Especialista em EJA destaca a modalidade no sistema prisional de Mato Grosso

                                                                                                                                                         .                           

        Debater o acesso de Jovens e Adultos à educação e ver nela um instrumento para mudanças pessoais e sociais, tem levado os educadores do país e especialistas internacionais a discutirem melhores propostas e avaliarem essas transformações. Para ampliar o atendimento e promover mudanças significativas, o Estado tem olhado atentamente para a educação em prisões.

         Atualmente em Mato Grosso existem 80 mil estudantes matriculados na EJA e desses, 2.302 são oriundos do sistema prisional e o Estado vem se destacando em cenário nacional com a criação do Plano Estadual de Educação em Prisões (2012) e ainda com a implementação da Escola Estadual Nova Chance (2009).

            Os grandes avanços estaduais na EJA e no país, foram 'transcritos' nessa entrevista concedida pelo especialista Timothy Ireland, doutor pela University Manchester e atualmente docente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).Confira entrevista abaixo:

                                            

Questões:
1. A Educação no sistema prisional tem a mesma meta que a educação fora dele?
Caso a resposta seja negativa, quais são essas diferenças?

A meu ver, partimos do mesmo princípio quando falamos sobre a educação no sistema prisional e fora do sistema prisional – o direito universal à educação que inclui a educação de jovens e adultos. Se o direito é universal inclui pessoas livres e pessoas privadas de liberdade por motivos de conflito com a lei. A educação para tod@s não admite exclusões e quem perde o direito de livre circulação devido a atos considerados criminosos ou delinqüentes não perdeseus outros direitos fundamentais entre os quais se inclui a educação. Nesse sentido a educação que se oferece ou deveria oferecer para a população jovem e adulta, privada de liberdade, faz parte da política maior de educação de jovens e adultos que, no caso do sistema prisional, tem com foco um segmento específico da população.

2. Qual o cenário nacional da educação dentro dos presídios? Temos um número
considerado aceitável de educandos participando?

Se consideramos a educação em prisões como uma expressão da educação de jovens e adultos, é saudável olhar também para o atendimento a jovens e adultos em programas educacionais em termos gerais. Em termos muito gerais o Brasil atende a mais ou menos dez por cento da demanda potencial para alfabetização e educação básica (educação fundamentale ensino médio). No caso do sistema prisional, os dados do DEPEN (2012) revelam uma população total de 549.577 prisioneiros – mulheres e homens – encarcerados em 1.420 estabelecimentos penais. Dessa população, 28.006 são considerados analfabetos e 228.627 não concluíram o ensino fundamental. Quase a metade tem entre 18 e 29 anos de idade. Dos 26.006 analfabetos, 9.482 estão sendo atendidos. Dos mais de 228 mil que não concluíram ensino fundamental, 32.588 participam de programas de EJA. Com isso eu quero dizer que eu não considero adequado nem o número de pessoas ‘livres’ sendo atendidas pelos diversos programas de EJA nem o número de pessoas privadas de liberdade. Ainda estamos longe deentender a importância da educação de jovens e adultos para uma sociedade democrática em desenvolvimento. Onde houve um crescimento importante é na oferta de cursos profissionalizantes com a promessa de mais vagas em 2013 dentro do PRONATEC.

3. Como está o Brasil, diante do mundo, no aspecto Educação no Sistema
Prisional?

Ao falar sobre a educação no sistema prisional é salutar assinalar os avanços na legislação nacional e nos acordos internacionais. Nos últimos anos o Brasil avançou muito ao estabelecer as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação nos estabelecimentos penais
(Resolução no. 03/2009 do CNPCP e Resolução no. 02/2010 do CNE) e, mais recentemente, ao adotar o Plano Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional (PEESP), cujo objetivo principal é ampliar as matrículas e qualificar a oferta de educação nas prisões (Decreto Presidencial 7.626/2011). A própria Lei de Execução Penal já era considerada bastanteavançada com respeito às garantias dos direitos das pessoas privadas de liberdade. Apesardos avanços, porém, não podemos deixar de apontar a distancia entre o idealizado na lei e a prática. E esse fenômeno é comum a muitos países pelo menos da América do Sul. Honduras, por exemplo, recentemente aprovou (maio de 2012) uma nova lei sobre o Sistema Penitenciário Nacional que garante o direito de todas as pessoas reclusas a uma educação que deve ser formativa e informativa e de natureza integral. Na Bolívia a educação de pessoas jovens e adultas em contextos de encarceramento tem sido fortalecida pela sua inclusão no Programa Operativo Anual. Faltam ainda evidências sobre o atendimento concreto a pessoas privadas de liberdade como consequências dessas medidas.Em âmbito internacional, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou em 2009 a Resolução 11/6 que insta os governos a garantir o direito à educação das pessoas privadas de
liberdade e formula uma série de recomendações dirigidas aos Estados-membros. No mesmo ano o Marco de Ação de Belém, aprovado durante a VI CONFINTEA em Belém do Pará, recomendou a oferta de “educação de adultos nas prisões, apropriada para todos os níveis”.
Porém é de lamentar que a RedLece - Red Latinoamericana de Educación en contextos deencierro, criada em 2006 dentro do marco do projeto EUROsociAL, financiada pela Comissão Européia, deixou de funcionar com o término do apoio financeiro. A Rede, caracterizada como rede governamental, constituída por onze países da região, permitia um intercâmbio importantede experiências e informações entre os membros. Vale destacar o trabalho da Campanha Latinoamericana pelo Direito à Educação (CLADE)em prol do direito a educação de pessoas privadas de liberdade. A CLADE publicou em 2011um documento intitulado “Educação em Contextos de Encarceramento: direito inalienável”. A mesma organização acaba de publicar um novo documento “O direito à educação em contextos de encarceramento: políticas e práticas em América Latina e o Caribe”. A divulgaçãode estudos desse tipo é fundamental para informar a opinião pública e para pressionar para mudanças nas políticas atuais.

