Currículo é o ponto central de proposta do MEC para o Ensino Médio

MEC está propondo o Ensino Médio InovadorO Ministério da Educação está propondo um projeto para inovações no Ensino Médio – o Ensino Médio Inovador. Entre outras ações, a iniciativa propõe que as escolas tenham uma carga horária de no mínimo 3 mil horas/ano, professores com dedicação exclusiva , atividades optativas e disciplinas eletivas a serem escolhidas pelos estudantes.  A proposta se baseia ainda numa formação que tenha como eixos a cultura, o trabalho e a ciência.

Nessa entrevista, o diretor de Concepções e Orientações Curriculares para Educação Básica do MEC Carlos Artexes fala ao EMdiálogo sobre o projeto. Para ele, o sucesso do Ensino Médio Inovador depende da confiança da comunidade escolar. O MEC não divulgou ainda qual a quantidade de recursos disponíveis para a concretização da proposta.

Confira a entrevista realizada por correio eletrônico.

EMdiálogo – O senhor mencionou que o projeto Ensino Médio Inovador não é tão grande quanto a mídia está querendo apresentá-lo, por quê?

Carlos Artexes - Na verdade a sociedade em geral tem uma grande expectativa por soluções para o Ensino Médio. O Programa Ensino Médio Inovador surgiu na mídia relacionado com uma grande reforma no Ensino Médio e como se estivéssemos desenvolvendo mudanças na legislação. Informações equivocadas apontavam o fim das disciplinas, o que não é possível e nem desejável.

O que o programa indicou foi a importância de projetos integradores e a questão da interdisciplinaridade. Entretanto, apesar de considerarmos a relevância do programa no que se refere a complementação de ações para a política pública do Ensino Médio, o programa não tem a pretensão na mudança das Diretrizes Curriculares Nacionais e também de realizar uma reformulação ampla no Ensino Médio.

Trata-se de apoio técnico e financeiro para o desenvolvimento de iniciativas inovadoras no currículo a partir de indicações e proposições elaboradas como importantes para o Ensino Médio e que estão sendo analisadas pelo CNE [Conselho Nacional de Educação]

EMdiálogo –  Como o projeto foi concebido?

Carlos Artexes – A Secretaria de Educação Básica tem realizado desde 2008 um diagnóstico da realidade do Ensino Médio e construído um referencial para as políticas desta etapa final da Educação Básica. Junto a isto, o Ministro da Educação em conjunto com o Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos criou um grupo de trabalho para elaborar proposições para a expansão e reestruturação do Ensino Médio.

A partir deste relatório, o Ministro solicitou a Secretaria de Educação Básica o desenvolvimento de um programa que pudesse colaborar com as mudanças do Ensino Médio e assim foi elaborado o documento do Ensino Médio Inovador para análise da câmara de educação básica como uma das possíveis ações para a melhoria do Ensino Médio.

EMdiálogo – Qual é o ponto alto do projeto?

Carlos Artexes – A questão mais importante é inserir o desenvolvimento curricular na formulação de políticas públicas. O currículo é a essência da escola e deve estar na agenda programática da educação e ações de governo.

Se queremos desenvolver uma educação média de qualidade para todos devemos ter a centralidade no objetivo da educação que é expresso no currículo. Está ligado ao conhecimento sistematizado e aos valores fundamentais para a formação integral dos estudantes.    

Por outro lado, o programa representa uma estratégia para implementação de importantes ideias no campo educacional que estão muitas vezes apenas escritas no papel, mas não se efetivam na pratica pedagógica. Trata-se de inovação e não de invenção de novo Ensino Médio.

EMdiálogo – Considera que há alguma debilidade?

Carlos Artexes – Sim. Se por um lado a sociedade, os sistemas, escolas e a comunidade escolar estão ávidas de solução para melhoria da educação também há muita desconfiança. O programa só se concretiza com um grande pacto principalmente com os sistemas de ensino estaduais e as suas escolas.

