Compreende-se o Estado Laico como aquele que não possui nenhum vínculo com qualquer tipo de religião, mas cria condições para que haja pluralidade religiosa em seu território. Sendo assim, cabe ao Estado tornar-se uma figura cujos espaços não atenderão aos anseios de nenhuma expressão religiosa, ou seja, os espaços e órgãos públicos nos quais encontramos um símbolo que representa determinada manifestação religiosa demonstra uma incoerência ao papel de indiferença que se espera do Estado. Inclusive muito bem apresentada na Constituição Federal, art. 19, inciso III, em que não se pode criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
Uma observação aguçada, partindo de uma concepção marxista constata que o Estado é composto por classes antagônicas, que manifestam diferentes gostos e vontades. Ingenuamente poderíamos afirmar que os sujeitos que nele ocupam espaço demonstram dificuldade em lidar com a coisa pública, não distinguindo bem o espaço público do privado, por outro lado, tendo noção desse limite, diríamos que cada grupo busca expandir sua área de influência, promovendo ações que ampliem seus privilégios, assim como criar mecanismos que se apresentem como obstáculos para os demais grupos.
"O Brasil é um país de mitos, conhecido por sua diversidade religiosa e convivência harmônica entre as diversas expressões", com esse discurso falacioso o país oculta a violência religiosa sofrida pelas minorias. A criação da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997 não conseguiu garantir a harmonia esperada, por essa razão é tão comum presenciarmos atos de proselitismo.
Nos parágrafos anteriores tornou-se evidente que o Estado não é de fato neutro, sendo assim é importante destacar que a maioria religiosa do país compartilha da religião cristã, que ainda que estejam dividas em três vertentes, possui em comum o princípio de pregar a sua fé a humanidade. O cristianismo é uma religião monoteísta, dualista que concebe nas religiões de matriz africana a imagem do inimigo, crendo ser necessário conflitar e extinguir essa expressão religiosa. O art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal prevê que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” seria um dos fatores que garantiriam a isonomia, tão fundamental a um Estado Democrático de Direito, tal como o Brasil se considera, mas infelizmente não o pratica.
A ineficiência da aplicabilidade da lei, a incompreensão da mesma e outros elementos tornam-se instrumentos sutis que acabam por impedir a manifestação religiosa de alguns grupos. Como é do conhecimento geral, algumas das religiões de matriz africana realizam a pratica de sacrifícios de animais em seu culto, no Rio Grande do Sul o Código Estadual de Proteção aos Animais foi acionado e condenou uma mãe-de-santo, Gissele Maria Monteiro da Silva, a trinta dias de prisão, por manifestar sua religiosidade. Enquanto presenciamos casos como este, vemos também a impunidade para com aqueles sujeitos que pertencem a determinadas expressões religiosas e praticam proselitismo, violando não apenas o inciso acima, mas também o inciso III, do art. 1º, que protege a dignidade da pessoa humana, assim como fere o inciso I, do art. 3º, inciso VI, do art 4º e os incisos X, XI, XVI e XXII, do art. 5º.
Visando atender aos anseios democráticos e desenvolver a capacidade de sociabilidade a Constituição Federal determina no art. 210, que “Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”. Em seu parágrafo primeiro, consta: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. Assegurado em lei, porém sem projeto pedagógico definido, o parágrafo I fica vago e permite interpretações diversas, como exemplo a imposição do ensino de determinada religião.
O Brasil não logrou êxito em seu projeto de laicidade, que envolve um emaranhado de diversos outros assuntos que acabam quase passando despercebidos, caso estejamos desatentos, o que não é raro. Constatando esse fato é importante que as minorias estejam inseridas na luta política e também ocupem os espaços para que haja condições reais de lutar contra esse tipo de violência. É fundamental que os segmentos que são vitimados tenham também representantes no espaço público.
Por: Lauro Araujo - Ativista Social e Consultor Político (araujo.lauro@hotmail.com)