Melhor colégio gratuito do Rio no Enem 2012, Escola Sesc vira referência em apenas 5 anos
Caixas de pizza sobre o balcão da cozinha. Videogame conectado na televisão. E, no mural, fotos com amigos. A presença de adolescentes no perímetro se faz notória. Mas a rotina do apartamento de três quartos está longe do convencional. No espaço de 120 metros quadrados, nove meninas cuidam das tarefas domésticas enquanto se dedicam a uma rotina de estudos em tempo integral, a poucos passos dali. Alunas do terceiro ano, elas fazem parte do corpo de 500 estudantes da Escola Sesc de Ensino Médio, na Barra da Tijuca, oitavo lugar no ranking fluminense do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2012 e líder entre as instituições gratuitas.
Enquanto o topo do Enem é dominado por escolas com décadas de fundação, a Escola Sesc, com cinco anos de funcionamento, desde 2008, aposta em um modelo educacional cada vez mais raro nos tempos modernos: o internato, ou escola-residência, como se prefere denominar nos dias de hoje. Cerca de 500 jovens de ambos os sexos estudam - de 7h30m às 20h - e moram no campus de 131 mil metros quadrados, assim como os professores.
Os quartos são divididos por três alunos, com camas e escrivaninhas separadas. No terceiro ano, nove alunos passam a dividir um apartamento de três quartos (o mesmo modelo ocupado pelos professores e suas famílias). O objetivo é que os quase universitários tenham uma experiência de república, uma vida mais autônoma. Num lugar onde os laços tornam-se parte importante do aprendizado, os colegas de quarto mantêm-se os mesmos durante os três anos na escola.
- O quarto é o elo mais forte que a gente cria - resume Raquel Albuquerque, aluna do segundo ano, cuja família mora no Jardim Sulacap, no subúrbio do Rio.
A proximidade física entre professores e alunos também facilita colocar em prática ações de reforço escolar. Na instituição, cada mestre, dono de sua sala, oferece horários de atendimento extraclasse para tirar dúvidas e é tutor de dez alunos, oferecendo orientações acadêmicas e também pessoais. À tarde, são oferecidas aos estudantes oficinas de artes, matemática, português, ciências humanas e da natureza, algumas voltadas especificamente para o Enem.
O custo médio que o Sesc tem por aluno é de R$ 6 mil mensais, incluindo o gasto com a infraestrutura, professores, material didático, plano de saúde, cinco refeições por dia e viagens pedagógicas. Os estudantes ainda podem frequentar peças da programação do Sesc que são encenadas num teatro localizado dentro da escola.
- Lá fora, eu já estudei em salas melhores e piores, com alunos mais interessados ou menos. Mas nunca nessa totalidade, nunca com a preocupação que se tem aqui. Embora aqui tenha infraestrutura, o lance é o projeto da escola. Infelizmente, na escola pública é difícil haver um projeto que englobe várias áreas, em que você tenha uma relação de proximidade com os seus professores. A gente cria muitos laços. É o que fica - afirma a terceiro anista Alana Bottega, de 17 anos, dona do apartamento das “formosas”.
Aluna de escolas públicas da de 6 a 9 anos na cidade de Campo Mourão, no Paraná, Alana prestou vestibular para Filosofia esse ano. Na passagem pela escola Sesc, fez cursos profissionalizantes de edição de vídeo e fotografia, participou de projetos sociais e concursos escolares, enquanto dava conta da rotina de aulas.
- Ninguém vem para cá matar aula. É um compromisso muito grande - conta a jovem, explicando que se um aluno não aparece para a aula, ele é procurado no quarto.
Mas os ingredientes para o bom desempenho nos últimos anos do Enem — em 2008 e 2011 a escola também esteve entre as dez mais do Rio — parecem ir além da combinação geográfica entre casa e sala de aula. A instituição limita a 15 o número de alunos por sala, mantém um currículo interdisciplinar, com oficinas de artes, ciências e projetos sociais, e também aposta na diversidade cultural como forma de enriquecer o ambiente acadêmico.
Cerca de 165 alunos entram anualmente na escola por meio de uma seleção nacional (provas de português, matemática e conhecimentos gerais, e dinâmica de grupo). Cada estado tem uma cota de participação, que depende da arrecadação do estado para o Sesc. Rio, São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul são os que têm a maior cota, dez vagas cada. Os estudantes só concorrem com os candidatos do próprio estado, e o critério de desempate inclui benefício para dependentes de comerciários, famílias com renda de até cinco salários mínimos e egressos de escolas públicas.
- Eu reputo a essa diversidade o nosso sucesso. Ao mesmo tempo em que é um grande desafio, porque nós temos estudantes com lacunas acadêmicas muito graves, é culturalmente de uma riqueza incrível - afirma a diretora, Claudia Fadel. - Como eles saem de seus estados para vir para cá, já enfrentam um desafio. Esse grupo que se forma tem uma pegada diferente porque teve que passar por muitos obstáculos.
Depois de aprovados, os futuros alunos da escola recebem apostilas de português e matemática para serem preenchidas nas férias. O desempenho nos exercícios serve de base para encaixar os alunos em grupos de reforço.
- O primeiro ano é de nivelamento, porque as discrepâncias são muito grandes. Muitas vezes voltamos a conteúdos de oitavo, nono anos. A sensação às vezes é que a gente fica estagnado, principalmente se é alguém que vai fazer provas específicas no vestibular. Mas acho que isso é bom porque levanta o nível de todo mundo - diz Ana Beatriz Beatriz Motta, de 16 anos.
Nos dois primeiros anos, além da grade curricular tradicional, os alunos mantêm uma agenda aos sábados. Pela manhã, frequentam aulas de cursos profissionalizantes oferecidos pelo Senac, como agente de viagem, paisagismo, fotografia, webdesigner, editor de vídeo, recreação etc. À tarde, participam de projetos sociais com as comunidades no entorno, monitorias acadêmicas e práticas esportivas.
Moradora de Natal, a estudante Alice Cassiano, de 17 anos, já estava no primeiro ano do ensino médio quando soube da seleção para a escola. Mesmo assim, decidiu tentar uma vaga e fez pela segunda vez a série. Prestes a se formar, Alice espera conseguir uma vaga na Universidade Federal Fluminense no curso de Enfermagem.
- Ligo para minha mãe o tempo todo, mas não sofri muito no processo de adaptação. Quando cheguei aqui e vi a escola, a biblioteca, pensei: minha família vai ser para sempre, mas essa oportunidade, não — lembra ela, que é monitora de inglês na escola e escreveu um conto no livro recém-publicado “África, novas leituras”, fruto de uma oficina com alunos da escola.
Apesar de ser parte importante da escola, a infraestrutura da escola não poderia ser, segundo a diretora, a única responsável pelo sucesso dos alunos.
- Não foi a estrutura física que fez essa escola. Ela é um facilitador - afirma Claudia Fadel. - A parte acadêmica não é o que forma o aluno. É um pedaço significativo, mas não é o todo. A preocupação que temos é que os nossos jovens estejam preparados para o mercado de trabalho, para a vida.
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