Enquanto, a duras penas, nós tentamos desenvolver a nossa humanidade, O GLOBO tripudia do Sr. Agustín Carstens, candidato mexicano à chefia do FMI, quando de sua visita ao Brasil.
Vejam, meus amigos, a contradição da imprensa: quando dá lucro, matérias e mais matérias são publicadas sobre bullying. Quando do caso da escola de Realengo, aí, então, com a emoção dos leitores aflorada diante do que lá ocorreu, não faltaram reportagens, artigos e pequenas notas, fotos e tudo o mais quanto ao sofrimento de crianças e jovens diante da agressão - velada ou explícita - a eles endereçadas por colegas, zombando de características suas e/ou por puro preconceito ditado pelas chamadas "normas sociais".
Pois, não é que O GLOBO vem fazer o seu próprio bullying que, no caso, é extremamente pernicioso pelo alcance de suas páginas noticiosas - e, pior!, na primeira página?
Quase não acreditei quando vi: no GLOBO do último dia 2 de junho, sob o título O CANDIDATO MAIS FRACO, passando por uma porta de algum prédio de Brasília, seguido pelo minúsculo Guido Mantega, lá está a foto de Givaldo Barbosa mostrando o Sr. Carstens, nos seus inúmeros quilos, esbanjando uma obesidade bastante acentuada, mórbida mesmo, diriam os especialistas. Fazendo contrastar a palavra fraco com a imagem de um cidadão extremamente forte (Quando se sabe que socialmente o obeso é tido mesmo como um fraco que nem se adapta aos rigores do modelo de corpo valorizado socialmente e nem resiste à necessária disciplina exigida para se ter um corpo são e esbelto), a imprensa usa de seus próprios recursos técnicos de construção de notícia (No caso, o contraste entre fraco e forte), expondo o tal senhor à chacota pública. Recurso de péssimo gosto, desrespeitoso, até mesmo covarde, acrescento.
[1] A Autora sabe de que “fraqueza” que está falando, pois que há mais de 30 anos deixou seu esbelto corpo de lado, substituindo-o por outro, submetido às delícias da gastronomia. Avessa a exercícios físicos, nunca conseguiu realizá-los para compensar os prazeres da boa mesa...
Foto de Givaldo Barbosa
No dia seguinte, não sei se foi pior: Chico Caruso, insistindo na brincadeira malévola, estampa a sua charge de primeira página, também zombando da obesidade do tal senhor. Aproveita a foto da véspera, acentua o fato do mesmo ser uma pessoa obesa e coloca Mantega empurrando ou tentando amparar o obeso senhor, como se ele não pudesse se sustentar sozinho diante do seu excessivo peso e volume, e ainda coloca a candidata tida como preferencial à presidência do FMI a ministra de Finanças da França, Sr.a Christine Lagarde, retirando uma cadeira onde supostamente o Sr. Carstens se sentaria, sob a alegação de que “não é o que o senhor está pensando, eu apenas estou preocupada com a cadeira...”. Além de “tirar a cadeira” no sentido simbólico de “tirar o tapete” ou algo do gênero, o artista ainda deixa antever a intenção da senhora quanto a provocar a queda de sua vítima ao chão. Melhor proteger o objeto cadeira do que o ser humano Carstens. Tudo simples assim, prontinho para ser incorporado como mais um sentido a tudo aquilo que já pensamos e entendemos do mundo e das relações que nele se dão.
Chico, o tão admirado Chico, como se vê, também cede à tentação de fazer humor mais fácil, colado no senso comum da gozação ao gordo que perpassa a nossa sociedade, e tenta fazer graça tripudiando com o problema alheio.
Assim, do meu ponto de vista, a imprensa presta um enorme desserviço a seus leitores ajudando a que se formem distorções de caráter e de formas de pensar: em primeiro lugar, ensina cada qual a ser contraditório. O já consagrado faça como eu digo mas não faça como eu faço é o que parece valer. Além do mais, ensina a perversidade, inteligentemente jogando com a fraqueza que existe naquele que se deixa ser obeso.
Ando ocupada tratando de me fazer uma pessoa um pouquinho melhor (Tem gente que envelhece e vira religiosa, dá de rezar para garantir a vida eterna; eu, cá do meu canto, ando, cada vez mais, com mania de tentar me humanizar. Creio que é assim mesmo – cada um reza como sabe ou com base na própria cartilha...), pois, mesmo com as minhas ocupações humanizantes, hoje madruguei com vontade de voltar à minha velha e conhecida militância de “ ler” a imprensa. Deixem estar que esse não deixa de ser um excelente exercício de humanização...
Pois, então: bom dia! A ele aportemos, com suas permanentes contradições. E sem desistir, sigamos adiante: viver é difícil mas é bom demais! Junto, então, é reza forte.