“O museu não tem que ser mais sério do que é” - entrevista com o coordenador do Museu da Vida Pedro Paulo Soares
Para o coordenador do Museu da Vida, o historiador Pedro Paulo Soares, os museus e casas de ciência complementam o ensino formal e não tem necessariamente o compromisso da transmissão de conteúdo. O E.M Diálogo conversou com ele, confira a entrevista.
EMdiálogo - Os jovens estão interessados pela ciência?
Pedro Paulo Soares - Nós vivemos não é de hoje certa crise no ensino. A formação do jovem e o interesse deles por determinadas disciplinas sempre foi um problema e eu estou falando até da minha época em que eu era um estudante de Ensino Médio.
Mas qual é o papel dos museus e centros de ciências no contexto de uma atividade que é complementar a do ensino? Um museu ou centro de ciência não é uma escola, não é o substituto de escola, ainda que nesses lugares ocorram processos de aprendizado, mas aferir isso não é a mesma coisa que aferir num aprendizado de sala de aula, com testes, provas, uma série de métodos que garantem aferir resultados. O museu não se pretende a isso, se pretende a colocar jovens em contato com os temas da ciência e buscar através de uma relação que é mais viva, afetiva, mais de estímulo ao interesse e não propriamente aquela transferência de conteúdos.
Não estou dizendo que não possa haver transferência de conteúdo e que não haja aprendizado em uma relação entre o visitante de um museu e as exposições e atividades de um museu, mas eu acho que uma coisa é o processo de aprendizado formal na escola, e a outra é a possibilidade de você ter ou não aprendizado de uma experiência museológica, que é o convívio com o espaço preparado para falar de ciências, destacar temas contemporâneos, fixar alguns temas que são mais polêmicos, colocá-los em discussão, mas sem o compromisso da transmissão de conteúdo.
EMdiálogo - E como você acredita que deve ser a relação entre o museu/ casas de ciências e a escola?
Pedro Paulo Soares - O ensino de ciências é e vai ser sempre uma responsabilidade da escola, mas os museus e casas da ciência atuam perifericamente para despertar interesses, propor novas questões para esses jovens. O importante é você articular a sala de aula com o que os museus apresentam. Daí a gente ter uma linha de ação que é buscar preparar os professores antes deles virem ao museu com suas turmas. Porque assim a gente acredita que eles tenham um aproveitamento melhor e que podem voltar para a sala de aula e discutir mais essa experiência, que é uma experiência lúdica, de lazer. A gente não deve nunca achar que o museu tenha que ser uma coisa mais séria do que ele é, o museu é um lugar de lazer, de entretenimento, de cultura, e é claro de conhecimento, seja histórico, científico, artístico.
A questão de um museu de ciências nos obriga muito a trabalhar próximos a escola. Essa é uma necessidade já entendida há pelo menos uns 30 anos, de se fazer um ensino de ciências nesse país, de trazer novos jovens para as carreiras científicas. Como você estimula o interesse de novos jovens? Boas salas de aula, que é um grande problema, um bom ensino de ciências e o que eu estou chamando de atividades complementares, que são essas do campo da popularização da ciência, da divulgação cientifica, são esses espaços informais, ou mesmo institucionais, como Semana da Ciência e Tecnologia, museus de ciência e tecnologia. Se vocês repararem a quantidade de museus e centros de ciência que foram criados da década de 80 até hoje e eles estão totalmente articulados com essa discussão que é da educação.
EMdiálogo -Como você avalia a divulgação científica atualmente?
Pedro Paulo Soares - Eu sou muito otimista porque eu vejo dos anos 80 para cá um movimento de abertura de museus e centros de ciência, a criação de redes cooperativas entre esses espaços, a relação desses espaços com a área do ensino formal. A própria existência desse movimento nasce de uma preocupação do ensino formal com o ensino de ciências, nos anos 60 e 70.
