A escola na era digital: convergências e conflitos

O carnaval como inspiração para a escola da era digital

Intelectual propõe cultura participativa do samba; especialistas criticam lacunas na educação formal

 

21/10/2012 - 22h00 | O Globo

Não à proibição: Henry Jenkins é critico de medidas que proíbem o acesso a determinados conteúdos pelos alunos

Fevereiro, desfiles de blocos e escolas de samba guiando milhões de foliões pelas ruas das cidades brasileiras. Música e dança que chamam a atenção de turistas estrangeiros, como o professor da Universidade do Sul da Califórnia e fundador do programa de Estudos de Mídia Comparada do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Henry Jenkins. Apaixonado declarado pelo Brasil em quatro anos é a sexta visita ao país o estudioso vê no carnaval mais do que uma festa popular: um exemplo de interação social que deve servir como modelo para os educadores da era digital.

No carnaval, a relação entre quem faz a performance e quem assiste é fluida. Um espectador pode, de uma hora para outra, se tornar parte do espetáculo. Quem quer participar, pode. E todas as contribuições são valiosas. Nós devemos pegar o que acontece nas escolas de samba e levar para a educação formal.

De acordo com o pesquisador americano, o carnaval e as escolas de samba são exemplos típicos de cultura participativa, onde todos estão aptos a produzir informação, e o conhecimento é passado de maneira informal.

Isso vem das ruas, não de cima para baixo. E é essa relação de ensino de que precisamos comenta.

Com a proliferação das tecnologias de informação, o sistema tradicional de ensino está com os dias contados. As pessoas, principalmente as mais jovens, buscam bens culturais antes inacessíveis, se comunicam por diversas mídias com grupos distantes fisicamente, mas com os mesmos interesses. Para Jenkins, se a escola não se apropriar dessa nova forma de difusão do conhecimento, ficará para trás.

A diretora do Instituto Paramitas e coordenadora técnica e pedagógica da Microsoft Educação, Cláudia Stippe, concorda com Jenkins. Segundo ela, é preciso que a escola esteja conectada com o mundo e, infelizmente, alguns governos em vez de facilitarem o acesso, o proíbem.

Hoje, em algumas regiões do país o uso do celular é proibido nas escolas. O celular, que é um mundo multimídia que já está nas mãos dos alunos, não é aproveitado. Em vez de incentivarem, proíbem critica Cláudia. A escola está desconectada do mundo.

Ética e segurança no currículo escolar

Além da falta de acesso, faltam treinamento e incentivos para que a tecnologia mude o dia a dia das salas de aula. Especialistas concordam que não basta colocar um tablet na mão do aluno e trocar o quadro negro por uma lousa interativa. É preciso mudar a maneira de ensinar.

Ainda se olha para a tecnologia com o paradigma da revolução industrial. A cultura digital mudou o mundo, mas a escola continua com o sistema falido, de aulas de 50 minutos com o professor falando e o aluno escutando avalia Priscila Gonsales, diretora-executiva do Instituto Educadigital.

Para Jenkins, essa é uma das principais lacunas deixadas pela escola. Em vez de aproveitar os dispositivos técnicos para incentivar a participação, os estudantes ainda são mantido apenas como receptores. Segundo ele, os jovens da era digital são acostumados a produzir informação. Eles publicam filmes no YouTube, compartilham informações em redes sociais, e manter esse mundo fora das escolas é até mesmo perigoso para as crianças.

O pesquisador é crítico de iniciativas tomadas por governos que, em nome da segurança, proíbem o acesso a determinados conteúdos dentro do ambiente escolar. Segundo ele, deve-se aproveitar a presença do professor para que o aluno receba informações sobre ética e aprenda a se relacionar de forma responsável no mundo virtual, pois ele também se conecta fora da escola.

A ética deve ser ensinada nas escolas. Agora, todo mundo pode colocar qualquer informação na rede. É preciso que as crianças sejam guiadas nesse processo, não proibidas diz.

No Brasil, o Ministério da Educação possui diretrizes curriculares para o ensino de ética e cidadania nas escolas. Porém, segundo o psicólogo e diretor de prevenção da SaferNet Brasil, Rodrigo Nejm, a implementação não é simples e, muitas vezes, se dá de forma reativa. Casos de cyberbullying se proliferam e, muitas vezes, o tema só é debatido após o acontecimento de algum fato de grande repercussão.

Existe a questão geracional, os educadores se sentem intimidados com a tecnologia. Mas para ensinar ética e cidadania não é preciso apertar botões diz.

Apesar das dificuldades, existem experiências exitosas e não são poucas. A professora da UFRGS Léa Fagundes, de 82 anos, pioneira no uso da tecnologia na educação no Brasil, conta que em uma escola do Rio Grande do Sul atendida pelo projeto Um Computador por Aluno, do Ministério da Educação, os alunos estão se comunicando e trocando experiências com crianças do Uruguai e da Argentina.

Eles também conversam com índios da etnia Caigangue e estão até aprendendo a língua deles. Quando eu aprendi sobre índios na escola, me falavam sobre Tupã e Iara. Agora, eles conversam diretamente com os índios relata.

Porém, para que essa e outras iniciativas tenham sucesso, é preciso investimentos em infraestrutura. Além disso, equipamentos necessários para determinadas aplicações ainda são caros e proibitivos para algumas escolas.

Para a utilização de conteúdos com alta qualidade gráfica e interatividade, é preciso boa velocidade de transmissão pela internet. Infelizmente, em muitas regiões do país a rede de banda larga ainda é precária afirma Augusto Gaspar, diretor de Professional Services da MicroPower, empresa de e-learning.

Comunidades: