Maternidade na prisão

Daiane  Tavares

Não há como refletir acerca das vicissitudes do encarceramento feminino sem pensar na maternidade, nas condições e complexidade que envolve a permanência dos filhos e filhas das internas na prisão.

Pesquisa realizada por Bárbara Soares (2002), mostrou que do conjunto de mulheres encarceradas, 83,6% têm ou tiveram pelo menos um filho. Em 70,3% dos casos a mulher tinha menos de 20 anos e em 35% dos casos menos de 18 quando deu à luz pela primeira vez.

Os filhos das internas que nascem durante o período em que a mãe está privada de liberdade permanecem na unidade no período de amamentação, que varia de 6 a 9 meses, no caso das estrangeiras as crianças podem ficar até a idade de 1 ano e 6 meses. Muitas mulheres, após esse período, entregam seus filhos para familiares ou para abrigos e muitas vezes perdem o contato com as crianças.Esse processo de separação dos filhos é considerado pela maioria uma das piores dificuldades enfrentadas durante o cumprimento da pena.

Muitas questões envolvem a permanência dos filhos de internas dentro das unidades prisionais e esta é uma discussão, como já dito, de muita complexidade. Se, por um lado, manter os filhos próximos às mães é importante, crianças vivendo em uma ambiente de privação de liberdade apartadas do convívio social, em espaço conflituoso, com condições materiais precárias e insalubres, é bastante complicado. Além desses fatores, há que se considerar que muitas mães consomem psicoativos na prisão e não há uma rede de apoio necessária para amenizar essa situação, seja por parte de profissionais da Instituição (médicos, psicólogos, assistentes sociais) ou da própria família da interna que muitas vezes não possui recursos para visitar e ajudar as internas.

No entanto, é muito importante para o desenvolvimento emocional das crianças o contato com a mãe, além disso,após a separação, muitas não têm familiares que possam cuidar das criançassendo estas encaminhadas para adoção. Outro ponto de extrema relevância é o fato de a presença dos filhos diminuir as angústias das apenadas, amenizando os sofrimentos da vida no cárcere.

O Relatório Final de Reorganização e Reformulação do Sistema Prisional Feminino (organizado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e o Ministério da Justiça) ressalta que, quanto ao período de amamentação o Ministério da Saúde indica o período de dois anos, sendo nos primeiros seis meses a forma exclusiva de alimentação da criança. Diante de tal recomendação, este documento traz a importância de observar a necessidade de estabelecimento de uma fase de transição, que se dará de forma gradativa, propondo que a mãe permaneça com o filho durante três anos, sendo o último ano a fase de adaptação da criança ao seu novo lar. Tais colocações se baseiam no Seminário Programa de Assistência à Mulher Apenada (PAMA), realizado em Porto Alegre em 2003, que teve como temática a questão do tempo saudável de permanência dos filhos com as internas.

O referido relatório pode se constituir como um instrumento importante para a normatização dessa questão em nível estadual e talvez possa servir como base na tentativa de consolidar caminhos para a resolução dessa problemática que apresenta claramente aspectos negativos e positivos que permeiam a estada de filhos e filhas de internas nas instituições penais. Nesse documento existe um quadro de apontamentos e propostas referentes a essa discussão que podem auxiliar os gestores estaduais e ajudam a pensar em propostas na área, tendo em vista o fato de que ainda não há uma regulamentação referente à questão e os estados a fazem sem nenhuma orientação, o que gera ações institucionais diferenciadas e descaracterizadas de qualquer diretriz de política pública minimizadora de violações de direitos humanos, seja para a mãe presa, seja para seus filhos e filhas.

De forma sucinta, o relatório traz como medidas importantes as seguintes propostas: a criação de alas diferenciadas para as mães gestantes, recomendação de tempo de três anos para a estada das crianças com suas mães presas, garantia de visita para as mães presas com filhos de até 12 anos sendo que o custo do deslocamento da família da interna deve ser garantido pelo Estado, disponibilização de telefones públicos para que as internas tenham contato com os filhos, atenção à saúde das grávidas e das crianças, levantamento de dados a respeito da manutenção das crianças com as mães encarceradas, estabelecimento de uma fase de transição para preparar a criança e a mãe para o momento da separação, viabilização de registro das crianças nascidas nas unidades prisionais e localização dos pais das crianças.

A manutenção dos vínculos familiares principalmente para as mulheres que têm filhos durante o cumprimento da pena é fundamental, pois estas precisam muito do suporte material e emocional dos familiares para o desenvolvimento das crianças. Neste sentido, garantir apoio financeiro às famílias para se deslocarem até o presídio, estabelecer um calendário que favoreça as visitas e possibilitar formas de comunicação com a família por meio de telefones públicos, são medidas simples, mas que, se assumidas pelo Estado, podem constituir formas de transpor obstáculos na manutenção de vínculos familiares e afetivos das internas com seus entes queridos.

Certamente, essa discussão e reflexão acerca da problemática está muito longe de se esgotar e muitas são as ações necessárias na tentativa de achar melhores alternativas para a mulher presa e seu filho, enxergando-os como sujeitos de direitos e entendendo as questões de saúde física e emocional que envolvem a mãe presa, tendo como prioridade o direito à dignidade. 

 

 

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imagem de ALINE BARROS

Maternidade na prisão

Essa problemática da maternidade na prisão é de fato bastante complexa, pois sabemos que as reclusas tem que ter seus direitos garantidos, mas  discutir até onde vai o direito da mãe, e onde este se contrapõe aos direitos da criança é um grande desafio. Que nós possamos debater está temática tão candente e colaborar com políticas públicas que garantam o melhor para mães e filhos.

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imagem de KÁTIA APARECIDA DA SILVA NUNES MIRANDA

Maternidade na prisão

É preciso mudar esse cenário deprimente, revisão urgente no código penal no que diz respeito a maternidade na prisão, buscar novas alternativas para o cumprimento da pena.

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imagem de Adriana Lustoza

Vivenciando

 Trabalho no C. E. Roberto Burle Marx no Presídio Talavera Bruce em Bangu-RJ. A escola está localizada exatamente acima do local onde as internas ficam com seus bebês. São os dois locais onde existem respeito, troca, integração, limpeza. As internas partilham intensamente os meses iniciais com os filhos(as). Há casos em que ocorre o aumento do prazo para permanência da criança, pois a responsável já está em processo de liberação. Parece mínimo! E é, mas diante de tantas dificuldades e NÃOS, acredito ser uma brecha para maiores desafios.

Muito impactante também é ouvir os relatos das alunas relembrando do espaço, rotina da época em que elas eram as crianças no colo de suas mães apenadas. Muito a fazer... mãos a obra!

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