Buscando cores entre grades- Daiane Tavares


Normalmente, em dias de calor, ensolarados, no bairro mais quente do Rio de Janeiro, é que vivo as experiências mais duras e cinzentas de minha vida.

Ao entrar naquele espaço, o cinza das paredes, do chão, das grades frias e dos olhares tristes e curiosos parecem apagar todas as cores do mundo. Falo da prisão. Lugar que me faz refletir sobre o valor do ser humano, pois ali todas as mazelas do mundo são potencializadas, latentes, gritantes e parecem berrar sobre os que por ela passam.

Mas o que faço na cadeia? Você estará se perguntando. Eu respondo: por incrível que pareça, visito escolas. Escolas estas, que vivem “nadando contra a maré” para garantirem seu funcionamento.

Antes de chegar ao meu destino, percorro as galerias úmidas e sujas, sentindo tocar na minha pele o sofrimento dos encarcerados à minha volta. Deparo-me com o inferno na Terra. Se de fato o inferno existe é como a cadeia: “almas apenadas”, dor, sujeira, mau cheiro, calor, ódio, culpa...Percebo muito claramente todo esse universo cinzento que me cerca naquele momento.

Enfim, ao atravessar todo esse caminho áspero, encontro o que fui procurar: a escola. Esse é o meu trabalho, ao qual venho me dedicando desde que iniciei minha trajetória profissional. Por meio dele venho tentando, com todas as minhas forças, contribuir para que as unidades escolares existentes nas prisões do Rio de Janeiro tornem-se espaços educativos de qualidade. Não garanto que as escolas prisionais sejam a saída para os apenados e nem que funcionem como garantia de reinserção social.  Penso a educação como um direito de todos e como uma possibilidade de reconciliação dos sujeitos privados de liberdade com o ato de aprender na esperança de que vislumbrem algum caminho para a reconstrução de suas vidas.

Tudo isso é muito difícil, confesso, muitos são os problemas a serem enfrentados e precisaria de muito tempo para aqui explicá-los. No entanto, algo me faz querer continuar lutando por essa educação. Nesse tipo de escola vejo cores que não enxergo em qualquer outro espaço de um Presídio e acho que são elas que me fazem acreditar.

Esses espaços escolares têm um significado enorme na vida dos alunos internos e todo esse sentido e importância também me toca, tanto quanto o cinza das galerias. Penso, reflito, escrevo, discuto com todos os professores e outros atores que atuam nessas unidades. Essa tem sido minha jornada: pensar a educação em espaços de privação de liberdade e buscar com todo o grupo docente que ela seja significativa na vida dos nossos alunos. O grupo que atendemos é constituído por homens e mulheres que cometeram erros, muitas vezes, por terem tido uma trajetória de vida marcada por acontecimentos inimagináveis, carregados de muita dor e sofrimento. Por tal motivo, prefiro não pensar e nem procurar saber a respeito do crime que cometeram. Vejo-os como alunos e como sujeitos de direitos, privados apenas do seu direito de ir e vir e não dos demais direitos ao qual se faz jus como ser humano.

Após encerrar minha jornada, depois de mais um dia de visita a uma escola do Sistema Penitenciário, sinto todo o meu corpo doer. Dor causada pela agressão simbólica vivida durante meu percurso por entre as grades da prisão até o meu destino final que é a escola. Ao sair de lá, com o corpo dolorido e por demais fragilizada, ainda tenho forças para continuar acreditando em meu trabalho e na possibilidade de que todos aqueles sujeitos aprisionados possam, um dia, reconstruir suas vidas, pintando-as com cores que traduzam recomeços.
 

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