Ensino da cultura negra nas escolas ainda sofre resistência

ENSINO DA CULTURA NEGRA NAS ESCOLAS AINDA SOFRE RESISTÊNCIA 

Lei que determina o ensino da cultura afro-brasileira, esbarra na falta de capacitação dos professores e até no racismo velado que permeia a sociedade

Embora metade da população brasileira se identifique como preta ou parda, a história das raízes africanas do Brasil ainda é tema pouco tratado nas salas de aula. Promulgada há dez anos, a lei 10.639, que determina o ensino da cultura afro-brasileira, esbarra na falta de capacitação dos professores e até no racismo velado que permeia a sociedade. Mas há avanços.
Reportagem da BBC
Hoje com 19 anos, Michael Sodré é mais um estudante tenso com as provas do vestibular. Nos primeiros anos do colégio, no entanto, o motivo de tensão era outro. Único garoto negro em sua sala de aula, em um famoso colégio de elite na zona sul do Rio de Janeiro, o menino era alvo frequente de bullying por parte dos colegas.
“Chamavam ele de Bombril por causa do cabelo”, disse a mãe adotiva, Celina Sodré. Em uma conversa dura com a coordenadora da escola, o diálogo acabou em uma recomendação insólita:
“Ela simplesmente me disse que a solução do problema era que meu filho fosse estudar na escola pública, porque ai ele saberia onde era o seu lugar”.
Cenas de bullying por parte dos colegas e racismo por parte do próprio sistema se reproduzem em escolas de todo o Brasil. Mais de um século após o fim da escravidão, o país que mais recebeu trabalhadores negros ainda trata esses cidadãos como se fossem subalternos, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.

A lei 10.639, promulgada em 2003, foi criada justamente com o intuito de valorizar as raízes africanas do país e superar o racismo.
“É preciso superar a visão do negro apenas como escravo. É assim que ele geralmente aparece nos livros escolares”, conta Rafael Ferreira da Silva, Coordenador do Núcleo de Educação Étnico-Racial da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
A prefeitura paulistana fez neste ano um levantamento inédito na rede de ensino da cidade para ver o alcance da aplicação da lei.
“O levantamento mostrou que há avanços. Mais da metade das escolas trabalham o tema. Mas na maior parte dos casos, é geralmente iniciativa isolada de um professor que gosta do tema. E também há o problema da descontinuidade. Se o professor deixa a escola, muitas vezes o assunto deixa de ser abordado”, disse.
Mitos aceitos e mitos ocultos

“Discutir África não é coisa fácil nas escolas”, diz Stela Guedes Caputo, pesquisadora do tema e professora na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro. 

Além dos casos concretos de preconceito registrados em sala de aula, ela diz que quando a lei é cumprida, há casos em que “pais se reúnem com os filhos e vão à escola questionar e criticar professores que querem discutir a história da África”.
Stela também questiona a ausência de elementos de origem afro nos livros escolares. A questão se torna especialmente delicada quando se tratam de personagens ligados às religiões afro-brasileiras.
Nesse caso, a ocultação desse capítulo da cultura nacional não é apenas prerrogativa das escolas. Em muitos casos, as próprias crianças escondem a religiosidade para não sofrerem preconceito por parte dos colegas.
“Os mitos que as crianças aprendem nos terreiros de candomblé não são aceitos na escola, os itans (os mitos da cultura iorubá), as histórias africanas que conhecem, são das mais belas criações literárias humanas e elas precisam escondê-las. Seu conhecimento é negado. Porque na escola é tão comum mitos gregos, romanos e outros, e mitos africanos são demonizados?”, questiona.
Avanço

Professora de formação, Macaé Maria Evaristo do Santos conta que há mais de dez anos, quando ainda dava aula em um colégio de Belo Horizonte (MG), a visiblidade da cultura afro-brasileira era bem menor.
“Uma vez cheguei em uma sala do Ensino Médio e perguntei aos alunos quantos haviam lido um livro com personagens negros. Alguns levantaram a mão. Depois de mais de dez anos de escolaridade, eles citaram a Tia Nastácia, o Saci Pererê, o Negrinho do Pastoreio… Nem Zumbi dos Palmares fazia parte do repertório”, conta.
Macaé hoje é Secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (MEC). Uma década após a promulgação da lei, ela ainda vê desafios, mas comemora os resultados.
“Essa é uma temática que vai ganhando relevância. Antes só se falava nisso no Dia da Consciência Negra. Aos poucos vai se integrando no projeto pedagógico das escolas”, diz.
A secretária conta que em 2012, o curso mais solicitado pelos diretores de escolas do país na Rede Nacional de Formação Continuada do MEC foi justamente o que capacita professores para o ensino de cultura afro-brasileira.
Na última década, os editais para o desenvolvimento de livros didáticos financiados pelo MEC também exigem esse conteúdo.

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imagem de Valdira Luiz Nobre

Mesmo com os vanços que

Mesmo com os avanços que estamos vivenciando na educação, em relação ao trabalho com o  respeito à diversidade humana, percebe-se que ainda é necessário formação, estudo para que o educador aborde e viva  o tema. Muitas vezes em nossas escolas presenciamos a discriminação.

Precisamos falar, dizer que ela ainda existe! E trabalharmos para que a pessoa humana seja valorada, com mais equidade de gênero, cor, credo, opção sexual, etc.

Com tantos avanços... e preciso humanizar!!!!!!!

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imagem de Rafael Pereira Santos

  A cultura negra e sua

 

A cultura negra e sua valorização ainda é algo incipiente que sempre  se torna atual. Não se sabe ainda como o espaço do negro na cultura nacional deve ser demarcado no Brasil. É um ser oscilante que ainda está desprovido de uma política clara de integração. O estado demócrático ainda precida debruçar-se sobre a causa negra. Os negros das nossas universidades não são ainda os negros reais das periféias. As políticas universitárias ainda não chegou pra valer nas bases. Sem falar que maior parte dos negros não estã ainda nas áreas do saber ligadas as engenharias e as exatas. Isso significa que a educação de qualidade nas esolas sempre tem feito a diferença. Não é  preciso ir à universidade estudar para afirmar isso, somente ir às cadeias e superar o orgulho de olhar nos olhos de tantas pessoas que cruzamos nas calçadas dos grandes e médios centros urbanos. 

A educação, sem dúvida é um caminho. Mas isso deve ser ventilados nos ouvidos dos definidores da política nacional, existe uma classe negra mais negra que não foi atingida pelas políticas públicas. Neste sentido, é sempre justa e necessária as polítcas de governo e de estado no âmbito da educação e nas intâncias de definições dentro da lógica do estado demócrático.

 

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