Uma interpretação do caderno II
No caderno II a discussão se dá em torno da relação entre aluno e professor no sentido de mostrar uma série de problemas tais como indisciplina dos alunos, falta de interesse dos mesmos, impossibilidade do professor diante do problema, a pobreza no Brasil, evasão escolar, desigualdade social e assim por diante.
Num primeiro momento o texto do “caderno II” parece apontar para uma tentativa de envolvimento dos alunos no campo cultural e realizar com eles atividades nesse campo para, quem sabe, através da estética envolve-los na escola e dessa forma evitar a evasão escolar e também tornar a escola em algo mais agradável para que o aluno sinta-se bem e assim melhorar as relações entre todos os participantes da escola. No entanto, essa proposta parece mais um paliativo do que a resolução do problema, simplesmente porque essas atividades buscam apenas o envolvimento dos alunos, mas não toca na questão central do problema que é a divisão em duas classes na sociedade (Burguesia x trabalhadores), divisão essa que gera a concentração de riqueza nas mãos de poucos e a exclusão da maioria que passam a viver ora sem emprego, ora com emprego, mas com salários baixíssimos conforme mostram os dados do IBGE onde 50% das famílias vivem com até um salário mínimo.
É claro que a estética pode ter um papel fundamental para a elevação da consciência de classe das pessoas, mas precisaria de uma orientação nesse sentido, e o que acontece de fato é uma arte totalmente dominada pela indústria cultural que além de não apontar um caminho para a libertação da humanidade, tem como finalidade apenas detectar alguns talentos que serão explorados por alguns empresários ligados a esse setor, ou também alguns oportunistas que se aproveitam desse momento para se promoverem politicamente na expectativa de concorrer às eleições, ocuparem cargos bem remunerados e continuar problematizando sem apontar nenhuma saída para o problema.
Num segundo momento o texto sugere continuar problematizando através do diálogo com os estudantes na expectativa de surgir aí uma solução para o problema. Este é mais um equívoco, porque se trata de um método incompleto. Ou seja, uma dialética socrática, que apesar de ser importante, era incompleta, e por isso Platão tratou de continuar o trabalho de seu mestre no sentido de completar o trabalho desenvolvido por Sócrates. Na dialética socrática aparece apenas a parte negativa ou problematização, já na dialética platônica, bem mais completa, o filósofo passa a indicar o caminho correto para tirar os prisioneiros da caverna. Caso contrário, fica-se numa discussão “senso comum x senso comum, e o resultado continua como senso comum” permanecendo no mesmo nível sem avançar para um patamar superior, isto é, a superação das classes. Além disso, pode até ocorrer que em alguns momentos a dialética negativa seja capaz de levar para uma compreensão de que o problema está nas relações sociais, mas logo em seguida essas mesmas relações são tão fortes que, mesmo aquele que compreendeu, é rapidamente tomado de volta para a forma antiga de pensar e geralmente opta pelo famoso jargão “Sempre foi assim e sempre será”. Para ilustrar melhor a necessidade de existir alguém para orientar os demais, valeria a pena refletir um pouco sobre o filme “A cegueira” de José Saramago, onde um grupo de pessoas cegas somente foram libertadas porque havia alguém no grupo, que não foi tomado pela cegueira, e pode, dessa maneira, orientar os prisioneiros para a superação daquela situação dada.
Em virtude dessa consideração, convém ressaltar que apenas a interação entre professores e alunos será algo muito limitado para resolver o problema. Melhor dizendo, para realização da dialética ascendente e descendente será necessário algo mais. Ou seja, será preciso um grupo que, por alguma contingência ou necessidade, conseguiu superar as aparências e encontrou as conexões entre as partes que compõe a organização social da qual fazemos parte, e, desse modo, poderão orientar as demais pessoas no sentido de seguir outro caminho lógico ou concatenado para ir construindo um poder paralelo que substitua essa organização responsável por todas as mazelas sobre a qual estamos discutindo, para dar lugar a outra organização em que o homem possa se tornar mais digno e feliz, uma sociedade sem classes.
Na página 54 do caderno II há a seguinte referência “Mas será que o desinteresse que os jovens expressam na vida escolar não pode ser lido como uma dificuldade que estes encontram em atribuir um sentido à escola, ao que ela tem a oferecer”?. Talvez aqui já há um indicativo do caminho a ser trilhado. Isto é, pensar e iniciar a implantação de “Escolas x Indústrias” voltada principalmente para a produção de alimentos, moradia, vestuário e alguma coisa mais, onde o aluno terá a oportunidade de exercitar teoria e prática. Porém, ela deverá ser construída de tal modo que apesar do aluno ter a parte teórica gratuita, terá que trabalhar pelo menos 2h diárias, deverá ser remunerado por isso, e a administração feita por um conselho de trabalhadores.
Cascavel, 18 de Agosto de 2014.
Jeremias Ariza,
Prof. de filosofia