Uma Interpretação
Análise Crítica referente ao caderno I
O primeiro texto para discussão da etapa I do curso “Formação de professores do ensino médio”, faz um resumo histórico da educação no Brasil e na sequencia aborda também questões referentes à desigualdade social, suas implicações e o desafio da educação para tratar dessas questões que desemboca no problema central do texto que é a de conseguir uma universalização do ensino numa sociedade totalmente desigual tanto economicamente como culturalmente.
A forma de organização do Brasil desde seu descobrimento é constituída fundamentalmente de duas classes. Uma proprietária dos meios de produção e outra, não sendo proprietária desses meios têm, necessariamente, que vender sua força de trabalho à primeira, e esta é uma premissa fundamental para entender tanto a educação como qualquer outro setor da sociedade. Portanto, quando dizemos classe dominante ou classe superior estamos nos referindo à primeira. Isto é, aos donos dos meios de produção. Esta classe além de dominar economicamente domina também a forma de fazer política, a forma educacional e principalmente a forma de pensar. Por isso, ela cuidou muito bem de confundir os trabalhadores referindo-se às classes A, B, C, D e E, simplesmente porque tratando a questão dessa maneira fica muito mais fácil esconder o cerne da questão. Por exemplo, um trabalhador pode ganhar mais do que outro, mas nem por isso deixou de ser um trabalhador, ou seja, mesmo ganhando mais do que o outro tem que vender sua força de trabalho, ao passo que a verdadeira classe dominante não vende sua força de trabalho a ninguém, mas compra essa força que produz riqueza, e não só produz riqueza, como também produz excedentes que sorrateiramente é apropriado gratuitamente pela classe dominante. E é exatamente dessa maneira que ela amplia cada vez mais sua riqueza e seu domínio.
Com base nessa premissa é possível fazer alguns comentários levando-se em consideração alguns trechos e também algumas palavras chaves como é o caso da palavra dualismo citada várias vezes ao longo do caderno I e que tem um significado importante para interpretação do mesmo. Quer dizer, trata-se de uma palavra que de certa forma exige uma reflexão mais cuidadosa uma vez que ela tem um papel fundamental para uma reflexão mais apurada do texto em questão. Ou seja, quando se está falando de dualidade significa dois tipos de educação, uma para os filhos dos donos dos meios de produção que serão os futuros compradores de força de trabalho, e outra para os filhos dos trabalhadores que serão os futuros vendedores de força de trabalho.
Além disso, convém reiterar que esta mercadoria chamada força de trabalho é uma mercadoria especial capaz de produzir mais do que o suficiente para o trabalhador sobreviver, e que esse excedente é apropriado indevidamente pela classe dominante. Por essa razão, a educação para o trabalhador deve ser de tal modo que o aluno passe por todas as séries sem se dar conta de como ele será de forma habilmente trapaceado. Já os filhos da classe dominante necessariamente terão uma educação que os ensine a compreender os mecanismos de exploração, uma vez que estes deverão ser preparados para se apropriar do trabalho alheio ou trabalho excedente produzido pela classe trabalhadora. Assim a educação para os filhos dos trabalhadores deverá ser uma educação alienante que não permita a ele compreender os mecanismos do qual ele é vítima, e, por parte da classe dominante, uma educação muito mais esclarecedora.
Portanto, a dualidade na educação é algo necessário para o funcionamento de uma sociedade dividida nessas duas classes, assim como aparece no texto do caderno I, que a dualidade se manteve ao longo da histórica no Brasil embora em alguns momentos ela apareça de forma mais nítida e noutros até parece que não existe, uma vez que essa separação da educação entre as classes pode ser feita através do currículo e também pela condição econômica das classes. Na tentativa de ignorar a luta de classe, tentaram-se várias vezes universalizar o ensino, mas logo a realidade da sociedade dividida em classe, se impõe de forma férrea de tal modo que os organizadores da educação são obrigados rapidamente a recuar para que a classe dominante fique mais tranquila no sentido de continuar a marcha da exploração do homem pelo homem. Este movimento também é percebido quando se estuda as várias metodologias do ensino como, por exemplo, a escola tradicional, nova, tecnicista e construtivista. No primeiro caso o professor direciona o aluno até que a rota continue no sentido de manter o filho do trabalhador alienado, mas quando estes professores começam a tomar consciência de classe e orientar os alunos no sentido da libertação, a classe dominante cuida rapidamente de retirar do professor a autonomia de ensinar e passa a impor, através do Estado, uma nova didática onde o professor torna-se mero coadjuvante. Ou seja, o aluno recebe do Estado o material ideológico e o professor simplesmente deverá atuar como um mero interprete do conteúdo classista, e assim vão alternando os métodos para continuarem sua hegemonia.
