Reflexões sobre o currículo do Ensino Médio para uma formação humana integral

Reflexões sobre o currículo do Ensino Médio para uma formação
humana integral ( Yvone Pimentel)

Este estudo está pautado na análise dos documentos sobre o desenvolvimento do Ensino Médio, como ele se desenvolveu ao longo dos anos, mais precisamente, na década de quarenta com a criação da Lei Orgânica do Ensino Secundário, de autoria do  ministro Capanema, em 1942 até os dias atuais, quando se coloca  em discussão uma proposta de mudança curricular, tendo em vista o elevado  índice de abandono e a defasagem escolar  na faixa etária dos estudantes  entre 15 e  17 anos.
Nas proposições do Ministro Capanema o currículo foi categorizado em duas vertentes:
►Ensino médio: polaridade (de um lado, ensino para o ingresso na academia e, por outro lado, ensino voltado para o mercado de trabalho) – questão social: academia para a elite e para os demais ensinos profissionalizantes, com o objetivo de formar mão de obra para o mercado de trabalho (Gustavo Capanema);
►Fragmentação do ensino médio em disciplinas estanques e hierarquizadas: memorização, repetição para a competição (acesso);
►Limites do currículo:
– Conhecimentos distanciados da realidade vivida;
– Repetição pela repetição, sem contextualização ou ressignificação;
– Formalismo.
►Currículo: dimensões
– Perspectiva tradicional (dimensão técnica, utilitarista – eficiência);
– Teoria crítica (anos 70) – emancipação humana libertação das formas de poder e dominação (dimensões histórica, ética e política);
– Destacam-se: dimensão prescritiva (essência teórica explícita); dimensão explicativa (reflexão sobre os aspectos do currículo); dimensão real (materialidade por meio da prática); dimensão oculta (troca cotidiana entre formadores e educandos).
Diante desse processo tradicional excludente o qual não atende mais as necessidades do mundo contemporâneo,  surge a necessidade premente de se buscar um diálogo entre os teóricos  especialistas sobre o currículo e os professores que atuam no ensino médio no sentido de redesenhar o currículo para atender as necessidades desta juventude.
Nessa perspectiva, o currículo é concebido como o conjunto das relações desafiadoras das capacidades de todos que se propõe a resgatar o sentido da escola como espaço de desenvolvimento e aprendizagem, dando sentido para o mundo real e concreto, percebido pelos educandos  como transformador da realidade  pela ação dos próprios sujeitos.
Em função disso, o Ensino Médio deve integrar  uma formação sólida e outra parte diversificada,  permitindo a percepção da ligação deste com o Ensino Fundamental e como etapa do Ensino Básico. Deve promover a transformação social e inserção profissional qualificada através do desenvolvimento de competências, habilidades e autonomia necessárias, numa sociedade que garanta qualidade de vida.
É nesse contexto que se pressupõe  um currículo articulado com as dimensões relacionadas:
►Proposta: currículo pautado no pressuposto de formação humana integral
– Juventudes: identidades, culturas e necessidades;
– Consonância do aspecto histórico-cultural com o currículo escolar;
– Significação dos fenômenos naturais e sociais a partir do contexto do sujeito;
– Superar a dicotomia entre humanismo e tecnologia.
►DCNEM: dimensões do trabalho, ciência, tecnologia e cultura  (conceitos do currículo relacionados ao eixo comum);
– Currículo: construção coletiva, política e intencional (ultrapassa o caráter instrumental);
– Gestão democrática (compartilhar o processo de planejamento curricular);

