Todo cidadão deveria saber a importância da educação prisional...

Por que começo meu relato com essa afirmação?  Sou educadora há 15 anos, e este ano tive a oportunidade de conhecer a realidade de jovens privados de liberdade, entre uma minoria que tem acesso à educação dentro da prisão. Segundo os dados da Relatoria Nacional para o Direito Humano à Educação (2009), 60% da população carcerária é formada por jovens entre 18 e 30 anos, destes somente 12% completaram o ensino fundamental e 6% o ensino médio. O crescimento no número de encarcerados no Brasil é alarmante: em 1990 contava-se 90.000 presos; em 2009 havia 473.622 pessoas cumprindo pena; em junho de 2011 registrou-se o total de 513.802 presos, de acordo com informações do Departamento Penitenciário Nacional. Houve, portanto, um crescimento da população carcerária no Brasil de 471% em aproximadamente 20 anos. Considerando que as mais de 300.000 pessoas jovens presas (60% do total em junho de 2011), cumpram sua pena e devam se reintegrar à sociedade, seu nível de escolaridade dificulta o acesso ao trabalho... e muitas delas acabam voltando à prisão dentro de pouco tempo.

Luciana M. de Almeida (2011) apresenta uma análise da oferta de educação e trabalho nas penitenciárias brasileiras, a partir de estudos feitos em 2008 nos estabelecimentos penais do estado de Goiás. No contexto penitenciário, a legislação penal possibilita para remição da pena computar as horas de efetivo trabalho e de estudo – alguns juízes consideram que “se o detento estuda, ele pratica uma atividade intelectual”. Para fins de remição da pena, os juízes tomam um dia a menos de pena para cada três dias comprovados de estudo ou trabalho.

A Constituição Federal estabelece que a educação é um direito de todos, assegurado inclusive às pessoas privadas de liberdade. Considera-se que estar na prisão não é opção de vida, mas circunstância advinda da marginalização e negação da dignidade, porém possível de ser conquistada. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem sido a modalidade de ensino implementada pelas Secretarias de Educação no sistema penitenciário brasileiro.

Nesta abordagem, interessa-nos compreender como é vista a educação no sistema prisional; todas as instâncias envolvidas nesse sistema a interpretam da mesma forma?  Sabemos que o sistema penitenciário não é um local isolado das práticas discriminatórias da sociedade, o mesmo reproduz a lógica da dominação e controle, pela manutenção da ordem, e isso gera um clima constante de tensão entre agentes e apenados. Esse motivo já seria suficiente para entendermos que a visão dos agentes penitenciários não costuma ser a visão da equipe escolar.

Para os agentes, é importante manter o detento ocupado, a fim de que tenha menos tempo ocioso na cela ou no pátio para planejar fugas, motins ou brigas. Os agentes afirmam que os estudantes ou trabalhadores apresentam um comportamento mais disciplinado, e cumprem melhor as regras, referindo-se sempre à segurança do local. Para os professores, a escola é um importante espaço de socialização e humanização, consistindo no único momento em que o detento pode trocar ideias e conhecimentos diferentes dos quais presencia no ambiente prisional. Além das regras impostas pela segurança, os detentos criam suas próprias regras, sujeitando todos a aprendizados prejudiciais aos esperados para fins de ressocialização. Os próprios detentos consideram que “a educação lhes ajuda a ver o mundo de outra forma”, depositando nela a esperança de um futuro diferente.

A criminalidade, constituída por violência, roubos, uso de drogas e assassinato, por exemplo, ocorre em todas classes sociais e em diferentes faixas etárias. No entanto, de forma geral, as prisões abrigam um grande número de pessoas jovens e pobres, o que nos alerta para a necessidade de haver políticas públicas destinadas à sua reabilitação.

A prática de ações criminosas, principalmente ligadas ao tráfico de entorpecentes, aparece como um atrativo aos jovens que almejam obter ganhos lucrativos de forma rápida, para suprir sua ânsia de possuir bens ou prazeres que sua atual condição não permite. A valorização do ter em detrimento do ser - própria da visão capitalista de mundo, e ainda reforçada pela mídia - contribui enormemente com as personalidades de caráter competitivo, egoísta e descomprometidas com o bem comum. Essa valorização materialista parece ser a origem de tanta frustração pessoal da maioria juvenil dos apenados. Percebe-se que o contexto que permeia as ações criminosas não é diferente do contexto social em que vivemos, pois as condições de vida precárias para muita gente, por falta de trabalho digno ou de valores éticos, estimulam a revolta e a violência pessoal.

Principalmente no interior das prisões, cabe aos educadores exercer o papel de agentes transformadores, possibilitando a cada aluno o despertar de uma consciência reflexiva e cidadã, melhorando sua autoestima e buscando as condições mínimas para sua reinserção social. As pessoas que frequentam a EJA tem normalmente defasagem em seu nível de escolaridade; na escola prisional então a frequência às aulas torna-se fundamental para a melhora da formação escolar, não só para ocupar o tempo ocioso e obter remição da pena. O comportamento dos privados de liberdade apresenta mudanças à medida em que frequentam a escola, segundo depoimentos dos próprios educadores. Os alunos demonstram ter boa receptividade com os professores e projetos escolares, mesmo que a mudança intelectual dos mesmos se concretize de forma lenta, e exija muita persistência de ambas as partes.

No que se refere às oficinas de trabalho, ou indústria, ocorre a fabricação de diversas mercadorias, porém as atividades desenvolvidas pelos detentos não se conectam com as atividades de estudo. De certa forma as oficinas fazem uma concorrência desleal com a escola, pois levam a maioria dos alunos a desistir de estudar – já que eles recebem por produtividade, preferem trabalhar oito horas diárias e receber um salário melhor. Os depoimentos dos apenados demonstram que a atividade produtiva é extremamente importante para eles, pois “além de ocupar o tempo, permite ajudar a família, adquirir os produtos de higiene que o Estado não oferece, além de ser uma forma de se manter vivo (no sentido da pessoa sentir-se útil)”.

Tanto a oferta de trabalho quanto a de estudo nas penitenciárias, pressupõem que aquelas pessoas que estão dentro dos muros da prisão são seres humanos, e, antes de estarem lá, foram muitas vezes colocados à margem dos direitos fundamentais de sobrevivência. Pessoas que, como qualquer um de nós, merecem uma segunda chance, talvez a chance derradeira de incluir-se na sociedade e viver “uma vida de luta, imposta indistintamente a todos”.

Analisando o papel da Escola dentro das prisões, reforçamos que para ela a questão central é contribuir na ressocialização dos sujeitos, no resgate de valores humanos e da cidadania, promovendo-lhes melhores condições de reingressar na sociedade e no mercado de trabalho. Temos ciência, no entanto, de que esse grandioso objetivo se concretiza à medida em que as outras instâncias (agentes penitenciários, assistente social, psicóloga, Secretarias de Segurança e de Educação, setores empregatícios, família e o próprio apenado) deem a sua parcela de contribuição à esperada ressocialização. Dizendo, de outra forma: “só unindo forças isto será possível”.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALMEIDA, Luciana M. de. Nas trilhas do fazer e do saber a possibilidade de ser: educação e trabalho. In: MACHADO, Maria M.; RODRIGUES, Maria E. de C. (org.). Educação dos Trabalhadores: Políticas e projetos em disputa. Campinas-SP, Mercado de Letras, 2011.

VIEIRA, Elizabeth de Lima Gil Vieira. A Cultura da Escola Prisional: entre o instituído e o instituinte. In: Educação & Realidade. Porto Alegre, v.38, n.1, p.93-112, jan-mar. 2013.

Comunidades: