Resenha do Conto "Casarão Amarelo" de Marcos Rey
Obra Resenhada: O casarão amarelo, de Marcos Rey
Patrícia Helena F. de Campos Zamboni
Há sempre um diferencial que atrai os leitores a determinadas obras. O leitor pode se identificar com a obra por diferentes razões: pela linguagem, pela temática, pelo caráter, pelos personagens, pela construção, pelo gênero etc.
Leitores que apreciam contos com tramas não muito convencionais; sem grandes polêmicas; com personagens insensatos que vivem dramas cômicos; com ações surpreendentes que quebram a expectativa; com finais abertos e mal resolvidos, com certeza irão gostar de conhecer o “O casarão amarelo”.
Trata-se de um conto de autoria de Marcos Rey e faz parte de uma seleção de contos organizada pelo crítico literário Fábio Lucas, o livro pertence à coleção Melhores Contos. Entre eles destacam-se Sonata ao Luar, O cão da meia-noite, O enterro da cafetina e O casarão amarelo. Este último será o conto apresentado neste texto.
Marcos Rey, segundo Fabio Lucas,
Lida com arquétipos da narrativa moderna: a disponibilidade existencial das personagens, sempre prontas para uma aventura, de preferencia noturna; o companheirismo fácil, sem vínculos profundos entre homens irresponsáveis e ambiguamente ternos; a solidão amorosa; a mobilidade do lar para a rua e a volta ao lar como abrigo ou refúgio, fuga do impasse; as paixões sem saídas, simulacro de armadilhas. (2008, p. 8)
Primeiramente, é preciso apontar uma característica importantíssima: a moderação. Marcos Rey sempre, em seus contos, circula entre o trivial e o relevante; é intimista, porém ao expor os pensamentos das personagens, não é tão profundo como Clarice Lispector, o autor o faz de forma cômica e prática, e assim a temática se torna leve e dinâmica. É muitas vezes irônico e sarcástico, faz com que o leitor reflita sobre si mesmo de forma crítica, mas sem deixar de ser espirituoso; com enredos verossímeis que em alguns momentos ultrapassam as barreiras do “real”.
Os contos prendem o leitor logo nos primeiros parágrafos, pois apresenta indícios de conflitos e situações inusitadas. No trecho abaixo de O casarão Amarelo, o narrador personagem inicia o conto apresentando sua namorada Glória e assim faz-se conhecer também sua própria personalidade:
Assim que me despedi de Gloria fiz meia- volta, depois mais meia, esta premeditada e cautelosa, e saí em sua perseguição. Eu estava desconfiado, tão desconfiado, que os transeuntes que vinham em sentido contrário me olhavam espantados. Que cara eu devia ter! Mas a culpa era dela, mentia demais, ora afirmava que morava com uma tia, ora com a madrasta, que trabalhava no escritório dum despachante, contradizia-se dizendo que procurava emprego, jurava ser virgem, queria morrer solteira, havia um ex-noivo contrabandista que andava à sua espreita com revolver no bolso, marcava encontros comigo e não comparecia, chorava por qualquer coisa, implorava que eu marcasse a data do casamento, depois anunciava sua entrada num convento (...) A única verdade de Glória talvez fosse sua beleza, trombeteada pelos seus seios altos, rijos e esféricos(...) (2008, p. 45)
Há também a recorrência das personagens Otávio e Gianini em alguns dos contos, o que pode, a partir de algumas leituras, facilitar a compreensão das personalidades, principalmente a de Otávio, que é o narrador em primeira pessoa deste e de outros contos.
A linguagem é simples, as tramas são universais e instigantes. No conto apresentado, o personagem Otávio é um homem de meia idade, publicitário, que tem uma namorada misteriosa, o que faz com que ele passe parte do seu tempo tentando descobrir se é ou não traído.
Os monólogos interiores são parte fundamental na construção do conto, permite ao leitor certa empatia com a personagem, à medida que narra sua história ele também fragmenta seus íntimos questionamentos, como no trecho a seguir:
(...) O que era o casarão? Um escritório, uma pensão ou um bordel? Seria Glória uma prostituta? Alguém já me dissera que São Paulo é o paraíso da prostituição vespertina, discreta, camuflada. Os senhores burgueses não sabem disso. Ou se sabem...Sei lá! Foi nesse dia que “bolei” uma idéia cínica e ridícula, cômica e grosseira, genial e desesperada(...) (2008, p. 47)
Assim como em “O cão da meia-noite” o personagem, apesar de ser um homem normal, com profissão e amigos, age muitas vezes de forma “insana” com atitudes impróprias, mas que de certa forma reproduzem os pensamentos humanos, que são espontâneos e incontroláveis.
No transcorrer da trama, outros personagens são envolvidos em seus conflitos. O narrador, Otávio, então expõe de forma irônica suas observações sobre eles e seus comportamentos. No trecho abaixo o narrador faz comentários sobre seu psicanalista, que na trama o ajuda de forma bastante imprópria para um médico, pois apoia e incentiva as ideias malucas de Otávio:
(...)Eu e o Dr. Machado não tirávamos os olhos da porta do casarão. Observei que se impressionara demais pelo meu caso e revivia através dele o seu próprio drama de ciúme. Estava fazendo o tempo recuar.(...) Bem me haviam prevenido de que todos os psicanalistas são doidos! Só um louco é capaz de se interessar tanto pela loucura alheia. Com um médico desses eu não podia ficar curado.(...)
(2008, p. 66)
Em fim, o conto brevemente apresentado aqui, possui elementos que cativam leitores que dão preferência ao imprevisível, que não se iludem com finais felizes, que gostam da leitura equilibrada entre o real e a ficção, que apreciam a sensibilidade prática, que ponderam sobre o comportamento egoísta dos homens, mas encaram com bom humor a impossibilidade da perfeição humana.
Referências Bibliográficas
REY, Marcos, Melhores Contos / seleção de Fábio Lucas. – 3. Ed. – São Paulo: Gaia, 2008. – ( Coleção Melhores Contos)
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