Economista, Ladislau Dowbor discute sustentabilidade e problema de desigualdade : “desigualdade é o problema central do planeta”

Olá leitor(a),

O debate hoje é sobre o grande problema do planeta, segundo a ótica do economista Ladislau Dowbor, professor de pós-graduação da PUC, doutor em Ciências Econômicas pela Escola de Estatística e Planejamento de Varsóvia, a desigualdade. Segundo o professor “é preciso haver taxação sobre capitais especulativos. A especulação econômica tem gerado as grandes mazelas deste século. A busca incessante por lucros é a causa direta da dilapidação dos recursos naturais e o aumento da miséria."

Abaixo se encontra uma entrevista onde se "fala sobre os principais entraves para que a globalização seja sustentável e diz quem devem ser os principais agentes de mudança.”

Para começar, como o senhor define sustentabilidade?
Sustentabilidade é assegurar o necessário para as gerações presentes, sem prejudicar as gerações seguintes. Isso envolve alguns eixos principais, como o limite da exploração do planeta e a dimensão de justiça social, pois precisamos assegurar que as grandes mazelas do século XXI sejam liquidadas: miséria, crianças sem atendimento médico, pessoas sem acesso à água.

O processo de globalização atual é sustentável?
O mundo produz 70 trilhões de dólares de bens e serviços. Se dividirmos este número por 7 bilhões de habitantes, teremos uma média de 7 mil reais por mês, por família de quatro pessoas. Nós estamos produzindo o suficiente. O problema é na repartição, apropriação. Temos um conjunto de estudos internacionais elaborados por centros de pesquisas que revelam que atualmente 737 grupos controlam 80% das corporações mundiais. Grande parte destes grupos são gigantes financeiros. E os bancos não produzem propriamente, eles concentram recursos de diversos sistemas. Consequentemente, estas instituições financeiras passam a exigir das corporações resultados de maximização de lucros a curto prazo e um olhar de remuneração para os capitais e não para os impactos no planeta ou o nível de vida das populações.

Este é o sistema ao qual costumávamos nos referir como capitalismo selvagem?
É um capitalismo selvagem mais avançado. Por uma razão muito simples: essas corporações trabalham em escala planetária. Há o poder político que existe para contornar e regular sistemas econômicos em níveis locais, das nações – hoje temos 192 países com seus bancos centrais que controlam seu próprio território, mas estes grandes grupos são planetários, então ninguém os controla. O poder de representação política multilateral não existe. Temos algumas instituições como as Nações Unidas, Fundo Monetário, Banco Internacional de Compensações da Basiléia, mas nenhuma delas tem qualquer peso político frente aos grandes grupos econômicos. Gerou-se um espaço de desgoverno que permitiu a expansão deste tipo de prática.

Como é possível controlar ou reverter estas práticas?
A imensa popularidade do livro de Thomas Piketty – O Capital no Século XXI, é que ele mostra que quanto mais se acumula capital financeiro, mais se gera a desigualdade progressiva descontrolada. Ele propõe tributar efetivamente os capitais especulativos. Isso teria um duplo impacto: primeiro, as empresas que pagariam imposto sobre seu estoque seriam obrigadas a declarar o capital, e segundo, a taxação permitiria reverter o uso dos recursos da especulação para eixos que são necessários, como os financiamentos da inclusão produtiva, da transição tecnológica para sistemas ambientalmente sustentáveis e das políticas sociais para reduzir as desigualdades. Diversos estudos declaram que a desigualdade é o problema central hoje no planeta.

Os governos locais seriam responsáveis por tributar este capital especulativo?
Há grandes oportunidades nas linhas dos governos locais. No Brasil temos hoje 85% da população urbanizada. Então as cidades podem criar políticas sustentáveis dentro de seu âmbito. Estou dando este exemplo do local porque ele é muito importante. Há inúmeras cidades nos Estados Unidos, na China e no próprio Brasil, onde estão sendo feitas políticas ambientais sem esperar que surjam grandes sistemas de equilíbrio. Internacionalmente, não temos um Banco Central Mundial e nenhuma autoridade reguladora financeira. Hoje a especulação se tornou um sistema planetário e não há autoridade no horizonte. Piketty sugere em seu livro que, enquanto não se cria a capacidade mundial, pelo menos haja sistemas regionais de tributação do capital especulativo – na Europa, nos Estados Unidos.

Na contramão dessas empresas planetárias especulativas, existem exemplos de corporações fazendo investimento social?
Há muitas experiências em curso. Temos o World Business Council for Sustainable Development, que organiza e acompanha estas experiências. Também há o Ethical Markets*, onde é trabalhado o chamado Green Transition Scoreboard, que faz o levantamento de empresas que estão reinventando seus investimentos para ter impactos mais sustentáveis. Já existem muitas empresas investindo em alternativasrenováveis e construção sustentável, por exemplo. Há uma mistura de iniciativas de segmentos de corporações, de governos no sentido de regular e de cidades em adotar políticas inteligentes. Existe uma convergência de ações porque muitos estão tomando consciência que o maior problema é a janela de tempo que temos. O atual ritmo dedilapidação do planeta e aprofundamento das desigualdades é muito maior que a gradual construção de políticas alternativas.

Quem deve liderar esta mudança?
Governos locais, movimentos da sociedade civil – que têm se mobilizado muito fortemente, empresas. É uma mudança cultural, uma outra forma de desenvolvimento. E não podemos esperar que só grupos de ONGs ou de esquerda resolvam o problema. Temos que gerar uma convergência de forças sociais em torno disso.
Afinal, globalização e sustentabilidade são compatíveis?
São compatíveis no que seria chamada de uma outra globalização. Tudo passa por uma reconstituição de processos mais democráticos de decisão sobre o uso de recursos.

*http://www.ethicalmarkets.com/ (disponível em inglês)

Comunidades: