Sem professores de Física, jovens tem conhecimento científico defasado

Estudantes do Ensino Medio interessados por física tem aulas de reforçoEstima-se a falta de mais de 24 mil professores da área. Pouco conhecimento dos estudantes sobre a matéria também pode inibir futuros profissionais

José Ailson da Silva tem 19 anos e é aluno do 3º ano do Ciep 415 - Miguel de Cervantes, em Manilha, região metropolitana de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Ele está sem professor de Física desde o início desse ano. Mesmo assim quer cursar a faculdade de Física e por isso participa de um projeto voltado para alunos de Ensino Médio com aspirações como a de José.

A situação dos estudantes do Ciep 415 é a mesma de vários outros alunos por todo o Brasil. A partir de dados do Inep calcula-se a falta de aproximadamente 24 mil professores de Física e números próximos a esses nas áreas de Química e Biologia.

Uma das razões para a falta de profissionais da área é a desvalorização da carreira docente. Os professores são mal remunerados, e, muitas vezes, trabalham em condições precárias. Mas, de acordo com o chefe do departamento de Física da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rubens Amaral, esse é um motivo óbvio, e é preciso analisar de forma mais complexa a situação. Para Nivaldo Lemos, também professor do curso de Física da UFF, dificilmente os alunos que não tiveram uma boa formação em Física vão se interessar pela área, o que gera um círculo vicioso.

"Há uma carência muito grande de professores, então, os alunos de Ensino Médio terão uma formação muito deficiente. Isso afasta potenciais interessados em cursarem Física e os que eventualmente se interessam, tentam passar no vestibular para o curso, mas como não tem uma formação adequada, não conseguem. Então, forma-se um círculo vicioso", argumenta Nivaldo.

O presidente da Sociedade Brasileira de Física, Alaor Chaves, também alerta para a gravidade do problema. "As pessoas terminam o Ensino Médio com conhecimento muito deficiente de ciências naturais. Isso tem enorme gravidade. No mundo contemporâneo, cada vez mais permeado por produtos tecnológicos, cuja base são as ciências naturais, um conhecimento mínimo dessas ciências é na verdade condição para o pleno exercício da cidadania", afirma.

Sei Mais Física

Aos sábados José tem acordado bem cedo, às 5h40, e em seguida faz uma boa caminhada até o ponto de ônibus. De lá segue para o terminal de Niterói e anda mais uns 20 minutos para chegar até o Instituto de Física da UFF. No sábado, dia 18 de abril, a aula para a qual José fez todo esse trajeto começou às 9h, em ponto.

O estudante é um dos participantes do projeto Sei Mais Física. Até o final do programa serão ministradas 15 aulas de conteúdos da área de Física, Matemática e também de redação para alunos do 3º ano do Ensino Médio que tenham interesse em prestarem vestibular para o curso de Física. A aula do dia 18 desenvolveu conceitos da Cinemática.

Aulas para fazerem pensar

Com um trilho de cortina, uma bolinha de gude e um cronômetro, o professor Jorge Martins fez uma experiência na frente da sala. Com a ajuda de uma aluna, mediu a velocidade da bolinha sob o trilho e a partir daí discutiu com os jovens qual seria a velocidade média e instantânea do objeto e também a aceleração.

"É mais importante você lembrar como fazer do que lembrar a fórmula porque se você esquecê-la, está perdida", explica a uma aluna o professor Jorge ao desenvolver as contas para chegar a uma das fórmulas que escrevia no quadro.

Participam do Sei Mais Física 92 estudantes de cidades como Niterói, Itaboraí, São Gonçalo, Tanguá e Duque de Caxias. A idéia é ajudar os alunos interessados em cursarem Física a terem um bom desempenho no vestibular e conseguirem ingressar na curso.

"Queremos estimular os alunos a compreenderem os fenômenos físicos, com aulas mais dinâmicas. O Ensino Médio é feito de tal maneira a evitar ao máximo que os alunos pensem, o que o faz um ensino nocivo e castrador", diz Nivaldo Lemos, que também é um dos professores do projeto.

No segundo semestre, os jovens não terão mais encontros presenciais, mas serão acompanhados pela internet até o período do vestibular. As aulas estão sendo filmadas e, posteriormente, segundo os coordenadores, esse material estará disponível na página eletrônica do projeto para que outros estudantes também possam assistir.

