Como o projeto "Orquestra Jovem do Rio Grande do Sul" em cinco anos, tem transformado jovens de baixa renda em músicos?
Oferecer oportunidades de aprendizagem da arte musical da técnica de instrumentos para jovens e adultos é dar oportunidades diferenciadas de formação para melhoria da qualidade de vida, é criar identidades culturais com a comunidade em que vivem fortalecendo o convivio e os laços entre os sujeitos envolvidos. Levar um jovem ou um adulto de bairro da periferia para participar de um projeto que envolva um concerto na escola em que estuda, por exemplo é dar a ele a oportunidade de mostrar sua capacidade e potencialidade.
Um exemplo de projeto que tem como objetivo modificar a vida de jovens carentes transformando-os em músicos é o projeto "Orquestra Jovem do Rio Grande do Sul" que comemora tem comemorado seus aniversários com apresentações gratuitas na quarta e na quinta-feira, como informa a reportagem do ZH:
"Um dos mais antigos do grupo, Ezequiel já se apresentou até no Teatro Solís, no Uruguai
Foto: Adriana Franciosi / Agencia RBS
Ezequiel de Paula, 17 anos, não esquece a primeira vez que pôs os olhos em um contrabaixo, o instrumento devia ser maior do que ele. Depois de uma bateria de aulas teóricas, havia chegado o dia de tocar.
– Nossa, foi uma coisa... Eu lembro do professor falando de cada parte dele, descrevendo cada função. E eu olhando com uma vontade imensa de pegar o instrumento. Os olhos deviam estar brilhando.
Ezequiel vem de uma família de baixa renda, requisito para integrar a Orquestra Jovem do Rio Grande do Sul, e na época nunca havia visto um concerto de música clássica. Hoje, quando a orquestra comemora cinco anos, ele é outra pessoa. Está habituado a vestir terno para se apresentar diante de grandes plateias – tocou até no suntuoso Teatro Solís, em Montevidéu.
Ezequiel está entre os 20 integrantes mais antigos da orquestra, garotos e garotas talentosos, mas sem conhecimentos musicais prévios ou condições de comprar instrumentos. Além deles, mais 40 participam do grupo. Com concertos para celebrar o aniversário marcados para quarta e quinta-feira, eles comemoram também a oportunidade de participar de um projeto que mudou o rumo de suas vidas e ofereceu-lhes perspectivas novas.
Nada veio sem esforço. Os 60 integrantes ensaiam no Pão dos Pobres quatro tardes por semana, durante três horas, e ainda têm aulas de teoria musical e assuntos diversos, como ética e cidadania. Nos outros dias, praticam em casa. Os amigos estão acostumados a ouvir a frase "não posso, preciso ensaiar".
– Eu deixo de sair, de ir ao shopping e ao cinema, mas não deixo de me divertir. Eu me divirto bastante com isso aqui – diz Isadora Gehres, apontando para o violoncelo.
Isadora está na orquestra desde o primeiro ano do projeto, 2009. Aos 16 anos, percebe que a dedicação foi compensadora:
– Quando eu era pequena, as pessoas achavam estranho, diziam: 'Tu és tão novinha, para quê?' Mas nessa idade é bem melhor estar aqui do que em casa, mofando. A gente cria uma responsabilidade.
Para se dedicar à música, os alunos recebem bolsa mensal de R$ 150, ampliada para R$ 300 depois que demonstram comprometimento. Também ganham vale-transporte, alimentação, vestuário e instrumentos. A partir dos 14 anos, podem ingressar no Programa Jovem Aprendiz e ter a carteira assinada.
Matheus Inaiê, 17 anos, enfrenta três horas de trânsito para ir e vir de Montenegro, onde mora, e ter aulas na Capital.
–Todo mundo quer um trabalho, e como aqui a gente entra num convívio semiprofissional, foi a melhor opção que eu poderia ter feito – avalia o contrabaixista.
Os músicos são, para o maestro Telmo Jaconi, como "60 filhos":
– Acontece uma transformação radical na vida deles. Aprendem música, mas também convívio social, porque a orquestra é um microcosmo. Aprendem a respeitar o espaço do próximo e visitam locais a que dificilmente teriam acesso, como teatros e palácios do governo. A experiência faz com que eles cresçam. Eles se identificam como músicos da Orquestra Jovem e andam de cabeça erguida.
O guri inexperiente virou compositor
Peça de Marco inspirada em garota foi apresentada em concerto da Orquestra Jovem
O maestro Telmo Jaconi costumava dizer a Marco Aurélio, 18 anos, que a posição de spalla — o primeiro violino da orquestra — exige três características: cabeça no lugar para tomar decisões com competência, capacidade de tocar direito e responsabilidade para estudar e servir de exemplo. Em 2009, Marco entrou na primeira turma da Orquestra Jovem sem nenhum conhecimento musical. Em apenas um ano, todas as qualidades enumeradas por Jaconi foram reconhecidas nele, que se tornou referência para os colegas. Como spalla, é o responsável por afinar a orquestra e fazer a mediação entre os músicos e o maestro.
– Eu não tocava nada. Ninguém na minha família tocava. Entrei pela experiência. Música é uma coisa que eu aprendi a gostar, evoluí e aprimorei.
