Depois de quase dois meses no ar, o Big Brother Brasil – que já passou pela polêmica do estupro de uma participante logo no início da edição – é palco de mais um alvoroço. Renata, a simpática loira de olhos claros com cara de princesa e nora que mamãe pediu a Deus, “surpreende” o país e ganha um apelido nada carinhoso pela classe popular e pelos comentaristas de plantão nas redes sociais: piranha!
Loira gostosa bonita procura
E aí vemos como a moça bonita, de atitude liberal, tem caído no gosto popular como a puta da vez por ter ficado com dois rapazes e se insinuado para um terceiro nesse tempo de confinamento.
A pergunta é: qual é o problema nisso?
O foco aqui não é sobre o Big Brother ou a guria em questão. Se olharmos melhor, a atitude crítica que originou esse boca a boca difamatório tem raízes mais fundas do que o aparente ódio feminino pela garota bonita que faz o que quer na hora que quer. Esse comportamento de quem julga é muito mais comum do que se imagina. Quantas vezes ouvimos:
“Garotas que dão no primeiro encontro são putas.”
Ou:
“Mulheres que correm atrás de homens são piranhas que não valem nada.”
Aparentemente, sexo por sexo é coisa de prostituta porque mulher tem que pensar em sexo mesmo é com amor. Seguimos a velha tradição de que o sexo foi feito para o homem, e que à mulher não está permitido pensar nisso e nem agir como um ser humano normal, com tesão e necessidade de satisfazer a si mesma. A honra do véu e da grinalda, que caiu por terra ao mesmo tempo em que as mulheres conquistaram o direito de pensar igual aos homens, é defendida de uma maneira ambígua. O machismo enrustido, alimentado por décadas e décadas, ainda existe e é mais forte do que se pensa. Tanto que o olhar de lado é quase inevitável quando se ouve dizer que a moça ficou com tantos caras nesse “curto” espaço de tempo de 90 dias.
Herdamos a hipocrisia
A nossa geração ainda conserva a defesa de uma honra puritana que não existe mais. Ou, se existe, não é tão mais forte assim. Por fora, nós defendemos o direito de mulheres que têm atitude e que são ícones no que fazem: gostamos quando a gostosa da balada vai direto pra nossa casa ou quando aquela menina bacana que a gente conheceu entra no nosso carro e diz que está com tesão. Mas por dentro, ainda reside o julgamento de que ela não presta para ser apresentada aos nossos pais e amigos e não é digna de respeito e orgulho por nossa parte. Afinal de contas, a liberdade feminina igualada à nossa própria liberdade torna as mulheres mulheres fáceis enquanto nós temos todo o direito de agir e pensar em sexo 24 horas por dia.
Tudo é um produto cultural de um longo tempo na História onde se cozinhou a ideia retrógrada de que mulheres são donzelas em perigo necessitadas de homens fortes e cheios de poder para defendê-las e agir por elas.
O machismo limita as mulheres
Uma pena também é a reação feminina a situações como essa. Elas se limitam e deixam de fazer coisas que talvez tenham vontade pela pura pressão do que os outros vão achar e como vão julgar. Esse papo não é só sobre sexo, mas sobre ir atrás de quem querem, de serem mais ousadas, de se divertirem à sua maneira.
Ao mesmo tempo, elas julgam as outras por coisas que “desonram a imagem da classe” e propagam o machismo com frases como:
“Nossa, ela pegou três da mesma casa!”
Ou:
“É uma piranha mesmo! Fica dizendo que quer o cara…”
Ou ainda:
“Se não fosse puta, não diria que quer dar assim, na cara de pau.”
Se estivessem falando de um homem, talvez, as expressões de desaprovação passariam para um tom de naturalidade e conformidade. Afinal de contas, elas foram ensinadas a vida toda a pensar que o normal é que o cara seja pegador, tenha experiência, goste e pense em sexo. Só que, pra elas, agir da mesma forma é sujar uma honra que transita pelo imaginário feminino desde sempre.
E a liberdade feminina fica onde?
A mulher do século XXI pode, deve e tem o poder para largar a submissão, mesmo que enrustida, dos padrões estipulados. Mas, enquanto esse “aprisionamento” partir delas mesmas, nenhuma vai ter poder o suficiente de se levantar e ter as suas ações mais liberais percebidas como normais. Aliás, vejam bem, uma mulher com atitude é tida como liberal – ou seja, diferente da maioria –; um homem que age da mesma maneira é tido apenas como homem.
Mulheres que fazem o que querem não deveriam sem tidas como "liberais", mas simplesmente como "mulheres"
Este não é um discurso feminista. Longe de mim. É um discurso de quem ainda acredita que a gente pode deixar de ser mesquinho e aceitar as atitudes das mulheres como algo natural ao convívio. Eu ainda tenho esperanças de que um dia a guria da balada me diga que só veio para transar em vez de afirma que está ali para dançar. E que ninguém estranhe isso.
Ainda tenho esperanças de que a vizinha de cima apareça lá em casa para um papo e um sexo sem compromisso porque deu vontade e ela se lembrou de mim. Ainda tenho esperanças de que a gerente do banco possa pegar quem ela quiser no espaço de tempo que for sem que os colegas de trabalho a chamem de piranha.
