou algumas oficinas na Escola Maria Carolina Costa. Confira o que foi produzido e nos conte o que achou.
ESCOLA DA VEZ
Abraços,
Liliane Palhares