Nesse sentido, busca-se reduzir a distância entre o que se faz na escola das práticas sociais, sendo o trabalho entendido como princípio educativo, estabelecendo uma condição que venha superar um ensino com ênfase na memória, no enciclopedismo, mas que os jovens possam estabelecer relações concretas entre o que aprende e o que ele vive.
Segundo Freire (2003, p.59), o conhecimento é sempre conhecimento de alguma coisa, sempre intencionado, isto é, está sempre dirigido para alguma coisa. Portanto, há de se ter clareza com relação ao conhecimento escolar, quais sentidos devemos dar a ele.
As propostas de ensino devem ser  voltadas para a formação crítica do indivíduo. Desse ponto de vista, entende-se que os conteúdos estar articulados  com o contexto de vida dos estudantes, deixando de apresentar apenas temas tradicionais, reduzidos a técnicas, considerar também temas representativos da cultura da qual fazem parte. A partir disso, o professor consegue estabelecer relações com os eixos em questão: do trabalho, por meio do processo criativo e mostrando aos estudantes os diversos campos de atuação que fazem parte das disciplinas e de suas relações com outros campos de produção; da ciência e da tecnologia, quando se estuda os processos e os materiais utilizados e da cultura, ao relacionar à produção humana ao contexto em que é produzida.
O ensino na contemporaneidade aposta na vertente cognitivista, na qual o estudante é incentivado a experienciar e manifestar-se por meio da relação entre o conhecimento dos conteúdos, a análise crítica das produções em seus contextos e a produção prática.
Quando se consegue abranger o ensino a partir dessa visão, consegue-se também relacionar os conteúdos com os eixos do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura. É fundamental que o jovem compreenda como se estabelecem as relações sociais no mundo do trabalho, como a exploração, as lutas de classes, conquistas dos trabalhadores e suas influencias na sociedade. É através dessa compreensão que se estabelece a relação entre os conteúdos com a realidade vivenciada. Relacionar o que é ensinado com os “mundos” também depende das áreas do conhecimento envolvidas, pois algumas delas se relacionam de maneira mais intensa com a ciência e a tecnologia, enquanto outras estão diretamente ligadas à Cultura e Trabalho. Porém, estabelecer estas conexões também depende do professor e de um planejamento específico, pois dentro de um currículo abrangente, há várias possibilidades de elencar conteúdos com relativa liberdade. Sem uma reflexão cuidadosa pode acontecer uma reprodução dos conteúdos abordados no livro didático escolhido, como se esse fosse o leme e não um coadjuvante do processo.
Entendemos que ao aproximar os conteúdos escolares do cotidiano dos jovens, permite-se a reflexão acerca do seu “estar” e “ser” no mundo, um ser e estar que não é isolado, construído na tecitura das relações sociais estabelecidas. Esta reflexão se traduz na apreensão do sujeito, e que só é possível através do conhecimento, cujo significado é concretamente apreendido. É na interface com as demais áreas do conhecimento que ocorre esta relação, pois ao transitar pelas demais disciplinas, estabelece-se a ponte entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura. 
Portanto, pensar a seleção de conteúdos no Ensino Médio implica em reconhecer que a organização curricular deve buscar antes de tudo a formação ética e a autonomia intelectual, ou seja, o pensamento crítico que possibilite aos jovens um modo de pensar e compreender as determinações da vida social e produtiva, e que consiga articular  trabalho, ciência, tecnologia e cultura  na perspectiva da emancipação humana.
  Após uma intensa discussão/reflexão sobre as DCNEM, uma questão foi bastante discutida: a aprendizagem significativa. O que é significativo? Os significados dependem muito dos sujeitos envolvidos, das leituras de mundo construídas e reconstruídas ao longo de experiências. Conhecer o aluno e conseguir definir o que é significativo para o conjunto, uma vez que não se trata de um processo individual, mas considerando as especificidades que podem ser potencializadas, cabendo ao professor fornecer este acesso, é o verdadeiro desafio.
A questão estrutural também influi, para passarmos por um processo de excelência é preciso considerar as estruturas adequadas, os recursos materiais e humanos disponíveis, pois significar também é tornar atrativo no sentido de se sentir bem no ambiente, estimulando a sensação de pertencimento que é muito importante para o jovem. E só se deseja “pertencer” a um grupo ou local quando se gosta dele. É o famoso “vestir a camisa”.
Outro aspecto relevante é a promoção de espaço e tempo que proporcionem a integração dos trabalhos docentes, indispensável para a concretização da interdisciplinaridade, pois este não é um processo natural e espontâneo, muito pelo contrário, é resultado de intenso trabalho pedagógico, subsídio administrativo, vontade individual e, por que não dizer, vontade política. E, para haver mudanças, primeiramente precisamos nos deparar com uma escola pronta para novos desafios, entre eles, o de estabelecer condições mais adequadas para atender a diversidade de indivíduos que dela participa. Compreender, respeitar e atender as necessidades desta diversidade é o principal requisito para alcançarmos a tão almejada qualidade na educação oferecida por uma escola para todos.
Considerar o desenvolvimento intelectual e moral de cada indivíduo, apresentar o conhecimento de forma problematizado, a fim de estimular a investigação, a superação de conceitos preexistentes e informais, incentivar a busca de soluções pautadas em conhecimentos já apreendidos, permitir a análise crítica da realidade, são caminhos percorridos intencionalmente no processo de ensino e que possibilitam subsidiar o desenvolvimento da autonomia intelectual e moral. Autonomia autenticada pela aquisição dos conhecimentos historicamente acumulados e substratos teóricos sobre os quais se constroem e se fortalecem posicionamentos sociais.
Neste processo, o educador desempenha o papel de mediador, ao desenvolver aulas com questões significativas no contexto dos educandos, utilizando situações da prática social, oportunizando e incentivando o diálogo, a discussão, a cooperação, a análise crítica dos fatos e a socialização e ainda atuando na construção do PPP da escola e entendendo sua função social.
A promoção da autonomia moral e intelectual também se fortalece durante a busca de alternativas para a resolução das questões ambientais, na proposição de práticas de sustentabilidade, promovendo compromissos em esfera local que impactam a esfera global. Enfim, a autonomia se dá quando o indivíduo se reconhece nas escolhas que faz de modo digno de acordo com suas aptidões, desejos, valores e conhecimentos. A escola tem esse papel de formar e preparar cidadãos, na perspectiva de um mundo mais justo, mais solidário e melhor.

Equipe: Bárbara, Eliane, Inês, Izabel, Jailson, John, Juraci, Lucilaine, Milena, Roselin, Salete, Silvana, Vainey, Valdeci e Maria Olívia (orientadora de estudos)