Por outro lado, o tempo político acelerado prejudica a efetivação no campo educacional que tem outro tempo e, portanto, a proposta tem a debilidade de uma construção mais compartilhada e de maior legitimidade social.

Para compensar esta questão, o programa é construído a partir de referências conceituais mas também da observação das iniciativas já existentes nas escolas brasileiras.

EMdiálogo – Como os estados serão motivados a fazerem essa parceria com o MEC para  implementarem o Ensino Médio Inovador ?

 Carlos Artexes - Acreditamos que os Estados vão perceber que o programa pode realmente oferecer o apoio técnico e financeiro que colabora com o trabalho dos sistemas de ensino e das escolas e que eles podem ser os protagonistas da ação proposta. Os estados e o Distrito Federal tem iniciativas importantes de inovação do Ensino Médio e as secretarias poderão utilizar o programa com uma estratégia de fortalecer suas políticas no seu âmbito.

EMdiálogo – Como será a escolha dessas escolas? O senhor está de acordo com a proposta de parecer do CNE que sugere que o projeto deve ser implementado primeiro em uma quantidade de escolas (100) que já tenham estrutura adequada?

Carlos Artexes -  Na verdade, o CNE ainda não concluiu o seu parecer e não existe recomendação nas minutas divulgadas para estabelecer um número de escolas.

É evidente que o MEC por limitações financeiras, sempre existentes, divulgou a referência de 100 escolas e tem se referenciado em ajudar as escolas que mais precisam  a partir dos indicadores de avaliação existentes.

Entretanto, o programa aponta para que cada Estado que deseje participar realize um Plano de Ação Pedagógica que inclua a sua proposta de escolas a serem atendidas. Após a aprovação do mérito e relevância do projeto pelo CNE, o MEC estará finalizando a formulação do Programa em articulação com os sistema de ensino estaduais e as escolas federais não profissionalizantes que estabelecerão os critérios objetivos para esta escolha a partir das referências do programa.

EMdiálogo – Como garantir posteriormente a universalização e continuidade dessa proposta? Em outras palavras, como torná-la uma política de estado?

Carlos Artexes – A política pública nacional precisa ter sempre a preocupação com ações estruturantes e universalizantes. Mas é ilusão achar que podemos alterar e transformar a realidade apenas com ações globais. "Pensar global, mas agir local". A importância da singularidade e especificidades das micro experiências não podem ser desprezadas no objetivo geral de promover uma educação de qualidade e significativa para todos.

A perspectiva universalizante sem esta dimensão da diversidade tem o perigo de padronização e homogeneização que impedem o real desenvolvimento da educação, que deve estar centrada na diversidade dos sujeitos e na garantia de sua formação integral.    

A sustentabilidade só será conquistada se for apropriada principalmente pelas escolas e a comunidade escolar. O governo precisa das escolas e comunidades organizadas e conscientes, pois uma política de estado não é somente garantida por um determinado governo. A política de estado é uma conquista e estágio de desenvolvimento dos atores e da sociedade.

Apesar do programa esta propondo apoiar projetos escolares e experiências singulares, não significa uma aposta em escolas-modelo e de referência, mas uma valorização à liberdade educacional e as especificidades de cada escola. Enfim, apesar das escolas parecerem iguais elas são todas diferentes do mesmo modo que cada pessoa é única.

EMdiálogo – O Ensino Médio Inovador resolve a questão da quantidade e da qualidade desse nível de ensino? Obviamente na questão da qualidade, estamos falando do que o senhor entende por qualidade.

Carlos Artexes - Nenhuma ação resolve a questão isoladamente. As causas que podem promover uma qualidade educacional são diversas e devem ser articuladas e sincronizadas para que tenham seus resultados explícitos. Em termos gerais, na educação precisam ser garantidos: infra-estrutura, financiamento, gestão democrática, condição e formação docente e profissionais da educação. E também um currículo significativo para os estudantes e relevante no ponto de vista da formação e emancipação humana.

