Questões da Juventude: Aula vaga

“Aula Vaga: Você Sabe o que é isto?
Giulia Pierro
Qual será a maior diferença entre a escola pública e a particular no Brasil?

A qualidade pedagógica? Diria que não, pois em 99% dos casos a escola particular também não se preocupa em formar indivíduos nem cidadãos.

A formação dos professores? Também não, pois na maioria dos casos os mesmos profissionais dão aula na rede pública e na particular.
O nível de violência? Depende do ponto de vista, pois na escola particular pode existir um tipo de violência mais sutil que fere mortalmente a personalidade e a vocação do aluno.

A maior diferença entre a escola pública e a particular é uma ilustre desconhecida: a "aula vaga". Digo desconhecida porque nem mesmo os jornalistas que cobrem a área de educação sabem o que é.

A aula vaga é a aula prevista, mas não dada. Ela ocorre diariamente na rede pública e é mais freqüente em situações típicas, como o primeiro mês de aulas, quando a maioria dos professores ainda não assumiu suas classes. Também é mais freqüente no fim do ano letivo, quando as notas já estão fechadas e muitos alunos são empurrados para a recuperação de férias. Outra situação bastante comum é a ocorrência de feriados no meio da semana, quando os professores resolvem "enforcar" alguns dias. Existe também a aula vaga devida a licença concedida ao professor, seja por doença, prêmio ou outro motivo. Enfim, sempre que o aluno chegue na escola e deixe de ter uma ou mais aulas previstas, trata-se de "aula vaga".

Em cada caso, as escolas agem de forma diferente: poderão soltar os alunos na rua, mostrando falta de responsabilidade; poderão deixá-los jogar pelada na quadra ou no pátio da escola, com ou sem supervisão; poderão também dar à aula vaga um caráter "cultural", substituindo aulas de matemática, português, física, química, biologia etc. por jogos ou exibição de filmes. Trata-se de disfarces ou quebra-galhos. É muito comum, numa escola pública qualquer, cinco minutos antes da entrada dos alunos, os diretores se descabelarem e chamarem seus funcionários, auxiliares, inspetores de alunos e até as merendeiras: "Pessoal, faltaram cinco professores. Temos que remediar cinco aulas vagas. Todo mundo para as salas de aula!".

Para entender melhor este fenômeno exclusivo da rede pública de ensino que é a "aula vaga" é preciso compreender outro fenômeno intrigante: o "direito à falta" do professor e dos demais profissionais do ensino.

O direito à falta é um privilégio do funcionalismo público. Em poucas palavras, o funcionário - seja ele municipal, estadual ou federal - tem direito a faltar X vezes durante o mês. Um velhinho curioso me contou uma vez que tudo começou com o "dia das regras", no ano de mil novecentos e lá vai pedrada, quando as senhoras "incomodadas" durante suas regras conquistaram o direito a uma folga mensal. Em breve a folga foi reivindicada também pelos varões e as senhoras lutaram por mais um dia, seguidas pelos cavalheiros, até que o funcionalismo público brasileiro conquistou o "direito" a inúmeras faltas abonadas, justificadas e injustificadas - mas permitidas. Quanto à escola particular, o direito à falta não se admite, pois se trata de empresa privada, onde o professor corre o risco de ser demitido e de perder a bolsa para seus filhos.

O buraco é muito fundo. Do ponto de vista legal, pergunto: "direito" a faltas é constitucional? Do ponto de vista educacional, pergunto: qual o efeito pedagógico da falta justificada do professor? Quais os valores que a escola está transmitindo ao aluno durante a "aula vaga"? De que o trabalho é castigo ou sacrifício? De que a aula não é importante?
Mas o mais grave é o seguinte: aluno de escola pública costuma ter, no mínimo, 20 por cento a menos das aulas devidas.”

Fonte:http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_colunas/coluna_livre/id140101.htm