“Queremos voltar a viver no que é nosso”, diz jovem indígena
09/06/14
Cecilia Reigada,
de Brasília (DF)
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Diante do assassinato incessante de suas lideranças, jovens Guarani-Kaiowá, como Fabio Turibo, vêm assumindo papel e destaque na continuação da luta
Diversos povos indígenas de todo o país se reuniram na Mobilização Nacional Indígena para exigir seus direitos garantidos na Constituição e, especialmente, o direito à terra. A mobilização, que ocorreu em Brasília entre os dias 26 e 29 de maio, foi promovida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e contou com o apoio de diversas organizações parceiras. Na entrevista a seguir, Fabio Turibo, jovem liderança Guarani-Kaiowá, nos fala sobre a importância dessas manifestações e sobre a atual situação de violência pela qual passa o seu povo.
Brasil de Fato – Qual é a sua avaliação sobre esta semana de Mobilização Nacional Indígena?
Fabio Turibo – Considero que foi importante a ocupação do Congresso e o fato de a Proposta de Emenda à Constituição/PEC 215 não ser votada até que haja um consenso na Câmara dos Deputados. Outro ponto importante é que o movimento indígena está mais organizado e unido, mesmo que haja muitas dificuldades, como por exemplo, o deslocamento até Brasília, motivo pelo qual muitos povos não puderam estar presentes. Os meios de comunicação alternativos ajudam muito e também temos muitos apoiadores à nossa causa, somando com a gente.
Você acha que a sociedade reconhece a luta de vocês?
Sim, acredito que há um reconhecimento entre os pobres, mas não entre os ricos. Essas pessoas são as que tentam colocar a sociedade contra os indígenas, argumentando que nós não temos nada, que temos terra e não plantamos nada e o governo está junto com eles, junto com os empresários. Ainda há muito preconceito, muitos deles produzidos pelos meios de comunicação, como a rádio e a televisão, ao publicar fatos que não ocorreram, que não são reais, que são manipulados. Como a manifestação que ocorreu no dia 27, aqui em Brasília, rumo ao estádio Mané Garrinha. Os meios disseram que a marcha era para roubar a taça da Copa, quando na verdade era para exigir a demarcação de nossas terras, nossa manifestação era pacífica.
Também divulgaram muito a imagem do indígena atirando com uma flecha, como se fossem uns “bárbaros”.
Sim, essa é a manipulação, que os índios são perigosos, quando foram eles que começaram com a violência, jogando gás lacrimogênio e atirando balas de borracha. O que nós queríamos era continuar com a nossa manifestação passando pelo estádio. Isso é o que a imprensa faz, manipular. O governo está dizendo, para a gente de fora, que o Brasil vai muito bem, que não há problemas, que os índios não necessitam de terra, que as manifestações são apenas por causa da Copa. Não, nós estamos manifestando por causa da terra, nossa causa é justa.
E por outro lado também há meios alternativos que divulgam os fatos como são. Como você vê o uso das redes sociais e outros meios?
Essas redes são muitos importantes para nós, aproveitamos esses meios para contradizer o que sai nos grandes meios como a Globo, a Record, a Band. Usamos essas redes sociais, o Facebook, os blogs, como uma forma de falar com a nossa voz.
Atualmente, como está a situação dos Guarani-Kaiowá?
Temos muitos problemas com a demarcação de terras, muitos conflitos entre fazendeiros e indígenas. Há muitas ameaças, assassinatos e desaparecidos. Recorremos à justiça, mas não tivemos nenhuma resposta. Os crimes acontecem e o governo não os vê e a justiça também os ignora. A justiça só funciona para quem tem dinheiro. A questão do indígena é essa, que nós não temos dinheiro, cultivamos nossos alimentos nos nossos pequenos pedaços de terra. São muitas as ameaças, nos diversos acampamentos onde estamos e em toda a região. Muitos líderes estão sendo ameaçados e, entre eles, muitos jovens ameaçados. Morar no acampamento acaba com a nossa comunidade. Não há remédios e não temos escolas porque tem uma lei que proíbe a construção de escolas em área de litígio. Algumas comunidades conseguem montar esquemas alternativos de educação, mas nem todas têm condições para fazer isso.
