Professora de Mato Grosso fala de sua experiência no Sistema Prisional

Ser professora na prisão

                                                                                                                                                    Edite Aparecida


Esse lugar repugnante toca a alma dos que chegam aqui pela primeira vez. Ao olhar para o alto me deparo com esse paredão de concreto e lá no topo vejo as serpentinas e arames enrolados para impedir que alguém consiga escapar, pequenas navalhas que cortam até pensamento.


Dentro desse palácio de concreto cercado de guardas e agentes armados, se encontram sessenta por cento de jovens que procuraram no mundo das drogas as portas que lhe foram fechadas pela sociedade. Enquanto as Penitenciárias estão lotadas desses jovens amontoados e tratados como animais, os políticos corruptos não pegam cadeia pelos crimes cometidos. Só entende o que é o Sistema Prisional quem passa por aqui ou tem a sorte de ler o que hoje começo a escrever.


Eu também senti muito medo ao entrar naquele lugar cercado de vinte seis homens, todos marcados pela sociedade. Ali estava eu, a única mulher, o que me fazia sentir totalmente indefesa.  Ao abrir aquela grade meu coração gelou, eu não queria sentir aquilo, mas o meu subconsciente estava apavorado e isso não tinha como refrear.


Lá no fundo eu não queria que a grade abrisse e pensei: qual o meu papel aqui?Por alguns segundos me sobressaltei para a realidade e automaticamente saiu:boa tarde!


O tabu foi quebrado, ouviu-se uma voz triste lá no fundo, após eu ter me apresentado:
“Professora não precisa ter medo, ninguém vai fazer mal algum, ninguém vai encostar sequer em um fio de cabelo da senhora. Aí fora tem uns cidadãos que nos tratam como monstros, mas nós somos apenas seres humanos que erraram, mas estamos aqui pagando pelos nossos erros e muitos aqui já pagaram o que deviam até mais do que era previsto, ao contrário de alguns que aí fora fazem pior do que muitos que estão aqui e, no entanto, continuam impunes só porque tem poder nas mãos. A senhora aqui será para nós a única pessoa que teve a coragem de estar conosco, além da senhora só nossa família, não temos mais ninguém, isso é, quando temos família, pois muitos, a família abandonou”.


Meu coração naquele momento saltou de alegria e alívio. Todos se apresentaram e finalmente comecei a minha aula. Com o passar dos dias fui me apegando aos meninos, digo meninos, porque passei a conhecer a realidade daquele lugar, antes de vir trabalhar aqui, pensava que iria encontrar pessoas mais velhas ou negras, pois é o primeiro pensamento, mas me deparei com um quadro que eu não pintei.Diante de mim estavam apenas jovens e o mais velhos tinham entre vinte e sete a trinta e poucos anos de idade. Eram jovens vistosos e bonitos e não havia nenhum de cor negra dentre os vinte e seis.


Os dias foram se passando, eu me sentia na obrigação de fazer alguma coisa por aqueles meninos como eu os chamava. Eles só tinham a nós professores naquele lugar. Durante quase trinta anos de carreira nunca me senti tão bem com uma turma, pois os meus alunos são muito interessados.

Depois de um ano estamos nos deparando com os resultados surtidos pela Educação, temos a certeza que se os indivíduos que estão privados de liberdade cometeram um crime é porque a maioria não teve acesso à educação, pois grande parte não possui ensino fundamental completo. Muitos vieram parar nesse submundo esquecido por todos, por falta de conhecimento e de uma única oportunidade.


Hoje sou feliz, pois sei que mesmo fazendo tão pouco, estou fazendo minha parte, não posso mudar o mundo, no entanto procuro fazer a diferença e a minha maior alegria é saber que hoje foi pela minha dedicação e amor a profissão, que vários jovens estão de volta à sociedade e buscando um novo caminho para suas vidas.


Meu sonho é que um dia tudo isso mude como relata Cora Coralina:
“Tempo virá. Uma vacina preventiva de erros e violência se fará. As prisões se transformarão em escolas e oficinas. E os homens imunizados contra o crime, cidadãos de um novo mundo, contarão às crianças do futuro estórias absurdas de prisões, celas, altos muros, de um tempo superado”. (Cora Coralina, 2008, p.151-152).
Eu, professora atuante na área de Ciências Humanas/História no Sistema Prisional do Estado de Mato grosso, também sonho em mudar o rumo dos meus relatos do dia a dia profissional, mas enquanto o governo estiver parado diante do fato de que essa realidade precisa mudar, nós continuaremos a ver todos os dias jovens entrando nas PRISÕES ao invés de estarem lá fora fazendo a diferença.


Para finalizar trago o relato de um dos meus jovens alunos acerca do seu maior sonho,  que é a liberdade:


“[...] a tristeza é ficar aqui e não poder ver as noites estreladas, porque depois das dezessete horas elas passam a tranca e dos cubículos não dá pra ver o céu. Faz dez meses que não vejo as estrelas. Isso faz a gente pensar muito. Quando eu sair, nunca mais quero voltar a esse lugar. É muito sofrimento e humilhação que nós passamos aqui. Nada paga a liberdade. (R)”
Espero que a educação possa contribuir para que meus alunos superem suas dificuldades e recomecem suas vidas quando alcançarem a tão sonhada liberdade.

Professora Edite Aparecida da Silva Alves
Graduada em História/Curs. Especialização em História Social
Escola Estadual Nova Chance
Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira - "FERRUGEM”
SINOP/MT

 

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imagem de KÁTIA APARECIDA DA SILVA NUNES MIRANDA

Desafio

O desafio da educação em um espaço de privação de liberdade,  poderá se configurar como  última oportunidade ao apenado de frequentar os bancos escolares, se constituindo numa complexa e delicada tarefa, pois são pessoas marcadas pela exclusão social, que trazem consigo histórias e culturas próprias. 

 

PARABÉNS PROFESSORA EDITE !!!

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