Reflexão e ação: os desafios que permanecem para o ensino médio na realidade brasileira
Reflexão e ação: os desafios que permanecem para o ensino médio na realidade brasileira. Por: Prof.º Edson R. Passos
Olhar os fenômenos da educação a partir da raiz histórica do problema, em especial a questão do ensino médio na realidade brasileira, exige de nós uma reflexão epistemológica – ontológica como categoria do ser social no nível concreto da realidade objetiva. Por isso, a importância de se trabalhar numa perspectiva histórica para entender a história da educação no Brasil, sobretudo, porque, a educação constitui uma prática histórica social, e, é investigada e praticada historicamente. Dentre os vários desafios que permanecem para o ensino médio brasileiro, optou-se por refletir sobre quatro categorias de problemas e necessidades, não necessariamente, por ordem de importância ou prioridade: a) revisão do currículo, com ênfase nas práticas pedagógicas mais significativas, que emancipe o aluno pela aprendizagem e cultura digital das novas tecnologias e mídias imagéticas; b) a democratização do ensino, seletividade e evasão; c) formação continuada do professor.
a) Revisão do currículo, com ênfase nas práticas pedagógicas mais significativas, que emancipe o aluno pela aprendizagem e cultura digital das novas tecnologias e mídias imagéticas.
A educação brasileira contemporânea, especificamente o ensino médio público, parece não ter incorporado ainda nas suas políticas e práticas pedagógicas os sinais da mutação da modernidade e como educar para a sociedade da informação, sobretudo, nos meios de comunicação de massa e às novas tecnologias. Como podemos ver, o jovem da atual geração, já nasceu no ritmo das novas tecnologias e mídias imagéticas. Essa nova linguagem que representa o seu código de acesso para o mundo icônico, espacial e veloz, acaba contrastando com as práticas tradicionais dos textos impressos. Nesse sentido, Móran afirma que:
O aluno hoje está ligado profundamente ao pensamento analógico, concreto, visual, espacial, dinâmico, de processamento de muitas informações simultaneamente, de compreensão de vários cenários, pontos de vista espaço temporais aos quais responde com a mesma rapidez e polivalência (MÓRAN, 1993, p. 9).
Assim, podemos dizer a partir dessas observações, que à escola rejeita a cultura e a linguagem cotidiana dos alunos, isto é, a cultura popular ou cultura de lazer cotidiana dos jovens, na maioria das vezes, é desprezada pela cultura e pela linguagem formal normativa da escola. Nesse sentido, entende-se como necessidade e expressão do tempo contemporâneo, que se crie na educação brasileira no ensino médio, a consciência para a estética da sensibilidade, ou seja, o aluno precisa ser alfabetizado para uma a compreensão da vida social, do mundo, da cultura e do trabalho, indispensável para uma atuação consciente na sociedade, na medida em que a educação brasileira precisa superar a padronização, a repetição e a dominação na era das revoluções industriais, tudo isso através do estimulo à criatividade, do espírito inventivo, o imprevisível, o lúdico, a leveza e a sutileza presentes no processo de formação dos alunos. Aqui, novamente, estamos diante de uma grande problemática: Mas, ―o que é o mundo? ―O que é a realidade? Numa perspectiva marxista, Marx (1985, p.25) diz: “O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral da vida social, político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina seu ser, mas ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência”. Nessa perspectiva Marx apresenta um novo modo de compreender o mundo pela materialidade da realidade, isto é, o mundo e a realidade são tudo o que efetivamente existe e nos cerca pela organização física e material. Portanto, faz-se necessário a criação de uma legislação, para que a escola incorpore no currículo do ensino médio (Regular, Normal/Magistério, Educação Profissional e a EM de Educação de Jovens e adultos – EJA) o uso das tecnologias digitais, no sentido de propiciar os alunos e os professores a ler, escrever e dialogar por meio delas, e que valorize o aspecto histórico e concreto do tempo, da cultura e das relações sociais.
