Trolagens Construtivas - RJ
O CIEP 122 fica em um bairro afastado do centro de São Gonçalo, município vizinho do Rio de Janeiro. Trata-se de uma escola bonita, no alto de um morro, com uma vista privilegiada do bairro Miriambi. O pátio da escola é bastante amplo, abrigando com conforto os anexos da arquitetura do CIEP: a biblioteca e a quadra de esportes.
Tivemos alguns entraves ao chegar na escola no dia da oficina. Embora a data e horário tivessem sido confirmados com a coordenação, nossa atividade coincidiu com uma prova importante para alguns estudantes. Era uma prova que valia um ponto. Uma forma de ajuda para aqueles que estavam “pendurados” na disciplina. Gastamos algum tempo para resolver a coincidência, que foi gentilmente solucionada por uma das coordenadoras do turno.
A turma se dividiu nas três atividades que nossa oficina propõe: fotografia, video e áudio. A mais procurada foi a de fotografia, mas atividade que aqui relato foi de áudio.
No grupo que monitorei encontrei uma única menina, tímida, e alguns rapazes muito amadurecidos, concentrados e interessados em produzir alguma coisa com substância. Um deles tinha experiência em um tipo específico de produção de áudio, era DJ, organizava festas, fazia vinhetas publicitarias para carros de som do bairro etc. mas quem verdadeiramente dominou a proposição foi o Thiago, um aluno desportista, cadeirante e com uma disposição incrível para pensar. Foi ele quem propôs o tema do PodCast: "vamos falar dos problemas da quadra!". A proposta foi imediatamente aderida pelo grupo. A ideia era chamar atenção para os problemas da quadra de esportes usando o PodCast para sensibilizar a direção da escola ou o governo para o conserto.
O ponto alto dessa oficina, a meu ver, foi a forma como o grupo decidiu sobre as questões estéticas e éticas do trabalho. Eles queriam fazer uma espécie de “queixa” sobre o descaso com a quadra de esportes, mas ao mesmo tempo não queriam entrar em conflito com a direção da escola. O 122 foi um dos mais bem cuidados CIEP que visitamos. Todas as instalações estavam muito bem cuidadas: banheiro, refeitório, salas de aula, corredores e pátio. Então por que motivo a quadra estava naquelas condições? Por que motivo a biblioteca estava fechada? Talvez não fosse por decisão da direção.
Assim, aproveitamos o momento e conversamos também sobre os possíveis efeitos que um conflito pode trazer para a relação entre estudantes e escola. Esta foi uma ótima oportunidade que tivemos para desconstruir a ideia que confunde ‘liberdade de expressão’ com ‘denúncia’. Nos moldes como vem sendo produzida (caso Isadora, seus seguidores e outros), a denúncia, supomos, tem vida curta e está quase sempre ancorada no modelo proposto pelos programas vespertinos da televisão, dotados de uma certa superficialidade que não aprofunda questionamentos, não produz reflexão, mas chamam atenção, polemizam assuntos e fazem audiência, muita audiência (objetivo central das TV dominantes) sem, contudo, produzir qualquer tipo de transformação social na direção do assunto em pauta. Quando muito, conseguem arrancar do governo, empresa ou pessoa, uma atenção pontual ao buraco no asfalto ou ao ônibus que não passa, mas sempre de forma pontual.
Nesse sentido, ficou claro que a proposta do grupo de estudantes do CIEP 122 também não se identificava com tais modelos de denúncia. O grupo não queria o conflito, não queria melodramatizar o cotidiano da escola pública e tampouco se fechar ao diálogo com a diretoria. Eu sugeri a criatividade como um caminho mais interessante para dar conta de um assunto que tinha relevância para o grupo. A arte toca mais fundo nas pessoas e é capaz de faze-las refletir melhor sobre as coisas.
O resumo dessa conversa resultou no título do PodCast do grupo: “trolagens construtivas”. Trolagem é um termo geralmente usado na internet e foi trazido por um dos participantes para nomear o trabalho. Na gíria, trolar designa uma pessoa cujo comportamento tende sistematicamente a desestabilizar uma discussão, provocar e enfurecer as pessoas envolvidas nelas. Para o grupo de participantes, a série de PodCast que seria produzida a partir da oficina teria como missão trolar o cotidiano da escola de uma maneira positiva, ou seja, uma espécie de “perturbação do bem”, sem agressividade, que contaria com o humor para iluminar as necessidades dos estudantes (ouça o PodCast).
Geraldo Pereira