Dever da Escola
Colégios não regulamentam estágio
Estudantes do ensino médio são impedidos de estagiar por falta de adequação das escolas
ANDRÉ LOBATO
DA REPORTAGEM LOCAL
Folha S.Paulo - empregos
São Paulo, domingo, 07 de março de 2010
Escolas de todo o país ainda não fizeram a tarefa de inserir o estágio em seu projeto político-pedagógico. Sem esse dever cumprido, cabe aos alunos voltar para casa depois da aula, pois não podem estagiar.
O problema está na Lei do Estágio (nº 11.788), de setembro de 2008, a primeira a especificar claramente a possibilidade de estágio no ensino médio. Segundo o texto, o Termo de Compromisso do Estágio -um contrato entre escola, estudante e empresa- só é válido se constar do PPP (projeto político-pedagógico) do colégio.
A rigor, uma frase nesse documento garante a conformidade com a lei. Mas grande parte das escolas brasileiras ainda não fez essa modificação, apontam agentes locais de integração entre empresas e estudantes, delegacias regionais do trabalho e membros de conselhos estaduais de educação ouvidos pelaFolha.
Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e Rondônia estão entre os Estados que apresentam problemas. A maioria, entretanto, avança na adequação.
Fraude
Mesmo que todas as demais exigências, como supervisão por professores, sejam cumpridas, sem a alteração no PPP o estágio é considerado fraude trabalhista, explica Cássio Casagrande, membro da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, do Ministério Público do Trabalho.
Ele afirma que, em todo o país, há denúncias de termos de estágio assinados sem que o PPP esteja adaptado.
O IEL (Instituto Euvaldo Lodi) e o Ciee (Centro de Integração Empresa-Escola) afirmam que fazem ações em diversos Estados para estimular a adequação à lei.
Para o superintendente nacional de operações do Ciee, Eduardo de Oliveira, há um aumento do interesse das escolas e das secretarias nesse ajuste. "A oferta [de estágio] estimula as escolas a aderirem à lei. Até porque o aluno cobra."
Ou troca de escola, como fez Ully Evelyn da Costa Ayres, 19. Ela mudou para colégio adequado à lei para poder depois de perder uma vaga de estágio. "Preciso ajudar minha mãe em casa. O estágio dá mais responsabilidade e ajuda a escolher o que quero fazer na faculdade."
Matheus do Brasil, 19, do Maranhão, também ficou sem atividade. "Se estivesse numa escola particular não teria perdido meu estágio. Foi só com os alunos das públicas", diz.
Frases
"Preciso ajudar [financeiramente] minha mãe em casa. [Além disso,] o estágio dá responsabilidade e ajuda a escolher o que quero fazer na faculdade"
ULLY EVELYN DA COSTA AYRES, 19
estudante do Acre que mudou para uma escola adequada à Lei do Estágio
"As escolas estão irregulares. E isso não é só aqui [no Rio Grande do Norte], é em todo o Nordeste"
JOEL ADONIAS DANTAS NETO
auditor da Delegacia Regional do Trabalho do Rio Grande do Norte
"A oferta [de estágio] estimula as escolas a aderirem à lei. Até porque o aluno cobra"
EDUARDO DE OLIVEIRA
superintende nacional de operações do Ciee
Estados avançam, mas poucos resolvem o problema na totalidade das unidades
DA REPORTAGEM LOCAL
Alguns Estados afirmam ter resolvido o problema da inserção do estágio no PPP (projeto político-pedagógico) da escola por meio de um texto para toda a rede estadual de ensino.
É o caso de Minas Gerais e São Paulo. A Secretaria de Educação do primeiro o fez pelo decreto nº 45.036/ 09, e, a do segundo, pela resolução SE-40.
A Secretaria de Educação do Rio de Janeiro também assegura contar com texto estadual, mas reconhece que ele não isenta as escolas da necessidade de incluir o estágio no PPP.
No Paraná, as escolas públicas e privadas foram regulamentadas no ano passado.
Outros Estados progridem, mas boa parte não resolveu o problema na totalidade das escolas. A Secretaria de Educação do Ceará, por exemplo, prevê que os colégios estarão adaptados neste ano.
No Rio Grande do Sul, 95% dos colégios incluíram a possibilidade de estágio no PPP, diz a secretaria de Educação.
Parte do avanço nesses Estados -e em outros, como Acre, Amazonas e Rondônia- deveu-se a encontros entre agentes de integração de estágio, diretores de escola e secretarias estaduais de educação. Juntos, debateram fórmulas e estimularam escolas a se adaptar e supervisionar os estudantes.
