“Pedreiros do futuro”

 

Ontem, ao conversar com meus alunos sobre o futuro, fui surpreendida por respostas, até certo tempo atrás, impossíveis de serem ouvidas em sala de aula. Estávamos falando sobre sonhos, desejos e profissões do futuro e cada um deles falou sobre sua expectativa de vida e sobre o que gostariam de ser quando crescerem. Uma boa parte quer ser médica, outra parte quer ser engenheira, enfermeira e, para a minha alegria, ou tristeza talvez, não identifiquei algum querendo ser professor. Naquele momento, percebi um sinal de que o valor (ou a falta de valor) do professor é sabido até mesmo pelos pequenos. A comunidade na qual se localiza a escola que trabalho tem altos índices de violência em comparação com as demais da capital maranhense. Nela, a droga virou moeda de troca e a lei do silencio é a única cumprida à risca pela população.

Continuando a conversa com eles, descobri que alguns alunos gostariam muito de ser pedreiros… ”Uau! Nossa! Que estranho!” Nada contra a profissão, mas… (momento de reflexão). Eles não deveriam sonhar em serem engenheiros também assim como os outros? "Por que sonhar com uma profissão tão árdua e de pouca remuneração?"

Foi evidente minha cara de surpresa na frente dos meus alunos, mas a conversa prosseguiu com a minha argumentação da necessidade deles sonharem mais alto, pensarem em uma profissão melhor. Muitos riram do meu esforço de demovê-los da ideia. Fiquei sem entender!!

A manhã passou normalmente entre assuntos de arte e relatos de vida. Até que, ao final da aula, um daqueles, que sonham em ser pedreiro, teve dó de mim e resolveu explicar o motivo de muitos quererem essa “profissão”.

- Tia, a senhora sabe o que é e o que faz um pedreiro?

Eu respondi do alto do meu grande conhecimento (achava eu…):

- Ora… Pedreiro é o profissional que trabalha na construção civil, que faz cimento, casa etc. Você não acha que é pouco pra quem tem sonhos? Não deverias tentar ser doutor, criaturinha?

Ele deu um sorriso e respondeu:

- Tia, pedreiro é quem vende pedra de crack. Aqui na comunidade, quem vende mais pedras ganha mais, tem “participação nas vendas”. A senhora não vê alguns alunos com celulares de última geração e cordão da moda? Compram com o dinheiro da “comissão” da venda.

Neste momento, meu mundo desabou completamente. Vi que meus anos de estudo não adiantaram ao saber que estava perdendo alguns alunos para o tráfico e que os seus sonhos estavam sendo destruídos por um “comércio” mais vantajoso, porém,arriscado. Para que serviria meu diploma neste momento? Como modificar a ideia de que esse dinheiro era legal? Fazê-los saber que suas vidas valem mais do que um celular da moda ou um pesado cordão pendurado no pescoço? Como sacudi-los para que pudessem ver a realidade?

Saí de lá com a sensação de luto, de peso, de impotência. E essa sensação se agrava ao sabermos que a maioria destes meninos, que sonham com as “vantagens” do tráfico, tem em suas famílias traficantes poderosos e que alimentam nestes pequenos esses sonhos. Não quero e não vou desistir de usar a arte para que eles possam ver a vida de outra cor; vou somar-me a quem mais se incomodar com essa realidade para podermos, através de uma educação decente, que não segrega ou exclui, colorir a vida destes “aspirantes a pedreiros”, fazendo-os ver que as cores do mundo são melhores quando pelos olhos da legalidade e da esperança. Que seus sonhos podem levá-los mais longe do que uma ”boca de fumo” e que ser “doutor”, em uma comunidade mergulhada no tráfico, será uma vitória do bem contra o mal.

Hoje, vou tirar meu diploma da parede, guardá-lo em alguma gaveta, pois ali não me serve de referência, afinal, ainda estou impotente diante da realidade destes meninos. No dia em que eu conseguir fazer com que pelo menos um deles mude de ideia, talvez eu tenha coragem de exibir meu diploma outra vez… Talvez!

 

São Luís, março de 2013.

Ellen Viana, arte educadora da rede municipal e estadual de ensino.

 

Foto: Antônio Cruz/ABr

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