Dentro desse contexto, outro grande entrave no ensino médio brasileiro, nas quatro configurações citadas acima, diz respeito ao número de disciplinas na grade curricular, o que se ensina e porque se ensina. Por que se estuda isso? E não aquilo? Sabe-se que, o cerne do problema curricular no ensino médio brasileiro advém do acordo (1966) entre o Ministério da Educação (MEC) e a USAID (Agência Norte-Americana para o desenvolvimento Internacional), que instituiu a reforma Universitária (Lei 5.540/68) e a reforma do ensino de 1º e 2º graus (Lei 5692/71). Por decreto militar, foram criadas disciplinas novas, que garantia a questão ideológica e de poder do Governo vigente. Nesse período (1971), o Governo militar de Emílio Garrastazu Médici começava apresentar outras prioridades para o Brasil, sobretudo, na questão educacional. Esse era um momento importante na história do país, pois, a sociedade política engajada no crescimento industrial, via na sociedade civil trabalhadora a oportunidade de educá-los para as necessidades do mercado. Isto é, criava-se no Brasil o novo ensino médio profissionalizante a serviço do Capital. Essa ênfase no ensino tecnicista profissionalizante, empobreceu, ainda mais o currículo escolar, provocando o esvaziamento dos conteúdos, e impedindo que a classe trabalhadora construísse a crítica da realidade social que viviam. Em síntese, na maioria das vezes, os trabalhadores eram mercadoria para o emprego.
Em relação a essa breve visão sobre o ensino no Brasil no final da década de 1970, pode-se dizer, que a questão sobre o currículo, ainda representa um dos maiores desafios para o ensino médio na realidade brasileira. É importante retratar, que nas últimas três décadas, houve uma redefinição da identidade profissional do brasileiro, isto é, surgiram novas profissões, tantas outras sofreram mudanças por conta da tecnologia, hoje não existem mais profissões exclusivas para o sexo masculino ou feminino, no entanto, o que se vê, é que o currículo escolar no ensino médio regular mantém-se o mesmo, petrificado.
Outro desafio que permanece para o ensino médio na realidade brasileira é repensar o currículo como entrave na própria prática do trabalho do professor. No mais das vezes, a organização ordenada, hierárquica e intensa do currículo, acaba refletindo na qualidade do trabalho do professor em sala de aula, ou seja, isso se reflete naquele conteúdo insignificante para o aluno, nas cargas horárias condicionadas e na questão quantitativa dos conteúdos. Desse modo, a questão curricular parece estar na base como entrave para muitos dos problemas existentes no ensino médio, pois, ele condiciona o trabalho do professor em tempo, espaço e prioridade. Por outro lado, o aluno também é prejudicado, pois, ele percebe a escravização do professor no sentido de estar condicionado a cargas horárias, turnos e conteúdos obrigatórios distantes da realidade concreta dos alunos e professores.
Diante dessa realidade, pode-se dizer, que esse problema alcançou tamanha dimensão por conta do comodismo das políticas públicas e dos profissionais da educação para discutir propostas de mudanças no sentido de desconstruir as lógicas e valores que estruturam a base curricular no ensino médio. Interessa-nos destacar, que o professor por conta do comodismo, desânimo e pela baixa credibilidade nas políticas públicas, também, deixou de rever suas próprias práticas, no sentido de mudar a sua consciência individual e profissional de trabalhadores em educação.
Talvez, tenhamos que deixar a ineficiência das políticas públicas de lado, que nada ou muito pouco se tem feito para modificar essa realidade, e criarmos uma nova consciência profissional, desconstruindo e reinventando formas de aprimorar nosso trabalho. Para isso, temos que compreender a necessidade de investir coletivamente na nossa qualificação (especialização, mestrado, doutorado), no sentido de avançarmos na autoria de nossa prática.