A fiscalização também tende a gerar resultados.
Na Bahia, a Superintendência Regional do Trabalho afirma que cobra os centros integradores para que permitam que apenas estudantes de escolas adaptadas estagiem.
No Maranhão, os estágios foram suspensos por ordem da Procuradoria Regional do Trabalho. A Folha não obteve resposta das demais secretarias estaduais de Educação.
DEVER DA ESCOLA
Gestor deve analisar se finalidade é educacional
Diretores vetam experiências que não envolvem orientação de aluno
DA REPORTAGEM LOCAL
Após o estágio ser inserido no projeto político-pedagógico, o diretor da escola é quem assina o Termo de Compromisso de Estágio -feito entre colégio, empresa e estudante.
A função, contudo, não é tão burocrática quanto gostariam alguns alunos. Cabe ao gestor da escola avaliar se as condições propostas pela companhia permitem algum tipo de desenvolvimento do jovem.
Isso porque muitas empresas utilizam o contrato de estágio para trabalhos sem nenhuma orientação, afirma o procurador do Ministério Público do Trabalho Cássio Casagrande.
"Temos o caso de uma rede de fast food que contratava estagiários para fritar hambúrgueres", exemplifica.
Para estudantes de baixa renda, no entanto, o estágio é encarado como um trabalho. Joana (nome fictício), 16, conta que a remuneração recebida iria para as despesas de casa e suas próprias e para a compra de livros quando fosse aprovada na universidade.
A jovem até foi selecionada para atuar na área de cobrança por telefone de uma firma, mas a diretora de seu colégio se negou a assinar o termo. Justificativa: não se tratava de estágio.
Para o procurador, aprender a se relacionar com o chefe e com os colegas, ter disciplina e adquirir experiência são ganhos "simplesmente acidentais" quando o jovem está inserido no mercado de trabalho.
Ele argumenta que estudantes como Joana devem considerar que, como empregados ou aprendizes, receberiam mais e ainda contribuiriam para a Previdência Social.
Jaqueline Teixeira da Silva, 16, teve uma experiência parecida à de Joana. A diretora de seu colégio, em São Paulo, vetou a proposta para que a jovem trabalhasse em um restaurante cinco horas por dia, inclusive nos fins de semana.
"Ela explicou que não era estágio. Chamou a minha mãe para conversar e nos convenceu", diz Silva, que continua em busca de uma oportunidade.
PERMITIDO
Estudantes de escolas que não incluíram o estágio em seu PPP podem recorrer a instituições:
A Secretaria de Educação pode orientar o diretor sobre como fazer a mudança
Os centros de integração de estágio têm interesse na regulação e podem ajudar
Caso haja pessoas na escola estagiando em situação irregular, uma saída é pedir para que a Delegacia Regional do Trabalhooriente a instituição
Questionado, ministério reagenda a publicação de nova cartilha para este mês
DA REPORTAGEM LOCAL
Publicada em outubro de 2008, a Cartilha do Estágio foi desenvolvida pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) e pelo MEC (Ministério da Educação) para melhorar o entendimento da lei nº 11.788, que regula o estágio em todos os níveis e modalidades de ensino público e privado no Brasil.
Agora, uma nova cartilha será lançada ainda neste mês, afirmou Ezequiel Nascimento, secretário de Políticas Públicas de Emprego, do MTE.
Em 25 de outubro do ano passado, a Folha antecipou o novo texto e apontou deslizes, como a falta de clareza sobre o recesso proporcional ao tempo estagiado. A publicação, que seria lançada dias após a veiculação da matéria, foi adiada.
Nesta semana, questionado pela reportagem, Nascimento afirmou que reagendaria a data de lançamento com o ministro do Trabalho, Carlos Lupi.
Em um novo contato, o secretário declarou que o texto estaria disponível ainda neste mês. A data, segundo ele, será decidida em uma reunião na próxima terça-feira.
Pela lei, o estágio é matéria educacional, cabendo ao MTE fiscalizar esta relação quando for considerada fraude de trabalho. Ao MEC compete analisar o caráter educacional trazido por essa experiência.
O MEC afirmou não ter nenhuma ação com foco em estágio prevista em seu projeto Ensino Médio Inovador. O programa trataria do trabalho, "não apenas no sentido profissionalizante mas também em seu sentido ontológico", segundo o diretor de formulação de políticas de educação profissional e tecnológica, Luiz Caldas.
Fontes: especialistas
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/empregos/ce0703201001.htm
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