O que podemos dizer olhando para trás e para os dias atuais? Você tem um campo de atividade profissional que vai se fortalecendo, hoje existe uma Associação Brasileira de Museus e Centros de Ciências, que congrega bem uma centena ou mais de museus de ciência. Outro dado interessante é que atuar nesse campo é fruto de uma vivência e de uma prática transdisciplinar porque esse não é um campo exclusivo de um saber, de uma área, nem da museologia, nem da pedagogia, nem da física, nem da biologia. Obrigatoriamente, ele tem resultado nesses últimos anos na formação de equipes multidisciplinares. Numa discussão e numa prática que são transdisciplinares e que trazem esses conhecimentos múltiplos para a ótica e para a estratégia da divulgação e da popularização da ciência.
Se vocês olharem para esses cartazes que publicam a quantidade e a amplitude em termos nacionais desses locais de divulgação científica vocês vão achar que é uma área em franco desenvolvimento. Agora, é claro, com grandes dificuldades também, a gente tem a velha questão de recursos, mas também a formação de recursos humanos. A aproximação com a universidade ainda é tímida, a universidade ainda vê a área de divulgação científica como atividade de extensão e ela não é parte do currículo, da formação, entra como uma atividade, que eu diria, secundária ainda. Ainda tem muito o que se fazer na aproximação. Quando falamos na aproximação museu e escola, essa já ocorre e é muito positiva e gratificante e é muito a razão de ser também de vários serviços de educação e é a mais reconhecida. Mas a relação museus e universidades ainda é um caminho por fazer, aproximando a formação universitária da experiência museologica, trazendo jovens graduandos para dentro do museu.
EMdiálogo - Entrando no tema deste museu, por que é importante conhecer a história da vida?
Pedro Paulo Soares - O importante são os temas que estruturam esse museu, vida e saúde. Esse museu não está aqui a toa, ele está na Fundação Oswaldo Cruz, que é uma fundação da estrutura do estado brasileiro, responde a prioridades de políticas públicas independentemente de governos. Hoje é um governo, amanha é outro, a idéia é que as estruturas, as instituições nacionais, se prestem a estratégias nacionais.
A nossa atuação se dá no nosso campo, é obvio, que é o campo da educação, da divulgação científica, da promoção da saúde, em consonância com essas grandes diretrizes, com essas políticas publicas da área de saúde, de ciência e tecnologia, de educação, de popularização da ciência. Isso é em termos gerais a importância de um museu, de um centro que também preserva a memória, porque nós somos um museu na acepção mais clássica da palavra, misturamos as atividades de um centro de ciência – interatividade, lúdico, as atividades de divulgação científica – mas também com as atividades de pesquisa e de preservação da memória da saúde e da ciência biomédica. Nesse sentido somos um híbrido, um museu que incorpora as funções de um museu e esse compromisso com a sociedade, que é mais próprio desses tempos atuais, mais próprio dessa discussão que a gente está falando da relação entre educação, ciência e sociedade.
O museu está passando por um momento que precisa revitalizar alguns espaços, são dez anos já, e precisamos incorporar alguns temas que surgiram nesses dez anos. Agora estamos passando por uma discussão, e isso é fruto do interesse que se volta não apenas pelo público de um modo geral, mas pelo profissional de museus e centros de ciência. Estamos criando um curso latu sensu de divulgação cientifica, reformulando o curso de monitores para que ele tenha um caráter mais técnico. Estamos preocupados em acompanhar uma necessidade que é a da profissionalização do campo da divulgação científica.
Com todas as dificuldades é uma apreensão positiva de um lugar que conquistamos, na própria Fiocruz. Porque quando nós éramos ainda um projeto, colocava-se em duvida a real necessidade de um museu dentro da Fiocruz. “Ah, receber crianças aqui não é a nossa missão!”. Hoje, quem disse isso há dez anos já não pensa assim, ou seja, já está incorporada na mentalidade da Fiocruz que parte da sua missão é receber crianças sim, é fazer divulgação científica, educação não formal e popularização da saúde em espaços que antes eram considerados templos da ciência pura, aqui você fazia pesquisa ou o desenvolvimento de remédios e vacinas.
Para mais informações sobre o Museu da Vida acesse www.museudavida.fiocruz.br
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