Uma sociedade que se organiza tendo como princípio a dominação de uma classe sobre a outra precisa buscar meios e mais meios de manter a “ordem”. E esta ordem se mantem principalmente através do aparato policial, mas também de forma ideológica como apontada no próprio caderno I: “Na visão de Francisco Campos, então ministro da justiça, as diretrizes definiam os valores a que a educação deveria servir e que eram inquestionáveis: religião, a pátria e a família” (p.14).
Sobre a religião. Aqui se trata de uma instituição que exerce um papel importantíssimo na dominação de uma classe pela outra, simplesmente porque a moral cristã leva em consideração apenas a interioridade do indivíduo e, dessa forma, se preocupa apenas com essência interna das pessoas sem se preocupar com as relações de produção que estão voltadas para a competitividade e para o egoísmo. Muitos teóricos da igreja até sabem disso, que para o amor se manifestar entre as pessoas é necessário uma forma de organização que rompa definitivamente com a sociedade dividida nessas duas classes. Mas a igreja não orienta seus fieis nesse sentido porque ao longo da história ela sempre esteve ao lado da classe possuidora dos meios de produção e orienta sempre no sentido da conciliação de classe e não para o rompimento definitivo da exploração do homem pelo homem.
Sobre a pátria. Aqui também este conceito é entendido completamente diferente entre as duas classes. Para a classe dominante trata-se do direito de defender suas propriedades, do direito de explorar os trabalhadores e a liberdade de vender as mercadorias para realizarem seus lucros. Por parte dos trabalhadores a pátria não existe, simplesmente porque o trabalhador tem apenas sua força de trabalho para vender e para ele pouco importa se ele a vende para um burguês brasileiro ou para um burguês de outra nacionalidade qualquer. Por isso a classe dominante cuida muito bem de criar um sentimento patriótico no trabalhador para usá-lo no momento em que o capitalista brasileiro, por exemplo, tem seu poder ameaçado por outros capitalistas externos. Nesse momento tornar-se-á necessário o sentimento de pátria para que todos ajudem defender, não o interesse do trabalhador, mas os interesses da própria burguesia. Desse modo, utilizam-se do Estado para fazer guerra com outros países que ameaçam os interesses da burguesia nacional. Na verdade, a guerra se dá entre os capitalistas, e o trabalhador simplesmente é manipulado e usado não para defender seus interesses, mas o interesse da classe possuidora, ou melhor, dos proprietários.
Sobre a família. Aqui também este conceito é entendido de forma diferente pelas duas classes. O trabalhador vai entender a família como uma instituição para reprodução da espécie e, além disso, um ambiente onde os pais cuidam e educam seus filhos até que eles se tornem adultos e não necessitem mais dos pais para sua preservação. A partir dai podem até se desligarem dos pais para constituírem sua própria família e desse modo dar continuidade à espécie. Mas, para o capitalista a família está fundamentada na propriedade privada. Ou seja, o casamento burguês não está preocupado com uma relação de amor entre casal e filhos, mas com o objetivo principal de assegurar aos filhos a manutenção da propriedade que veio da exploração sobre os trabalhadores e assim dar continuidade nas relações de exploração do homem pelo próprio homem. Nesse sentido, a família torna-se algo fundamental para que a classe dominante assegure seu domínio e dessa forma a família orna-se uma das instituições fundamentais para o domínio de uma classe sobre a outra, e, consequentemente, a continuidade dessa forma de organização.