De alguém que se julgava pouco estudioso, Marco passou a recusar os convites para jogar videogame para ter mais tempo de praticar. Há pouco tempo, resolveu dar mais um passo e começou a estudar composição. O resultado foi Pianto (Choro, em italiano), executada pela própria Orquestra Jovem em um concerto de maio deste ano.
– É uma peça para quatro cordas e piano inspirada em uma guria. Ela foi ao concerto, mas a gente não está mais se falando.
A vida profissional, em compensação, está bem encaminhada.
Os anos que mudaram a trajetória de Erick
Erick trocou a os concursos de soletrar pelo violino por acaso, como contou em 2010, e virou destaque na orquestra
No começo de 2010, quando a Orquestra Jovem dava seus primeiros passos, Erick Pereira Lobato, então com 12 anos, disse a ZH que não bastava talento musical para ser bem sucedido. Também era necessário esforço. Foi o que não lhe faltou de lá para cá.
Hoje com 17 anos, o disciplinado Erick está habituado a ensaiar no violino cinco dias por semana. Chefe de naipe na orquestra, queixa-se ao maestro quando a música é muito fácil.
— Quando entrei, eu não tinha a dimensão do que ia aprender. O objetivo era me capacitar como músico para ter opções no futuro. Eu mudei quase que totalmente. Era uma pessoa bem tímida, e a orquestra me ensinou a trabalhar em grupo, a liderar, a crescer como cidadão. Aqui os compromissos são de todos.
Em 2010, quando demonstrou sua timidez a ZH, Erick estava meio que por acaso na orquestra. Ele participava de uma competição estadual de soletrar, mas perdeu uma seletiva na escola e ficou inconsolável.
Como compensação, foi convidado a se inscrever no teste para o projeto de música. Foi escolhido entre mais de mil candidatos.
Um ano depois, ganhou o Soletrando Estadual, mas a música já o tinha fisgado. Um dos alunos mais promissores da orquestra, abriu mão do curso de extensão em Matemática, outra paixão sua, para se dedicar inteiramente ao violino.
Uma das recompensas veio neste ano, quando foi dos poucos escolhidos a tocar na reinauguração do Estádio Beira-Rio, diante de quase 50 mil pessoas.
Da semente ao aplauso, por Rosane de Oliveira
Conheço a história da Orquestra Jovem desde que era apenas uma ideia na cabeça do então secretário de Justiça, Fernando Schüler. Para a surpresa de quem está acostumado à lentidão do setor público, Schüler a colocou em pé em tempo recorde, graças ao apoio do Banrisul e da Famurs, e contaminou o maestro Telmo Jaconi com seu entusiasmo.
Às vésperas da primeira apresentação da orquestra no Theatro São Pedro, fui assistir a um ensaio no Forte Apache, a sede histórica do Ministério Público. A ideia era fazer uma nota para a minha coluna em ZH, mas a história dos meninos e meninas era tão rica que não podia ser contada em poucas linhas. Virou uma reportagem especial, produzida com a ajuda do repórter Itamar Melo.
Naquele dia, assumi o compromisso de brigar pela orquestra na mudança de governo. Não foi preciso. A cada apresentação, o grupo mostrava os resultados da disciplina de ensaios e conquistava novos admiradores. Nestes cinco anos, provou que Schüler estava certo quando decidiu fazer inclusão social pela música.
Às vésperas de nova eleição, já não preciso prometer que brigarei pela manutenção da Orquestra Jovem. Tenho certeza de que nenhum governador terá coragem de acabar com o projeto alegando necessidade de cortar gastos. A sociedade gaúcha não permitirá.
COMO É O PROJETO
> Os 60 participantes fazem uma média de 35 apresentações ao ano. Já houve cerca de cem membros efetivos.
> A primeira seleção teve 1.300 inscritos para 45 vagas. A segunda teve mil inscritos para 25 vagas.
> Depois, decidiu-se deixar as inscrições sempre abertas. Para fazer parte, não é preciso ter conhecimentos musicais, apenas ter entre 10 e 16 anos e pertencer a uma família com renda de até três salários mínimos.
> As inscrições podem ser feiras pelo (51) 3433-6944 ou no endereço Rua da República, 801, Cidade Baixa.
> Criada pelo do governo do Estado, a orquestra é mantida com o patrocínio do Banrisul, pela Lei Rouanet.
> Quem quiser ajudar o projeto pode pode fazer um depósito:
BBanrisul - Agência Azenha 0030
C/C 06.055612.0-4
Associação Orquestra Jovem RS
PROGRAME-SE
Concertos da Orquestra Jovem do Rio Grande do Sul
> Quarta (27/08), às 20h, no Salão Nobre do Plaza São Rafael (Alberto Bins, 514) e quinta (28/08), às 16h, no Auditório do CATI, na Fundação O Pão dos Pobres de Santo Antônio (Rua da República, 801, Cidade Baixa), em Porto Alegre. Informações pelo fone (51) 8124-0208. Entrada Franca.
Repertório
Divertimento Nº 3 em Fá Maior (Allegro - Andante - Rondó), de Mozart
Concerto para Vibrafone e Cordas (Adágio - Allegro), de Maggi
Festa na Bahia, de Mignone
Quarteto de Percussão (Ritmo Bagatelo), de Amandi
A Truta (1º movimento - Allegro), de Schubert
Gavotte, de Tartini
Judas Maccabaeus, de Händel
Minueto, de Bach"
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