Em sua escola tem grêmio?

Ismael_Cardoso_1354x2032.JPGSe não tem, poderia ter. Em entrevista ao EMdiálogo, o presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Ismael Cardoso, explica que existe uma lei que garante a todos os estudantes se organizarem em um grêmio estudantil. E é obrigação da escola destinar uma salinha para o Grêmio.

Ismael Cardoso participou do Seminário Nacional de Políticas para o Ensino Médio, em Brasília, onde nos concedeu essa entrevista. O Seminário foi promovido pelo Ministério da Educação, junto a várias instituições parceiras, de 22 a 24 de setembro.

Na conversa com o EMdiálogo, o presidente da UBES falou também sobre como a entidade acredita que deve ser o Ensino Médio. Para Ismael, o novo Enem continua não garantindo que os estudantes de escolas públicas tenham acesso à universidade.

 

EMdiálogo - Como a Ubes avalia a situação atual do Ensino Médio no Brasil?

Ismael Cardoso – Há uma tese de um professor que diz que falta identidade no Ensino Médio. O professor Carlos Artexes [diretor de Concepções e Orientações Curriculares para Educação Básica do MEC] falou muito bem aqui no Seminário que na verdade não falta identidade, o problema é que há diversidade de identidades. O Ensino Médio tem muitas identidades, mas não tem os objetivos claros. É uma formação generalista? Não é. É uma formação técnica ou não? Tem também a questão do trabalho porque não são mais apenas adolescentes no Ensino Médio, são jovens, boa parte até de maiores de idade e essas pessoas tem outras preocupações. O Ensino Médio está mal, mas a gente aponta caminhos.

Essa questão da obrigatoriedade parece pouco, mas não é, porque o fato de você obrigar as pessoas a entrarem no Ensino Médio dá uma importância, e ao dar importância, as pessoas passam a discutir mais. Agora precisamos definir os objetivos mais claros dos currículos, que tenham ligação com a realidade, isso é fundamental.

EMdiálogo - E o que a Ubes vê como prioridade nas políticas para o Ensino Médio?

Ismael Cardoso - Primeiro a gente precisa perceber que o Ensino Médio é você dar diversidade ao que acontece dentro da escola. Não dá mais para achar que a menina ou o cara vão ficar sentados cinco horas na sala de aula e vão aprender. Ou seja, é corpo presente só e nós não queremos isso. Muito mais do que sala de aula, às vezes vale mais a pena você ter aulas de arte, teatro, música ou esporte, entre outras coisas que ajudam na formação também. A pessoa fica menos tensa para fazer outras coisas porque ela já fez aquilo que ela queria fazer e se dedica mais à aula.

Sem contar a própria aula que não tem muita ligação com a realidade, o menino estava falando aqui hoje do verbo to be [inglês], você passa três anos e a maioria não aprende o verbo to be e também nunca vai usar. Assim também acontece com a Física, com a Matemática e outras disciplinas. É preciso fazer uma reformulação do ponto de vista da pedagogia, pensar como é que você faz coisas mais ligadas a realidade. Não adianta ficar só no quadro negro, é preciso ir para campo e isso pode ser dentro da escola, você pode utilizar materiais ali da escola, um jardim, até num jogo de futebol você pode ensinar física.

No Rio de Janeiro, a gente descobriu recentemente um professor de um colégio em Visconde de Mauá que desenvolveu um game que ensina física, faz cálculos, projeções. Como é que nesse mundo, que tem tanta coisa que faz o jovem dispersar e sair da escola, é possível fazer com que ele volte para a escola?

EMdiálogo - E para essa escola se tornar mais atraente, que passos precisam ser dados?

Ismael Cardoso - Primeiro precisa de luta, o movimento estudantil e a sociedade precisam se mobilizar. A gente nunca conquistou nada sem fazer a luta, não dá para esperar só do governo, por mais que a gente tenha avançado.

O estado brasileiro foi criado para um tipo de concepção, que estamos querendo reverter, que é a educação para dois tipos de pessoas - uma que vai dirigir o país e a grande massa que será dirigida. Não é essa educação que a gente quer construir, então, precisamos lutar para reverter essa concepção que é cultural, muito arraigada na sociedade brasileira.

Então, mobilizar os estudantes é a primeira coisa, não adianta debater, fazer só seminário, se não for para a rua, a gente não consegue transformar do jeito que a gente quer.

EMdiálogo - E quem tem que ir para a rua são os estudantes?

Ismael Cardoso - São os estudantes e a sociedade, mas acho que os estudantes têm maior participação nisso.

