Mais de 50 milhões de alunos matriculados na educação básica do país deveriam ter voltado a estudar nesse início de ano. Porém, um a cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no Brasil abandona a escola antes de completar a última série, segundo o Relatório de Desenvolvimento 2012, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
A necessidade de trocar os estudos pelo trabalho, a distorção de idade e série, a falta de acesso e o desinteresse são os principais motivos para que 25,3% das crianças e adolescentes abandonem a escola. A estatística da Organização das Nações Unidas torna o Brasil o terceiro em taxa de evasão escolar entre os 100 países com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). No relatório, o Pnud sugere que o país adote “políticas educacionais ambiciosas”.
É no ensino médio que a maioria desiste. O relatório Crianças Fora da Escola 2012, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), aponta que 534.872 crianças e adolescentes de 7 a 14 anos estavam fora da escola, sendo a região Nordeste a de maior concentração, com 189.483. Dos adolescentes com idade entre 15 e 17 anos, o número é quase três vezes maior: 1.539.811 jovens abandonaram a escola, o que representa 14,8% desta população. Em números absolutos, a região Nordeste é novamente a primeira, com 524.114 adolescentes, seguida da Sudeste, com 471.827.
Para a diretora pedagógica da Associação Cidade Escola Aprendiz, Helena Singer, há uma série de complicações que fazem com que meninos e meninas larguem a escola, desde a falta de articulação da rede de proteção e garantia de direitos das crianças e adolescentes até a estrutura escolar, arcaica e que não atrai os jovens. “Os interesses dos alunos não são contemplados nas escolas, tudo já vem pronto e decidido. Os jovens precisam ser convidados para fazer parte do debate da proposta da escola, com fóruns de discussão modelos que contemplem os estudantes.”
Nesse sentido, a escola tem um papel primordial para combater a evasão escolar. “É ela quem deve primeiro identificar a criança ou adolescente que abandonou os estudos, que está com muita falta ou com aproveitamento abaixo da média”, afirma o coordenador da área de infância do Ministério Público do Trabalho (Coordinfância/MPT) em Goiás, Tiago Ranieri. “A partir daí, a escola deve acionar a rede de proteção, de forma que os agentes da rede entrem em contato e forneçam assistência à família, identificando o problema familiar que levou a criança ou adolescente abandonar a escola.”
Para a diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz, a qualidade de ensino também é responsável pelo abandono. “Geralmente os alunos estão aprendendo pouco, mesmo quem conclui o ensino médio. Isso acaba não abrindo tantos espaços assim de inserção de trabalho porque seu desenvolvimento não aconteceu de forma plena.” Ainda que com baixa qualidade, Helena explica que a escola ainda é importante. “Mesmo com todos os defeitos, a escola ainda diferencia as pessoas. Quem tem maior tempo de aproveitamento escolar acaba tendo mais oportunidades e visão crítica de mundo”, afirma.
Escola x Trabalho
O coordenador regional da Coordinfância aponta ainda o trabalho infantil como uma das causas da evasão escolar. “Tudo começa pela vulnerabilidade socioeconômica da família, então os filhos acabam por terem que trabalhar para ajudar na renda da casa, dividindo o tempo entre escola e trabalho”, explica. “Uma criança que consegue angariar algum valor acaba largando a escola porque ele vê ali uma solução imediata, o ambiente escolar passa a perder o sentido.”
Ainda de acordo com o relatório do Unicef, os adolescentes de 15 a 17 anos que trabalham e estudam ao mesmo tempo somam 2.196.092 em todo o país, o que representa 21% do total dessa faixa etária. A região com maior proporção de adolescentes nessa situação é a Sul, com 24,7%, seguida pela Nordeste, com 22,4%. Em termos absolutos, as líderes são as regiões Sudeste, com 737.884, e Nordeste, com 732.520.
O trabalho tem muita influência para que um jovem deixe de frequentar a escola. Para poder trabalhar durante o dia, é comum o aluno optar pelo período noturno escolar. Porém cansados, não conseguem acompanhar as aulas. “Trabalhando o dia inteiro, esses meninos e meninas ainda em formação física e psicológica têm seu rendimento afetado ou deixam de frequentar a escola por cansaço”, aponta Ranieiri. “Geralmente essas crianças não vão trabalhar em escritório, e sim em trabalhos que adultos não querem fazer e que envolve esforço físico.”
Para o coordenador nacional do combate à exploração do trabalho de crianças adolescente do MPT, Rafael Dias Marques, muitas dessas crianças e adolescentes estão perdendo a sua capacidade de elaborar um futuro. “Elas estão desenvolvendo doenças de trabalho que os incapacitam para a vida produtiva quando se tornarem adultos. Essa é uma das mais perversas formas de violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes”. Marques também corresponsabiliza a sociedade como um todo. “No momento em que a população se conscientiza, passa a ser um agente de cobrança do poder público para que políticas públicas sejam desenvolvidas e essas crianças e adolescentes possam se desenvolver de maneira integral.”