A divulgação de algumas redações realizadas para a edição 2012 do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), ao longo da última semana, reacendeu o debate sobre a necessidade de aperfeiçoamento da prova e de seus critérios de correção. Sob o tema “O movimento imigratório para o Brasil no século XXI”, houve quem, apesar dos erros de ortografia, alcançasse a nota máxima; outro texto incluía o trecho de uma receita de Miojo; além de uma dissertação que trazia o hino do Palmeiras.
Questionado a respeito da prova que obteve nota máxima mesmo com desvios da norma culta, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) – organizador do exame – respondeu que “uma redação pode ser nota mil mesmo apresentando erros em cada competência avaliada. A tolerância deve-se à consideração, e isto é relevante do ponto de vista pedagógico, de ser o participante do Enem, por definição, um egresso do Ensino Médio, ainda em processo de letramento, em transição para o nível superior”.
Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Ocimar Munhoz Alavarse, o Inep “está entrando em um processo delicado, difícil de controlar, que é o de classificar e ordenar indivíduos para distribuir um bem público, numa prova tecnicamente difícil e complexa”. Desde 2009, o Enem não apenas avalia as competências dos alunos ao final do Ensino Médio, mas serve de porta de entrada para as universidades federais, atuando por meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada) como uma espécie de vestibular.
O educador faz uma distinção entre a importância de o aluno dominar a produção escrita – uma tarefa a ser desenvolvida pela escola – e isso se tornar um item de avaliação de uma prova como o Enem. “Vestibular não é para ensinar. É para selecionar pessoas. É difícil fazer isso com garantias técnicas seguras em larga escala, ainda mais considerando uma relação que redunda em aspectos políticos, sociais e de justiça, portanto.”
Correção
Alavarse defende que, com o volume de provas e os 5.300 corretores contratados, uma alternativa para o Enem seria não aplicar a prova de redação – ou aumentar muito o número de corretores, garantindo maior heterogeneidade. “Os testes estatísticos têm evidenciado que quem tem boas redações também tem bons desempenhos nos itens de múltipla escolha”, afirma.
A fim de garantir a qualidade do processo de correção, ele propõe a criação de uma comissão independente, responsável por verificar se os critérios estipulados estão sendo seguidos. “Funcionaria como uma meta-avaliação capaz de apontar falhas que ocorram durante a correção da prova”, explica.
Os problemas ligados à correção também são identificados por Mateus Prado, presidente de honra do Instituto Henfil e especialista no exame. Segundo ele, diante da dificuldade em se manter a uniformidade das correções em uma prova realizada por mais de 4 milhões de pessoas, uma das alternativas seria estabelecer uma correção binária, mediante os critérios “está ou não apto” para o ensino superior.
Tais categorias seriam atribuídas em função do desempenho dos alunos em todas as cinco competências, num nível de exigência bom, mas não ótimo. “Se o que se espera de um vestibulando é que ele tenha um bom domínio do idioma, alguns desvios ortográficos não constituem falta grave.”
Porém, para que tal medida também não incorra em pontos cegos ou eventuais arbitrariedades na correção, Prado acredita que deveria ser colocada em prática num formato e modelo diferentes da prova atual. Isso porque o vestibulando teria a possibilidade de fazer mais de uma prova de redação durante o ano, aproveitando-se ao final a melhor nota. “É claro que isso demandaria mais investimentos”, calcula.
No modelo proposto por Prado, se um aluno pontuasse 800 na redação, com 160 em cada quesito, estaria apto a seguir para o ensino superior.
“Diversificar o grupo de corretores também pode ser uma medida significativa, já que teríamos múltiplos pontos de vista”, ressalta, lembrando que, embora passem por cursos de formação para a correção da prova, ou que outros cuidados técnicos sejam tomados, inevitavelmente cada um traz consigo as marcas de um olhar para a leitura.
Fora do tema
No caso das comentadas provas com “inserções indevidas”, como o hino do Palmeiras ou a receita de Miojo, o professor Alavarse reforça que são casos que exigem cautela, antes de qualquer decisão. “Num universo de milhões de alunos que produziram redações, qual é o peso que esses casos têm? Casos isolados não podem ser tomados como representativos da população ao qual se referem. É necessário investigar, antes de admitir como uma falha generalizada do exame.”
Em sua opinião, à primeira vista, os alunos não deveriam ser excluídos do processo seletivo. “Contudo, se você pede uma redação com temas ligados aos direitos humanos e vem uma receita de Miojo, corre-se o risco de perder completamente a razão de ser do texto.” O docente observa ainda que esses “flagrantes de não pertinência” também acontecem em sala de aula e que, nem por isso, invalidam outros elementos trazidos pelo aluno numa resposta. “É claro que estou afastando a hipótese de espíritos mais hilários”, pondera.
E você, o que pensa sobre os critérios de correção do Enem? O modelo proposto atual garante a qualidade da correção? Vamos dialogar?