Novo Enem empobrece escolha de alunos
O novo Enem foi apresentado como uma alternativa à “decoreba” do vestibular e possibilidade de melhorar o currículo do ensino médio. Mas, até aqui, o modelo de prova do exame não se difere do vestibular tradicional. Na opinião de especialistas que visitaram a Universidade de Brasília na tarde de segunda-feira, 22 de junho, a seleção unificada proposta pelo Ministério da Educação pode levar ao empobrecimento do processo seletivo. E isso impacta de forma negativa na qualidade do ensino médio.
“O calendário foi feito às pressas, uma série de questões técnicas precisam ser discutidas. Não adianta substituir tudo existente por 200 itens de múltipla escolha”, criticou Luiz Otávio Langlois, coordenador acadêmico da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele reconhece os avanços em mobilidade e em custos para o aluno no vestibular unificado, mas disse que o modelo de prova limita a avaliação do candidato.
A UFRJ adotou provas exclusivamente discursivas, em 1988, para substituir as de múltipla escolha elaboradas pela Cesgranrio. A proposta, segundo Langlois, era incentivar um ensino mais completo nas escolas. “Os alunos não eram mais cobrados em escrita e nas primeiras seleções recebemos um mar de provas em branco”, contou. E, na retomada do antigo modelo de prova em uma proposta nacional, ele teme que a avaliação e o ensino fiquem restritos em quem é um bom “leitor”, excluindo quem é um bom “autor”.
IMPASSES TÉCNICOS - Renato Hyuda de Luna Pedrosa, coordenador executivo da Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp, adiantou alguns problemas técnicos que o modelo do novo Enem pode causar. Ele citou os possíveis empates de notas e a qualidade da avaliação. Segundo Pedrosa, em uma avaliação de múltipla escolha de quatro itens não é possível distinguir o desempenho devido aos acertos aleatórios.
“Em uma prova de 180 itens a pessoa começa com pelo menos 36 pontos”, explicou. E acrescentou: “Para uma prova de múltipla escolha avaliar tão bem quanto a discursiva aplicada pela Unicamp seria preciso mais de 500 itens”. Contudo, o custo de uma prova discursiva é muito alto porque exige uma correção individual. O valor da inscrição na UFRJ é por volta de R$ 90 para uma média de 50 mil candidatos, ou seja, o custo para realização da prova é de R$ 4,5 milhões. A Universidade de Campinas, que também adota provas discursivas, realiza processos seletivos de R$ 4 milhões para o mesmo número de candidatos.
Na visão de Pedrosa, da Unicamp, a passagem do ensino médio ao superior precisa ser repensada. O vestibular acabou virando o único critério e, embora seja válido, ele desvaloriza todo o processo de aprendizagem. As provas ignoram, por exemplo, os diferentes gêneros de escrita, capacidade de trabalhar em grupo e em laboratórios. “Estamos transformando o ensino médio em uma corrida por vaga nas universidades”, disse Pedrosa, que sugere um exame desenvolvido dentro do sistema educacional, pelas secretarias de educação.
MODELO EM DISCUSSÃO - Qualquer que seja o novo modelo apresentado, como o novo Enem, ele deverá levar em consideração a forte interferência do vestibular no ensino médio. A gerente do ensino médio da Secretaria de Educação do Distrito Federal, Júlia Penha, relatou o conflito diário dos professores entre cumprir a Lei de Diretrizes e Base da Educação e, ao mesmo tempo, preparar os alunos para o vestibular. “O papel do ensino médio é aprimorar a formação básica do jovem, profissional, ética e cidadã. Mas temos uma matriz curricular de mil horas-aula a cada ano e um extenso conteúdo cobrado nos exames das universidades”, afirmou. “As universidades ditam as normas para a educação básica”, completou.
O conteúdo cobrado no PAS da UnB, segundo Júlia, orienta as aulas do DF. Ela defende que as instituições de ensino superior conversem mais com os gestores para uma melhor adaptação entre conteúdo de prova e formação educacional dos alunos e demonstrou simpatia à proposta de Pedrosa, da Unicamp. Ele, Langlois e Marcus Vinícios Soares, do Cespe, foram os palestrantes do seminário UnB em Reestruturação realizado no Auditório da Reitoria, que debateu acesso à universidade.
A proposta do encontro, promovido pelo Decanato de Ensino e Graduação, é estimular o debate na comunidade acadêmica sobre a participação da UnB no novo Enem. O Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da instituição decidiu aderir ao exame a partir do ano que vem, quando serão selecionados os alunos do primeiro semestre de 2011. A primeira edição do vestibular unificado, o novo Enem, será realizado em outubro deste ano com a participação de 42 universidades federais. Elas aderiram à proposta do MEC de diferentes formas: como fase única, como segunda fase, adicional à nota final ou para vagas remanescentes.
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