Itinerante

É preciso que se trabalhe na escola a ideia de que a biblioteca não pode ser associada à ideia de castigo

Andei viajando por aí. E foi uma viagem muito prazerosa, pois visitei uma boa quantidade de bibliotecas e conversei muito sobre livros. Encontrei muitos bibliotecários, e papo de bibliotecário, mas bibliotecário por vocação, daquele tipo que ama estar rodeado de livros, é papo seguro sobre bibliotecas. Foi assim que ouvi muitas histórias.

Em certa cidade, me contaram que havia uma diretora de escola que recebeu a visita de uma supervisora. Depois de percorrerem salas e corredores, a supervisora pediu para conhecer a biblioteca. A diretora pediu a uma funcionária que fosse buscar a chave em sua sala. Simplesmente deslumbrante a biblioteca da escola. Não havia um só grão de poeira sobre mesas e armários. Os livros guardados na ordem correta, a maioria novinhos (estou tentado a dizer “em folha”, mas não seria correto, além de ser um clichê) com suas capas impecáveis. A supervisora perguntou sobre o horário de funcionamento, para espanto da diretora. Este é um lugar sagrado, ela respondeu, pagão nenhum tem permissão de entrar aqui. Quem se espantou agora foi a supervisora. Mas e os alunos?, ela quis saber. A diretora sorriu com malícia. Mas então a senhora acha que vou permitir que os alunos sujem esta sala e me estraguem os livros?! De jeito nenhum.

Sua biblioteca era apenas um depósito de livros, limpos, bem guardados e inúteis porque mudos.

Em outra cidade me contaram um caso que talvez seja ainda pior por tratar-se de uma prática bastante generalizada. Posso até dar o nome porque vocês jamais saberão quem é ele. O Moacir (aquele que deve sofrer, segundo José de Alencar) estava para se aposentar dentro de poucos anos. Não suportava mais a sala de aula. Para enfrentar sua missão até o fim, começou a tomar um trago de cachaça no bar antes de chegar à escola. Em pouco tempo as reclamações chegaram à direção do prestigioso estabelecimento de ensino. O professor Moacir vem dar aula fedendo à pinga. Os pais também reclamaram. Não houve jeito: era preciso readaptar o professor Moacir. Mas fazer o que com ele? Foi removido para a biblioteca. Ele detestava livro e pediu de joelhos para voltar à sala de aula, prometeu nunca mais beber, mas não houve jeito. Como justificar aos pais a suspensão do castigo? Morreu antes de se aposentar.

E por falar em castigo, soube de outra prática corriqueira no sistema de ensino deste nosso Brasil. Um aluno, por qualquer tipo de falha, como não ter feito os exercícios ou não parar de falar durante as explicações ou jogar bolinha de papel na cabeça de algum colega é mandado para fora da sala e, nas mãos de algum bedel, é imediatamente encaminhado para a biblioteca onde deverá cumprir sua pena. Uma pena! Em lugar de sala dos prazeres, o reino mágico do conhecimento, muitas pessoas ligadas ao ensino transformaram a biblioteca em masmorra, sala de tortura, prisão.

É preciso que se trabalhe a ideia de que a biblioteca não pode ser associada à ideia de castigo. Quem a frequenta deve sair melhor do que entrou, não com o ódio pelo ambiente, ódio que muitas vezes será carregado pelo resto da vida.

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