Mayná Conceição dos Santos é estudante do Ensino Médio da Escola Frei Henrique de Coimbra, próxima a aldeia indígena pataxó de Coroa Vermelha, na Bahia. Nessa entrevista, Mayná e sua parente Tamiweri contam como é a vida na aldeia.
De vez em quando, entre uma palestra e outra, ouvia-se um gritinho, um resmungado ou um chorinho de bebê. Era o filho de Mayná - indígena da aldeia Pataxó de Coroa Vermelha, na Bahia. Mayná e o bebê participavam do Seminário Nacional de Políticas para o Ensino Médio, realizado em Brasília, de 22 a 24 de setembro.
Assim com outros estudantes, Mayná foi até lá para conversar sobre o que ela acredita que deve ser um Ensino Médio de qualidade. Na entrevista que concedeu ao EMdiálogo, a jovem reclamou, por exemplo, que a escola onde estuda troca muito de professores.
Mayná Conceição dos Santos tem 15 anos e é casada com Kâhu Werimechi, de 19 anos. Além dos dois e do bebê deles ainda participou do Seminário a jovem indígena Tamiweri do Rosário Santos, 23 anos, estudante de pedagogia e funcionária da escola indígena Pataxó de Coroa Vermelha. Professores indígenas também estavam presentes.
A escola
Nos momentos de intervalo do Seminário, a mesa onde Mayná e Tamiweri expunham o artesanato feito na aldeia ficava concorridíssima. Durante as atividades, podia-se ver que os colares, brincos e pulseiras feitos pelos artesãos indígenas estavam fazendo sucesso. Muitas mulheres compraram os adornos e os usavam ali mesmo.
Na aldeia Pataxó de Coroa Vermelha há uma escola indígena. Tawiweri conta que a escola é bem organizada, construída com piaçava [palmeira retirada da natureza muito utilizada em algumas regiões como telhado das casas] e em formato de oca. O colégio funciona apenas no turno da noite e é uma extensão da escola Frei Henrique de Coimbra.
“A nossa aldeia é cortada por uma BR [rodovia], de um lado fica a aldeia e do outro lado fica a escola Frei Henrique. A escola dentro da aldeia existe há uns três anos”, explica Tamiweri.
Mayná cursa o 1º ano do outro lado da BR, na escola Frei Henrique, no turno da noite. As meninas acreditam que a escola indígena deveria ter um pouco mais de autonomia, com gestão própria. “Dão mais importância à sede”, reclamam as jovens.
Elas contam que o diferencial entre uma escola que atende a população não indígena e a escola da aldeia é que na última se aprende também a língua indígena do local – o Patxohã – e também as manifestações culturais indígenas, como as festas tradicionais, são reproduzidas na escola.
“Lá tem professores indígenas e não indígenas. Os professores “brancos” são os que ensinam as línguas estrangeiras, como inglês e espanhol”, detalha Mayná.
Tamiweri conta que os estudantes já fizeram uma greve para evitar que professores “brancos” parassem de lecionar na escola.
“Não é que os estudantes não queriam os professores indígenas que assumiriam pelo concurso, mas é que já estavam acostumados com os outros professores. Era o mês de outubro e o certo seria terminar o ano primeiro e no ano seguinte começarem as aulas com os professores novos”, justifica.
Mayná completa:
“Aí fica chato porque um professor explica de um jeito e você já está acostumada com ele, de repente vem outro que explica de outro jeito”.
Orgulho de ser indígena
Tamiweri e Mayná falam o português perfeitamente como qualquer outro jovem brasileiro. Elas contam que os pais e avós também falam o idioma fluentemente, além da língua indígena.
“A etnia Pataxó fica no litoral, então tem fácil acesso aos “brancos”. Desde pequena nós aprendemos o português”, diz Tamiweri.
Para as meninas, esse contato próximo com a população não indígena tem pontos positivos e negativos.
“Existem os dois lados, um lado é o que beneficia. Os índios sobrevivem de artesanato, então, essa é uma influência boa porque hoje o mundo é movido a dinheiro e esse contato nos ajuda. E tem um lado ruim que é um impacto muito grande na cultura. Os índios, muitas vezes, não querem mais praticar a cultura deles porque querem outro tipo de cultura branca que gostaram. Os casamentos também se misturam”, reflete Tamiweri.
Por falar em casamento, Mayná se casou no dia em que fez 15 anos e logo veio o bebê. Quando ela vai para a escola, o filho fica com o pai, com a avó ou acompanha Mayná à escola.
As meninas contam que, às vezes, há mais crianças do que estudantes na sala de aula.
Ao contrário de Mayná, Tamiweri ainda não se casou e conta que em casa a mãe sempre reclama do “atraso” no casamento da filha e de duas irmãs que, assim como ela, não estão muito preocupadas com o matrimônio. A jovem conta que namora há um ano e nove meses com um jovem indígena e que antes de se casar quer terminar a faculdade. O esposo de Mayná, Kâhu, também já está na faculdade e cursa administração.
A família das duas jovens é numerosa. Na casa de Tamiweri são sete filhos e na de Mayná são cinco.
“Eu me orgulho muito de ser indígena porque somos um povo muito unido, em qualquer etnia. Todos se dizem parentes. Pode ter conflito dentro da aldeia, mas se alguém de fora, algum branco mexeu com um de nós, mexeu com todo mundo. É uma ligação muito grande, aquele amor, aquela paixão, companheirismo. Já vem da tradição, do costume da gente. Comunidade indígena vive a comunidade mesmo”, conclui Tamiweri.
Ao final da entrevista, as meninas se despedem com a palavra Awêry, que significa obrigada no idioma indígena Patxohã.