Uma leitura crítica sobre o antigo sistema de ingresso nas universidades brasileiras, e as futuras perspectivas deu um sistema mais inclusivo e menos segregador.
Eu sou do tempo dos “vestibulares unificados”, um grande negócio montado durante a ditadura para acabar com o que então se chamava de “excedentes”, os que concluíam o ensino médio – na época “clássico” ou “científico” e não obtinham vagas numa universidade. Pública, é claro, porque as particulares eram uma meia-dúzia de três ou quatro, em geral religiosas.
No início de cada ano, reuniam a “boiada” – eu era um deles – no Maracanã e punham em prática o “critério de excelência” seletivo que você vê na foto.
A inscrição, obviamente, era cara, e isso rendeu bom dinheiro a muita gente. E mais ainda deu dinheiro a proliferação de faculdades particulares, algumas verdadeiros caça-níqueis.
Depois, a título de adequar o perfil dos candidatos às suas “demandas” específicas, cada universidade começou a fazer seu vestibular. E, claro, tome taxa. Lembro-me de minha indignação quando minha filha foi fazer vestibular. Uma taxa para a UFRJ, outra para a UFF, mais uma para a Rural, outra para a UERJ e, finalmente, uma para Unirio. E ela não tentou as particulares, notem.
Eu podia pagar, mas não me conformava com que um estudante de baixa renda, já prejudicado pela falta de uma boa escola, tivesse de sangrar a família modesta ou o dinheirinho que ganhava já trabalhando. Não posso dar números precisos, mas era algo, para todas, como de dois ou quase três salários mínimos da época em taxas de inscrição.
O Enem, que a nossa mídia vive atacando, seja por meia-dúzia de redações esdrúxulas, seja porque supostamente vazam uma ou outra questão, surgiu como solução para aquela vergonha.
O que nossa mídia não diz é que o Enem é o maior processo seletivo do mundo. Agora, com o recorde de perto de 8 milhões de inscritos, contra 5,7 milhões no ano passado, firmou-se ainda mais nessa posição. Seus problemas – embora devam ser corrigidos – são nada perto de suas dimensões gigantescas. O maior vestibular, o da USP, tem um número de inscritos 60 vezes menor.
Uma a uma, as universidades públicas foram se vergando à realidade de que uma prova unificada é a mais prática e justa solução de aferição de suficiência para seus novos alunos. Algumas ainda resistem, com argumentos acadêmicos questionáveis e com um ranço elitista cada vez mais difícil de entender.
Os liberais, que tanto condenam as “reservas de mercado”, pretendem que a educação superior o seja, para seus filhos. Negros, pobres, alunos de escolas públicas, essa gente desqualificada, deveria ficar fora do seleto grupo que merece vagas – gratuitas, por sinal – nas escolas de excelência – públicas, por sinal.
Torcem o nariz para a expansão da rede pública de universidades. E, claro, para o Enem.
Vivemos numa sociedade de massas e o acesso ao ensino superior deve ser de massas. Depois, sim, naturalmente as coisas vão se separando e as vocações para pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico vão surgindo, se houver, como há agora com os programas de bolsas de estudo, aqui e no exterior, mantidos pelo Governo Federal.
Quem quiser saber como Índia, China, Coreia – e, muito antes deles, o Japão – fizeram, procure verificar como investiram maciçamente para massificar o ensino e dele extrair uma parcela que foi se aperfeiçoar no exterior.
Perdoem se me mostro muito indignado com a gente perversa que, com argumentos para lá de inconsistentes, defende uma “seleção” exclusiva - e excludente – para suas instituições de ensino superior. É que penso sempre que, se eu fosse como milhões de pais – mesmo de classe média baixa – que não tivessem como pagar cinco ou seis taxas caríssimas e ela não tivesse energia para se desdobrar em dez ou doze dias de prova, aquela a menina talvez não pudesse entrar numa universidade pública e ser, como é hoje, uma PhD dedicada à pesquisa e ao conhecimento vitais para o nosso país.