Alan Mendes Ferreira também participa do Sei Mais Física. Ao contrário de José Ailson, Alan tem aulas de Física no Colégio Estadual Antonio Francisco Leal, em Tanguá, Rio de Janeiro.

"O que eu estou aprendendo aqui é mais ou menos o que estou aprendendo lá, então, está me ajudando muito. Eu estou tirando boas notas nas provas da escola", conta Alan.

Graduação apresenta altos índices de evasão

Já na graduação em física, há um outro problema, o grande número de alunos que desistem da profissão antes de concluírem o curso. Na UFF, são preenchidas 48 vagas por semestre no curso diurno e 20 vagas por semestre no curso noturno, num total de 116 vagas por ano. Entretanto, na formatura do segundo semestre de 2008, apenas 25 alunos, tanto do noturno, quanto do diurno, se formaram.

O professor Rubens Amaral, coordenador do curso, conta que por isso o currículo está sendo reformulado. Algumas disciplinas do bacharelado deixaram de ser obrigatórias para a licenciatura. Ou seja, se o estudante pensa em se formar apenas para ser professor de Física não precisará mais cursar algumas disciplinas mais pesadas que são voltadas para os que pretendem seguir como pesquisadores. Com isso, o currículo terá diminuído bastante a carga de Matemática. Para Rubens, essa carga pesada muitas vezes faz com que o estudante desista.

Para a professora Sonia Rodrigues, responsável pelas aulas de redação do Sei Mais Física, outra problema é a falta de vocação dos universitários. "Muitas vezes ingressam no curso alunos que escolheram Física simplesmente porque a concorrência no vestibular é menor, mas não necessariamente porque tem vocação. E isso é um desperdício de recursos".

A professora ressalta, entretanto, que o curso de Física é uma licenciatura noturna, e que, por isso, permite que os alunos trabalhem durante o dia. "Além disso, tem emprego garantido nas redes pública e privada, o jovem de Ensino Médio precisa saber disso", acrescenta.

Física também é poesia

"Qualquer ser humano segundo os estudos de inteligência múltipla aprende a falar e a se expressar, mas o raciocínio matemático e físico precisa ser construído", alerta a professora Sonia. Ela aponta que essa é uma grande dificuldade, já que os estudantes não chegam ao Ensino Médio com essa capacidade de raciocínio desenvolvida.

Marcelo Fonte Boa também é um dos professores colaboradores do Sei Mais Física. Ele é autor de uma coleção de livros da disciplina. Para Marcelo, a falta de professores de Física também é fruto da forma como são dadas as aulas, de maneira a privilegiar a "decoreba de fórmulas". Mas, de acordo com o professor, não é difícil voltar a despertar o interesse dos estudantes pela matéria, desde que haja professores comprometidos para tanto. "O projeto é um exemplo disso", afirma.

Marcelo acredita que a carreira de professor de Física é uma possibilidade muito interessante.

"Desde que você seja um professor realmente comprometido com esse trabalho, você pode despertar nas crianças a perspectiva de que a Física não é só aquela mera aplicação de fórmulas e acaba que você pode ajudar a formar um poeta que vai fazer poesia mais bonita. Luz do sol que a folha traga e traduz, o que é isso se não interação da radiação com a matéria? O papel do professor não se restringe só a trabalhar a física, mas a mostrar que a natureza é uma coisa interessante, que temos que valorizá-la e usar os conhecimentos que a humanidade adquiriu para poder ter um futuro melhor", conclui.

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Comments

imagem de Renan

grade do curso de física da UFF

Tenho interesse em fazer o curso de Física na UFF e gostaria de saber qual é a grade do cuso e o conceito em relação a qualidade do ensino.

Grato

Renan

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imagem de Débora Cristina Aquino de Souza Monteiro

Resposta ao Renan

O fluxograma do curso de Física da UFF pode ser visto no site http://www.if.uff.br/pt/curriculo, mostrando as disciplinas específicas para a licenciatura e para o bacharelado.

 Quanto ao conceito do curso, normalmente é medido pelo desempenho dos alunos no ENADE - Exame Nacional de Desempenho de Estudantes - é tipo o ENEM, só que relacionado à avaliação do ensino superior. E no exame de 2008, o curso ficou com a nota máxima, que na avaliação variava de 1 a 5.

 

 

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