A revolta dos jovens
A França está fervendo. O que já se tornou um hábito. Desta vez ela se manifesta contra a reforma das aposentadorias preconizada pelo presidente Nicolas Sarkozy.
Mas essa reforma é inevitável. A expectativa de vida do francês aumentou muito nesses últimos 30 anos. Portanto, a idade em que um trabalhador pode pedir sua aposentadoria terá de ser aumentada, para que as cotas pagas por um empregado ao longo da sua vida profissional sejam suficientes para custear as pensões dos mais velhos.
Segundo o projeto de Sarkozy, um trabalhador deverá permanecer ativo até os 62 anos (e até 67 anos para uma aposentadoria plena).
O texto apresentado por ele não é perfeito. Mas seu princípio é justo. Claro que os socialistas são contra. Os sindicatos também. Para eles, a aposentadoria aos 60 anos é um "dogma" e modificá-lo é um sacrilégio.
Nicolas Sarkozy está na luta por essa mudança. E vai enviar seu projeto para ser votado pelo Parlamento, apesar das manifestações, das greves e das imprecações da esquerda. E pode ganhar sua aposta, ou seja, impor uma reforma impopular, mas premente.
Ao mesmo tempo, recompor sua imagem, terrivelmente carcomida nos últimos meses, assumindo a postura de "homem de Estado" corajoso, que recusa dobrar-se aos protestos da rua.
Mas, no momento mesmo em que ele está próximo de ganhar a guerra, eis que um protagonista inesperado entra na batalha. A juventude. Ou seja, os jovens estudantes, sobretudo os da escola secundária, que entraram na disputa.
Sarkozy, embora venha enfrentando valentemente os milhões de trabalhadores hostis à sua reforma, entrou em pânico ao ver rapazes e moças de 16 a 18 anos o atacando.
Por que essa garotada tão jovem se manifesta contra a reforma? Em teoria, ela deveria, ao contrário, estar satisfeita com o fato de o governo, desde já, adotar heroicamente medidas para os jovens poderem receber a sua aposentadoria quando chegarem à idade para isso, dentro de 40 anos.
Mas os jovens não raciocinam dessa maneira. Não pensam num futuro distante, mas no "agora". Segundo eles, "já é muito difícil concluir os estudos e encontrar um emprego". "Ora, se os mais velhos precisarem prolongar sua vida profissional até os 62 anos, ou mesmo 67 anos, então nós, jovens, não vamos encontrar mais emprego".
Um temor imaginário. No mundo todo, na verdade, é exatamente nos países onde os mais velhos são mais ativos que o emprego para os jovens é mais dinâmico, o trabalho dos primeiros favorecendo o emprego para os últimos - e não o contrário.
Mas a revolta dos jovens, sua cólera, sua ânsia de se juntar à disputa também tem outras causas. Nessa categoria frágil e generosa da população, Sarkozy é mal amado: sua arrogância, suas mentiras, sua vulgaridade, sua predileção pelos ricos e seus luxos, sua vaidade sem limites, seus tiques e suas manias, seu lado "bufão" , seu desprezo pelos imigrantes e pelos pobres provocaram nesses jovens imenso repúdio ao presidente.
E eles aproveitam o movimento contra a reforma das aposentadoria para deixar claro isso, para lhe dizer que sonham com uma sociedade leal, humana, respeitosa, justa, acolhedora e solidária. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
Fonte: O Estado de S.Paulo - em17 de outubro de 2010 | 0h 00 -
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