Ainda tenho esperanças de que elas possam ser sexualmente livres e se sentirem melhores com isso. Porque enquanto as vontades, os desejos e as atitudes estiverem sob um olhar velado de julgamento, não existe liberdade pra ninguém.
Por Daniel Oliveira
Fonte:http://papodehomem.com.br/puta-vadia-vagabunda-piranha/
Comments
muito avançamos na luta feminista, mas em alguns aspectos nã
Muito boa essa matéria, muito avançamos na luta feminista, mas em alguns aspectos não, que é a questão cultural.
Ainda PREVALECE nas sociedades, uma visão da mulher, no que se refere a sua sexualidade, baseada na forma masculina de classificar as mulheres,;que é ancorada em uma representação simbólica dicotômica- a mulher santaX a mulher vadia. E vivemos ainda, o que o sociólogo Pierre Bourdieu já defendia, as estruturas ecoinômicas não avançam no mesmo ritmo das estruturas simbólicas.
Mesmo que haja um nível de escolarização maior na população feminina, ou que elas estejam maciçamente no mundo do trabalho, os valores que produzem e reproduzem a forma como as mulheres são percebidas, julgadas , ainda são valores tradicionais. Como quebrar esse ciclo?
Aposto naquilo que o referido sociólogo, nos ensinou, sem ser redudante- que há de se promover mudanças nas instituições socializantes, como a família,a Escola, a Igreja...(Bourdieu, 19990
Daí apostar em uma educação não sexista pode ser um caminho.
Ah, lembrando adorei i vídeo da menina americana postado antes no Portal. Abs em tod@s
Muito boa a matéria
Muito boa a matéria, embora tenhamos muito avançado na luta feminista, ainda engatinhamos na questão cultural quando avaliamos a sexualidade.Ainda temos nas sociedades uma forma de valorar as mulheres baseada em uma construção cultural baseada machista, em uma maneira de pensar masculina. Esta está ancorada em uma visão dicotômica da mulher santa e da mulher vadia. São representações ainda atuais, mesmo que haja avanças na condição feminina no mundo do trabalho e na escolarização, entre outras.E tomando o que Bourdieu discutia, há ainda um descompasso entre as mudanças das estruturas econômicas e as simbólicas. Como quebrar esse ciclo? Aposto nas discussões do sociólogo, não sendo reducionista... É necessário uma transformação das instituiç]ões socializantes, como: Escola, família, igreja (BOURDIEU,1999).Aposto em uma educação não sexista ...Ah , vale lembrar , muitoi bom o vídeo da menina americana , postado nesse Portal. Abs à tod@s...
Mirian Teresa, você tem toda razão.
Mirian, precisamos investir tempo em discussões deste gênero para que a sociedade, assim como algumas mulheres, entendam que o papel da mulher não se restringe à um protótipo esteriotipado carregado de marcas de desvalorização e inferioridade.
O caminho é esse!
Concordo!!
Assim como Daniel Oliveira diz no artigo, é importante que as mulheres sejam livres sexualmente e se sintam melhores com isso, sem sentimento de culpa ou arrependimento. Vivemos em uma sociedade castradora e como a fvargas disse, as mulheres são estereotipadas e carregam marcas que vão sendo naturalizadas desde a infância. Para quebrar o ciclo, Mirian Tereza, temos que desnaturalizar essas imposições culturais. Como você disse, tem que haver transformação ou no mínimo estranhamento de concepções já naturalizadas!
Reflexão sobre o cotidiano
Oi , à todo@. Aline promover esse estranhamento é um caminho. É fundamental....
Como? Experiências demonstram que é possível a partir da reflexão sobre o cotidiano, por exemplo compartilhar com as juventudes questões como : de que forma em nossa cultura se produz e reproduz uma visão preconceituosa sobre as mulheres,(estão presentes nas mídias, nas músicas, nas conversas...) identificar as iniquidades de gênero existentes nas sociedades, entre outras.
Se faz necessário desnaturalizar o instituído e provocar reflexões.
Vamos juntos!
Miriam, veja o meu post sobre como uma empresa sueca está contribuíndo para desfazer os modelos de gênero.
Refletir..
"Reflexão sobre cotidiano"! Também penso que deve começar por aí. Os conceitos presentes no cotidiano não são tão inocentes como parecem. Tudo tem um "porque". Refletir sobre essas questões me parece fundamental mesmo.
Na modernidade a sexualidade
Na modernidade a sexualidade passou a ser uma das dimensões da vida dos sujeitos a ser regulada e nessa perspectiva, a conduta feminina passou a ser o palco de inúmeras intervenções. Mesmo que na contemporaneidade haja diferenças em relação ao passado, ainda se mantêm o ideário da mulher como objeto, no sentido de não ser vista como sujeito.
Ações são feitas no sentido de romper com este padrão, vale parabenizar o estado da Bahia que resolveu não mais subsidiar, ser parceira de musicas que maculem com a imagem da mulher.
Quantas músicas só falam das cachorras, vadias, etc.
É um passo nesse caminhar!!!