No capitalismo, quando o trabalhador faz greve, perde o emprego e isso faz com que ele se afaste cada vez mais dessas pautas reivindicatórias. A juventude, como não tem emprego, tem sido cada vez mais responsabilizada por essa mobilização. Porque se um estudante perde a aula não tem penalização. E o jovem também está querendo aprender, conhecer as coisas, está mais disposto e tem condições de se mobilizar. Eu acho que a juventude tem hoje o papel fundamental de transformar a sociedade.

EMdiálogo - E como a Ubes incentiva para que isso aconteça, já que a realidade hoje não é de mobilizações de massa por parte dos estudantes em comparação a outras épocas?

Ismael Cardoso – Em se tratando de movimento de massa, a gente não pode pegar só a juventude, você não tem em nenhum lugar hoje no mundo grandes mobilizações de massa, grandes ascensões com tomada de poder. Mas é normal, há altos e baixos até que você acha uma bandeira política acertada, no momento certo, e inflama as massas. Então, não é um problema do movimento estudantil, é uma questão de momento.

As pessoas tem se mobilizado, mas precisam se mobilizar mais. É como eu falei, é uma questão de você achar uma bandeira correta, no momento correto. Nós vamos fazer aqui em Brasília, no segundo semestre, algumas manifestações sobre o Pré-sal para poder destinar recursos para a educação. Nossa proposta é que 50% do fundo social a ser criado seja vinculado ao Ministério da Educação.

Vamos fazer as mobilizações, pode ser o Pré-sal, mas pode ser outra coisa, o que importa é você estar a todo o momento mobilizando. Uma hora você acerta naquela bandeira, como Mao Tsé-Tung dizia: é a fagulha que acende a pradaria. Tem uma palha seca ali, tem uma hora que dá uma fagulha e vai acender aquilo ali.

A juventude participa, essa tese de que não participa não é verdade. Tem diversas formas de participação. Você tem o grêmio, mas também tem outras organizações que dentro da escola se mobilizam e todas essas devem ser consideradas.

EMdiálogo - A escola é um ambiente favorável para essa mobilização crescer?

Ismael Cardoso – A primeira condição para você ter mobilização, é ter uma concentração de juventude, quando estamos falando de estudantes. Há um foco grande de efervescência por si só dentro da escola, isso é a primeira coisa.

Segunda coisa, se você pega do ponto de vista mais profundo, é claro que a escola tende a dispersar, porque não se debate mais na escola as questões de sociedade. Agora há aula de sociologia, mas não basta só ter isso, é preciso ter professor preparado.Tem gente que é de química e dá aula de sociologia, ou de geografia que dá filosofia, tem que ter material didático e tem que ter discussão.

Você não pode ter um livro onde há uma criança desenhada toda arrumadinha com uma lancheirinha indo para a escola. Essa não é a realidade, precisamos debater o seguinte: tem criança que não tem lancheira, não tem roupa e não tem escola, porque essa é a nossa realidade. Quando não tem esse debate, não se tenciona para a mobilização, sem contar essa questão que a vida tem trazido que cada vez mais as pessoas estão pensando em si mesmas. O problema é que não há saídas individuais para problemas que são coletivos.

A escola não ajuda, mas faz parte da disputa da sociedade, temos que disputar isso, não podemos desistir. A escola está lá, o estudante está lá, ele quer participar, às vezes não conhece bem a realidade. Até conhece porque a sente, mas não debate essa realidade e não a compreende bem, mas ele está lá, basta alguém chegar e discutir que sempre vai ter alguém querendo se mobilizar.

EMdiálogo - Você comentou sobre as dificuldades que os estudantes encontram nas escolas para atuação nos grêmios. A Ubes tem informações de que isso acontece muito?

Ismael Cardoso - Demais, é o que mais tem. O Brasil é um país que tem uma democracia muito recente e as pessoas ainda estão aprendendo.

O grêmio estudantil tem que fazer várias coisas, mas uma delas é estar atento a essas questões que eu coloquei aqui, porque o grêmio existe para isso, para poder intervir na realidade. E, às vezes, por falta de compreensão democrática, alguns gestores acham que o grêmio serve só serve para bagunça ou, inclusive, para desafiá-lo. Se for para desafiá-lo também é bom, não é um problema, mas o gestor não quer ser desafiado.