O número de suicídios entre os Guarani-Kaiowá é muito grande, não?
O número de suicídios é muito grande, principalmente entre os jovens, e é por causa da falta de terras. Estar nos acampamentos, num lugar confinado, com muitos problemas e sempre em conflito com os fazendeiros, gera transtornos nas pessoas. O estado onde vivemos, Mato Grosso do Sul, é o que apresenta o maior número de assassinatos indígenas no país. A Força Nacional criada pelo governo não está lá para nos proteger, mas para proteger o agronegócio, a elite, os fazendeiros.
Considerando que o maior número de suicídios é entre jovens, também vemos que há muitas lideranças jovens como você.
Sim, isso é algo recente. Estão ocorrendo muitas mortes das nossas lideranças e vendo essa realidade do massacre do nosso povo, decidimos assumir este lugar. Os jovens hoje têm o papel fundamental de colocar suas ideias dentro da Aty Guasu. Porque nós somos mais avançados na questão da tecnologia e dos meios de comunicação, o que nos ajuda bastante. Os jovens têm apoiado bastante o movimento das lideranças, das mulheres, dos rezadores.
Como vocês se organizam através da Aty Guasu?
Aty significa pessoas unidas e Guasu, grande assembleia. Surgiu na década de 1980 durante as discussões sobre a nova Constituição Federal. A Aty Guasu é formada por vários conselheiros; é uma assembleia geral de todos e todas, é um espaço para nos escutarmos, para vermos onde podemos melhorar.
Uma das demandas centrais desta mobilização é o direito à terra. Como é a questão da terra para os Guarani-Kaiowá?
Existem algumas terras que foram demarcadas no período do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), antes de 1967, e outra que foi demarcada há oito anos, mas a maioria das comunidades mora nos acampamentos, esperando que nossas terras sejam demarcadas, que o governo nos dê uma resposta. O que queremos, nós Guarani-Kaiowá, é que nossas terras sejam demarcadas. Nossos rezadores reconhecem nossos lugares, sabem onde estão, sabem onde viveram quando eram jovens. Nós fomos levados para as aldeias demarcadas pelo SPI, ficamos confinados, mas os rezadores reconhecem as suas áreas sagradas. A alegria da comunidade é estar aí, no seu lugar. Nosso sonho é voltar a viver no que é nosso. Nós somos felizes quando estamos na nossa casa, e não quando estamos na beira das estradas.
É possível plantar nos acampamentos?
Em alguns acampamentos sim, mas aqueles que estão nas margens das estradas não há como, não têm condições para plantar. Enquanto os fazendeiros – que são poucos, latifundiários – ganham dinheiro com a produção de soja, cana e milho nas terras dos indígenas, nós vivemos do outro lado da estrada. Sabemos que o agronegócio é muito forte no Mato Grosso do Sul, ainda mais quando pensamos nos deputados, na bancada ruralista no Congresso.
Você acredita que seja possível construir um diálogo entre o governo e os povos indígenas?
O governo tem que dar uma resposta não só para os Guarani-Kaiowá, mas para todas as etnias. Ou se cria o diálogo este ano, que é ano de Copa do Mundo e eleição presidencial, ou ele não será criado nos próximos anos. O que pode acontecer é uma enrolação, e é o que está acontecendo hoje. Têm acontecido muitas manifestações e mobilizações, mas o governo não nos escuta. Brasil é um país onde o governo quer mostrar que é desenvolvido, mas quem sofre são os povos indígenas. Permaneceremos forte, lutando por nossos direitos. A luta não acaba aqui, não é hoje que começou e não será hoje que vai terminar. Como dizem nossas lideranças, se um cai outro se levanta. Se uma liderança é assassinada, outros dois jovens recomeçam a luta e três mulheres tornam-se rezadoras. Um dá a mão ao outro para que possamos continuar no nosso caminho. Queremos que o governo resolva nosso problema da terra, que o ministro da Justiça assine o decreto de demarcação. Essa manifestação é um protesto por nossos direitos, por nossas terras. (Colaborou Waldo Lao)
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