Como já foi dito, a classe que domina os meios de produção domina economicamente, politicamente e também a educação. Como esta classe não trabalha, mas vive apenas do trabalho alheio, passou a ter o tempo que quisesse para estudar sem trabalhar. Assim acabou desenvolvendo um tipo de educação puramente teórica e descolada da prática, ou seja, uma educação maçônica (organização clandestina da burguesia). Quando o filho do trabalhador chega à escola se depara com um conteúdo que está numa relação com a classe da qual ele não faz parte e fica chocado com algo que não faz para ele nenhum sentido. Aqui neste ponto aparece uma contradição gritante. A burguesia está habituada a um currículo quase que puramente teórico, mas ao mesmo tempo precisa desenvolver um currículo mais voltado para a classe trabalhadora e não sabe como fazê-lo, uma vez que o domínio prático está com a classe trabalhadora. Mas esta não está autorizada a dizer nada, ela deve simplesmente obedecer aos que detém o poder e se adequar a um currículo organizado e implantado pela classe que detém o poder.
O governo FHC tentou ignorar a luta de classe e retirar os cursos técnicos na tentativa de universalizar o ensino, ou seja, tentou levar o filho do trabalhador para a universidade, mas os fatos são mais fortes que qualquer intenção. A Universidade sob a orientação maçônica desenvolve cada vez mais uma educação para a classe que não trabalha e tem como finalidade desenvolver apenas uma formação para aprimorar as relações de exploração já existente. Quer dizer, uma formação cada vez mais compatível com as relações capitalista de produção ou, dito de outro modo, uma educação que interessa apenas àqueles que são donos dos meios de produção e que estão sempre nas posições de mando. Para estes, de fato faz sentido a educação maçônica, mas o filho do trabalhador, e são poucos os que conseguem chegar à Universidade, recebe essa formação e não tem nada a fazer com ela, simplesmente porque ele não é dono dos meios de produção e não tem como aplica-la. Mesmo tendo curso superior o filho do trabalhador tem que vender sua força de trabalho para sobreviver e novamente a educação maçônica continuará não fazendo sentido para ele porque a formação do dominante definitivamente não serve para o dominado. Alguns, devido o grau de alienação muito grande, continuam iludidos com esse tipo de educação, mas com passar do tempo vai se dando conta de que essa educação é incompatível com a posição que ele ocupa na sociedade.
O governo Lula, que veio da classe trabalhadora, tinha uma visão mais apurada da realidade e sabia melhor sobre a dualidade na educação que seu antecessor. Não poderia surgir algo melhor para a burguesia do que o Lula, um trabalhador que traiu sua classe e levou para a burguesia um conhecimento que a classe dominante não tinha e que era necessário para ela continuar dominando. Por isso ao chegar no poder cuidou logo de corrigir o erro de FHC e fez voltar os cursos técnicos. Porém, esses cursos ainda não dão conta de atender a necessidade da burguesia, porque eles continuam carregados de teorias que novamente não atendem a necessidade da burguesia, e a prova disto é a constante reclamação de que não se tem mão de obra qualificada no mercado. Melhor dizendo, dominam a teoria, mas continua sem saber fazer. E o burguês precisa do produto para vender e realizar seu lucro, por isso continua a arrogância e o clamor dessa classe “O problema é falta de mão de obra qualificada”.
Diante do exposto até aqui, e da pergunta final do caderno I “como chegar à universalização do ensino” que é o problema central do texto, é até possível apontar para a possibilidade da resolução do problema. Ou seja, primeiro tomar consciência que numa sociedade dividida nessas duas classes a solução não será encontrada, e que necessariamente a educação maçônica chegou ao final para dar lugar a uma educação que faça a transição para uma sociedade socialista onde o trabalhador passará a fazer parte das decisões. Isto e, dizer o que fazer como fazer, quanto fazer e como distribuir a produção. Como dizia Marx, a própria dinâmica do capital vai criando as condições para sua superação, e somente o trabalhador tem potencialmente a capacidade de fazer essa transformação para que finalmente a humanidade, além de alcançar uma educação universal, possa também se aproximar daquilo que é o fim último da humanidade, liberdade e justiça.
Cascavel, 08 de Agosto de 2014
Jeremias Ariza.
Prof. de filosofia.
- Logue-se para poder enviar comentários