Então, o problema é muito grande, muito maior do que a gente possa imaginar. Em muitos lugares que, inclusive, tem eleição direta para diretor, há problemas. Então não é só uma questão de poder eleger o diretor, é uma questão muito mais profunda. Se a escola não debate as questões da juventude, essa questão do voto é algo meramente formal. Se o estudante pudesse debater na sala de aula os problemas que tem, ele começa a perceber as pessoas de uma forma diferente, começa a observar os comportamentos dos professores e dos alunos e diferenciar as diversas ações. Quando não tem esse debate na escola, pode ter muito diretor eleito, mas que é antidemocrático, como você tem na sociedade em geral também.

EMdiálogo - E como os estudantes que ainda não tem grêmios podem criá-los?

Ismael Cardoso - Não existe fórmula, mas você tem caminhos. No nosso site tem muitas informações, tem a Lei do Grêmio Livre, tem modelos de estatuto, de ata de assembléia, está em www.ubes.org.br. Lá também há contatos de pessoas que podem ajudar nos estados. Mas o primeiro passo é passar em sala de aula, falar da importância da organização estudantil, marcar uma assembléia para debater os problemas da escola.

A gente também não pode ficar “viajando” e achar que o estudante tem que ficar todo o tempo debatendo as grandes questões nacionais. O que pega, às vezes, é o passe livre que ele não tem, a falta de água na escola, o chuveiro do vestiário quebrado. Essas são coisas que mobilizam, o pessoal se preocupa e a partir disso se faz um debate mais amplo.

A Lei do Grêmio Livre foi aprovada em 85 e estabelece que o grêmio tem direito a existir, inclusive com espaço físico. Muita escola não disponibiliza o espaço, o gestor diz: “ah, pode ter o grêmio, não tem problema”. E como forma de evitar um pouco a ação do grêmio não dá nem o espaço para o grêmio trabalhar. Então, toda direção é obrigada a dar um espaço para o grêmio, a deixar que a eleição aconteça, está lá na lei. Se tiver algum problema, é bom pegar a lei e andar com ela na mochila.

EMdiálogo - Qual a opinião da Ubes sobre o Novo Enem?

Ismael Cardoso - É uma prova de conteúdo bom, não é ruim, o problema é onde se encaixa. Nós não podemos dizer que com a mudança do vestibular antigo para esse novo Enem, nós acabamos com o vestibular. Eu acho que nós mudamos o nome, mas o acesso à universidade não necessariamente foi democratizado por isso.

A primeira coisa para se democratizar o acesso é ampliar massivamente as vagas na universidade e a segunda é você constituir formas de seleção mais democráticas. Nós estamos debatendo que o Ensino Médio está muito ruim no Brasil, então, a educação que o estado brasileiro dá ao estudante é a mesma que ele recusa para dar acesso à universidade.

Você passa três anos estudando e no final você faz o Enem. Num cenário em que não há vaga para todo mundo, você não pode avaliar só no final. É aquela lógica da punição, você não avaliou no começo, nem no meio, no final você avalia e, óbvio, terá um resultado ruim. Se você avalia no começo e toma medidas para resolver aqueles problemas e deficiências que o estudante tem e vai avaliando paulatinamente, ele vai chegar no final para fazer essa prova em melhores condições.

A segunda coisa é que se unificou essa prova nacionalmente, o estudante pode concorrer a cinco universidades. Aí tem um grande problema, já é difícil para o estudante entrar na universidade no estado dele e se manter dentro dela. Fico pensando num estudante de escola pública, que é a minoria dos que entram na universidade pública, mas os que conseguem entrar, se ele entra numa universidade que não fica no estado onde ele está, como ele vai para lá e como vai se manter durante cinco anos? É praticamente inviável.

A assistência estudantil que nós temos não dá condições de você se manter longe do seu estado. Então, as pessoas que entravam na universidade, me parece que com essa proposta, vão ter mais condições de entrar, de disputar em outros lugares, porque eles não vão mais precisar viajar, fazem a prova no seu estado, escolhem a cidade para onde querem ir e vão, porque eles tem condições de ir. Às vezes impedindo, inclusive, que as pessoas que estão naquele estado entrem na universidade.

Cometemos um erro nessa questão do Enem e precisamos reavaliar. Esses erros se dão também por falta de discussão, foi muito atropelado o processo. A gente está fazendo a Conferência Nacional de Educação, que só vai terminar em Abril. Não precisa esperar até abril, precisamos ter soluções rápidas, mas foi praticamente em menos de quatro meses que se apresentou a proposta, fechou e acabou. Em síntese, acho que mudou pouco, não garante democracia e é preciso rever essa questão.

 

 

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