Uso do Enem para ingresso em universidades muda forma de ensinar

A prova que surgiu para que o governo federal aferisse a qualidade da educação se converteu na principal forma de acesso ao ensino público superior no Brasil e leva as escolas a adaptarem metodologias em sala de aula. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), adotado por quase a totalidade das instituições federais do país — no Rio Grande do Sul, 82% das vagas do ensino superior o utilizam como ingresso —, muda paradigmas: as disciplinas têm mais relação entre si, temas atuais ganham maior importância e a interpretação sobrepõe-se o cálculo.

O principal desafio é a interdisciplinaridade. A maneira como as perguntas são distribuídas favorece o estudante capaz de encontrar paralelos de um assunto em diversas áreas e demanda capacidade de interpretação. Essa formação é uma realidade no Colégio Politécnico da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), melhor colocado entre as escolas do Estado no Enem de 2012 — o último que teve detalhes das notas divulgadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), vinculado ao Ministério da Educação (MEC) e responsável pela prova. Professores sentiram a necessidade de expandir os assuntos das aulas para além de seu campo de conhecimento específico.

— Temos visto uma cobrança, por parte dos alunos, por interdisciplinaridade. Eles mesmos estabelecem relações e, na aula de português, por exemplo, perguntam sobre algo que viram em física. O mesmo acontece com história e literatura, entre outras. É um fenômeno bem recente, e os estudantes já conseguem fazer essas relações em seu mundo — diz a coordenadora do Ensino Médio, Terezinha Dalmolin, professora de biologia.

A rede estadual — que tem o Colégio Tiradentes, de Ijuí, como melhor colocado no ranking do Enem no RS, em 18º lugar — começou em 2012 a se adaptar às novas diretrizes curriculares do Conselho Nacional de Educação que visam a adequar os conteúdos ao exame. Uma das transformações é voltada para a formação tecnológica — as quatro áreas do conhecimento agrupadas reúnem, além das disciplinas tradicionais, conhecimentos voltados a tecnologias, como informática e comunicação.

Preocupação em ir além da cobrança

— É uma inovação muito grande que está se estabelecendo no Ensino Médio. A grande maioria (das escolas) está trabalhando de forma diferente. Agora, são abordados em aulas os princípios da tecnologia, do trabalho e da cultura. Passamos a entender que, como no Enem, cada campo do conhecimento deve ser trabalhado com as suas tecnologias — afirma o secretário estadual da Educação, Jose Clovis de Azevedo.

Apesar de ser um exame nacional que pretende avaliar todo o conteúdo do Ensino Médio, o Enem deixa temas de lado e fica a cargo das escolas abordá-los com seus alunos. Em literatura, por exemplo, autores regionais perdem a força, e a prova do MEC não cobra obras de escritores portugueses. E nem por isso Simões Lopes Neto, Luís de Camões ou Eça de Queirós devem soar menos familiares.

— Todos os conteúdos, a partir desse novo Ensino Médio, estão sendo abordados dentro da nova metodologia de construção de conhecimento. Os professores mudaram a própria metodologia e a maneira de trabalhar os conteúdos, mas há coisas de que não se pode abrir mão — ressalta a coordenadora pedagógica do Colégio Estadual Dom João Becker, Maria Lima da Silva.

Walkiria Gattermayr Ribeiro, fundadora do Colégio Vértice, de São Paulo, que está entre os 10 com maior nota média no Enem no Brasil, garante que a prova "não pode ser o começo, tem que ser o final". Ou seja: apesar de toda a importância que adquiriu, o exame ainda deve manter seu conceito original, de aferir o desempenho dos estudantes. Assim, pode contribuir mais do que como um processo seletivo e servir como referência para o aperfeiçoamento do Ensino Médio. O conceito é compartilhado pelo secretário estadual da Educação:

— O Enem deve ser uma consequência da boa formação, e não a causa primeira — conclui Jose Clovis.

O que muda na lógica do aprendizado com o Enem

Interdisciplinaridade

A palavrinha é difícil, mas o conceito é simples e tem ganhado força nos últimos anos. A interdisciplinaridade entende que as matérias têm relação entre si e, assim, torna-se mais proveitoso abordá-las juntas. Em outras provas era raro encontrar misturados conceitos de biologia, física e química.

O Enem muda a lógica tradicional e passa a exigir mais conhecimento do aluno, que precisa estar bem informado e entender de vários assuntos para resolver um problema.

Agora, as questões são divididas não em disciplinas, mas em quatro grandes áreas do conhecimento, aplicadas em duas provas.

Com essa divisão, física e filosofia (que não se misturariam em uma prova "normal") podem estar lado a lado e até na mesma questão.

Na definição de cada área são incluídas "suas tecnologias", para testar se o aluno está atento ao desenvolvimento científico e tecnológico como em informática e comunicação.

Tempos das provas
Outro ponto que tira o sono de muitos estudantes é o tempo para responder às questões nas provas do Enem. O exame é composto por quatro provas objetivas, com 45 questões cada, e uma redação. Com 4h30min para realizar as provas (estimando uma hora para a redação), o candidato tem, em média, três minutos para responder a cada pergunta. Escolas de Ensino Médio têm adaptado seus próprios exames a essa realidade: são mais perguntas em menos tempo.

Abordagem
É exigida mais leitura e interpretação de texto do que cálculos. É possível responder a perguntas de ciências exatas apenas entendendo o que está no enunciado, sem partir para as operações com números.

Esse, porém, é um aspecto que não muda no Ensino Médio: os alunos continuam decorando fórmulas e conteúdos que não são cobrados no exame.

O Enem pede que os candidatos façam vínculos com a atualidade em questões de todas as disciplinas. Apesar de essa já ser uma característica do vestibular, o Ensino Médio, em geral, dedicava pouca atenção a esses temas.

É preciso, assim, estar atento a fatos importantes, tanto no Brasil quanto no mundo. Uma revolta internacional pode muito bem servir para motivar questões que vão além da história.

 

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