4. Quais são os desafios gerais para o desenvolvimento da Educação nos
presídios? Ele é o mesmo em todo o país?

Eu diria que há algumas variáveis regionais que precisam ser levadas em consideração, mas que em geral os desafios para o desenvolvimento da educação em prisões são bastante parecidos para o país todo. De um lado precisamos alargar a nossa compreensão de quem deveriam ser os sujeitos da educação em prisões. As pessoas privadas da sua liberdade precisam sem dúvida ter o seu direito a educação respeitadomas os agentes penitenciários e outros operadores da execução penal também apresentam necessidades educacionais ainda não atendidas além da necessidade da formação continuada vir a constituir uma parte normal das suas atividades profissionais. Qualquer melhoria no sistema penitenciário dependerá de investimentos em formação – escolar e profissional – para todos os atores envolvidos. De outro lado, há de pensar a educação para além do escolar e conteúdos escolares. Para a população prisional, a formação para o mundo de trabalho é urgente. Qualquer proposta de reinserção digna e produtiva na sociedade após cumprir a pena é problemática sem qualificação. Também precisamos compreender a importância de desenvolver atividades de educação não-formal no espaço prisional. A biblioteca, por exemplo, deve ocupar um espaço fundamental na vida cultural do presídio. Na esfera propriamente escolar, há sem dúvida a necessidade de investir na formação de educadores para o trabalho educativo com essa população e de desenvolverum sistema de educação que não depende de favores nem de vontades individuais.

5. Como está MT no cenário nacional?
Os Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina são frequentemente citados como estados que avançaram na elaboração dos Planos Estaduais de Educação em Prisões incentivados pelo PEESP (Art. 4º - incentivar a elaboração de planos estaduais deeducação para o sistema prisional, abrangendo metas e estratégias de formação educacional da população carcerária e dos profissionais envolvidos em sua implementação). Ao falar em MT o exemplo mais citado é o da Escola Estadual Nova Chance como um possível modelo a ser seguido por outros estados. A proposta de estabelecer uma escola vinculadora que articula as escolas nas unidades prisionais do estado todo é bastante interessante. A Escola já estabelece o alicerce para o Plano Estadual. Nesse processo da criação dos planos estaduais, as universidades desempenham um papel fundamental. É urgente que os pesquisadores dediquem mais atenção para a especificidade da oferta de educação em prisões. Em MT há dois bons exemplos recentes de estudos sobre distintos aspectos dessa modalidade de educação no estado, o do professor Roberto da Silva da USP e o da pesquisa que o professor Rowayne Soares Ramos recentemente defendeu como dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação do UFMT.

6. O Plano Estadual de Educação em prisões é considerado um documento base para a prática da modalidade. Como o país está articulando essa elaboração e oque muda com a implantação dele, nos Estados e para o país?

Ao incentivar a elaboração de Planos Estaduais de Educação em Prisões por todos os estados brasileiros, o PEESP reforça a natureza obrigatória da oferta de educação para tod@s e não como benefício que possa ser retirado da mesma forma em que está implantado. O plano estadual constituiria uma ferramenta básica para a organização da educação de uma forma sistêmica em cada estado junto com o estabelecimento de metas de atendimento em conformidade com o Plano Nacional de Educação. Dessa forma, a educação em prisões deixaria de ser uma atividade marginal para fazer parte da oferta nacional de educação de jovens e adultos inclusive com garantia de recursos financeiros. Na articulação desse processo, parece-me que os Fóruns Estaduais de EJA têm um papel fundamental a desempenhar, junto com os Ministérios de Educação e da Justiça para recolocar a educaçãoem prisões nas pautas políticas estaduais e nacional.

 

 

 

Timothy D. Ireland
João Pessoa, fevereiro de 2013.

 

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