Com certeza, o programa tem chances reais de colaborar com qualidade do Ensino Médio. O esgotamento da ampliação do quantitativo de matriculas no ensino, no meu ponto de vista, só poderá ser retomado com uma escola de qualidade para a maioria da população. No Ensino Médio, a expansão da quantidade depende da qualidade pedagógica que conseguirmos desenvolver nas escolas.

EMdiálogo – A proposta dialoga de alguma forma com o novo ENEM?

Carlos Artexes – O Sistema de Seleção Unificado (Novo ENEM) tem dois aspectos fundamentais: a articulação dos sistemas de ensino com as Instituições de Educação Superior e o fato de trazer relevância para o currículo do Ensino Médio; e a possibilidade de construirmos uma referência para a formação básica comum a ser garantida para todos.   

Entretanto, apresenta o risco de se confundir exames do final de processo educacional com o currículo. A indução que evidente os exames trarão para a pratica pedagógica deve ter uma limitação para não promover o reducionismo curricular. O currículo é muito mais amplo e com perspectivas que não poderão ser avaliadas por exames.

Aqui o programa Ensino Médio Inovador ganha um caráter de complementação fundamental para tentar a formulação do currículo a partir da visão da formação humana e da fase de desenvolvimento própria desta etapa educacional. E assim, de forma invertida, trazer referências e indicativos de conhecimentos fundamentais a serem avaliados pelo novo ENEM.

EMdiálogo – Gostaria de acrescentar algo mais?

Carlos Artexes – O sucesso ou não do programa depende de sua consistência conceitual e operacional, mas também da capacidade do governo de estabelecer a confiança dos sistemas de ensino, das escolas e da comunidade escolar. Para isto é preciso que a proposta seja considerada como um processo em construção e seja analisada pelo o que ela propõe e poderá ser. Não podemos exigir que ela responda todas as questões da política pública e também que seja vista de forma isenta de conotações políticas e ideológicas restritas.

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imagem de Clayton Lúcio Coelho

Ensino médio inovador

Mais uma das várias propostas de "inovação" do Ensino Médio que nascerá morta. Não vejo nessa medida, nenhum apontamento claro no que diz respeito à valorização do professor.

Acúmulo de carga horária com dedicação exclusiva não combinam com as atuais condições estruturais dos docentes. Do contrário, penso que a escola deveria mudar sua função para centro de caridade, para que pudéssemos de vez nos abnegarmos de lutar por melhorias de nossa categoria.

"VAMOS TOMAR A INICIATIVA DE MUDAR PARA QUE TUDO FIQUE COMO ESTÁ!"

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imagem de fabio Lennon Marchon dos Santos

Reflexão

Hoje, dia 8 de julho de 2009, vi uma reportagem sobre uma professora que foi agredida violentamente em uma escola de Minas Gerais. A aluna de 16 anos não apenas deu socos na professora, como também arremessou mesas e cadeiras sobre ela. A escola deu a famosa "advertência" e afastou a aluna. A estudante recorreu a justiça que ordenou a volta da aluna, alegando o seu direito a educação. A jovem, ao retornar, foi ovacionada pelos colegas e no mesmo instante tornou-se um símbolo, um ídolo, chegando a dar autógrafos para os amigos. A realidade social e a natureza humana são elementos que interferem diretamente na escola, na atuação dos professores e funcionários, e na qualidade de ensino. Um professor que trabalha com medo, mal remunerado, e faz uma jornada de trabalho triplo(em geral) não consegue ver a "luz no fim do túnel". 

Eu - assim como muitos professores do Ensino Fundamental e Médio - desejo melhorias.

Melhores salários e o devido reconhecimento pela dedicação e esforço que já nos consome durante a semana. Melhores condições materiais; escolas mais equipadas, conservadas e preparadas; Desejo uma escola que não seja apenas um "depósito" de alunos (com salas super lotadas), mas sim um centro de formação, pesquisa e ensino.  Acima de tudo, desejo dignidade e respeito.A remuneração deve sim estar na pauta deste projeto.

Ainda tenho muito a dizer, mas...prefiro deixar para um outro momento.

 

 

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