Ao examinar esses desafios que permanecem para o ensino médio na realidade brasileira, não podemos negar, que um currículo descontextualizado da realidade do aluno e do professor, implicam e desencadeiam em muitos outros problemas para a educação, entre eles podemos citar: desinteresse, indisciplina, baixa aprendizagem, ritmos lentos de aprendizagem, etc.
b) A democratização do ensino, seletividade e evasão.
Anualmente, observa-se na educação brasileira pública (ensino médio geral) o aumento da seletividade e da evasão, que de certo modo, evidencia a falta da democratização no ensino. O último Censo Escolar 2011-2012 retrata que a escola pública no Brasil (ensino médio), continua sendo uma escola para minorias. Embora quase todos reconheçam que a partir da década de 1960, tivemos uma expansão quantitativa no número de alunos matriculados no ensino médio público, é fato constatado nas estatísticas e fisicamente em sala de aula, que o índice de evasão no ensino médio é crescente. Efetivamente, pode-se dizer, que a instituição pública de ensino não consegue manter os alunos até a conclusão do 3º ano do ensino médio. Os poucos que saem no final dos três anos, ainda uma parcela desses, não conseguem transpor os níveis de analfabetos funcionais, prova que nem na escala quantitativa houve a democratização no ensino médio na realidade brasileira.
Dentro de um recorte histórico, alguns fatores explicativos da seletividade e evasão, podem ser atribuídos aos fatores sócias, econômicos e a dualidade do ensino, uma herança da ditadura militar no Brasil, que a partir da década de 1940, implantou o sistema dual de ensino: o ensino profissional para as classes trabalhadoras e o ensino secundário para as elites dirigentes. Em escala nacional o motivo da evasão se deve a fatores internos e externos da escola. A permanência dos alunos que ingressam no ensino médio representa um dos maiores desafios da educação secundária no Brasil, sobretudo, no ensino noturno. São muitos os fatores que implicam para as baixas taxas de matrículas e a permanência dos alunos no ensino médio público. Todos eles apontam para o sucateamento da estrutura e ao funcionamento próprio do sistema educacional brasileiro. Em resumo, alguns desafios que devem ser enfrentados pelos educadores e o próprio sistema:
• Inadequação dos conteúdos curriculares;
• Inadequação dos métodos de ensino e práticas pedagógicas;
• Inadequação do sistema de avaliação para cada modalidade do ensino médio.
• Inadequação na relação dialética teoria e prática;
• Inadequação a ideia central de escola pública unitária, estruturalmente unificada com formação humana integral. Esse item diz respeito a omnilateralidade, uma educação balanceada, mas, na sua totalidade, isto é, manter um distanciamento do ensino médio fechado, propedêutico ao ingresso no ensino superior (para os alunos das classes economicamente favorecidas) nem tampouco profissionalizante (destinado aos alunos trabalhadores). Nesse sentido, os autores da Etapa I Caderno I do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, afirmam que:
A omnilateralidade diz respeito à formação integral do ser humano, desenvolvido em todas as suas potencialidades, por meio de um processo educacional que considere a formação científica, tecnológica e humanística, a política e a estética, com vistas à emancipação das pessoas (MORAES, MOURA, PACHECO e RIBEIRO, 2013, p.34).
Portanto, é consenso entre os pensadores da educação brasileira, a criação e a manutenção de uma escola pública unitária, que assegure a todos a apropriação de uma educação de qualidade, que reforce à ideia da necessidade de se criar uma teoria da atenção, isto é, para interpretar a realidade na sua totalidade é necessário emancipar os nossos sentidos ao ponto de torná-los afinados para captar o mundo sensível que nos cerca. Sobretudo, levando-se em conta, que a leitura dialética da realidade implica uma contextualização, uma análise conjuntural que permita entender as condições reais da sociedade, afim de entender a função da escola e, nela, o que se ensina e aprende.
Em resumo, o termo escola unitária, não diz respeito à escola uniforme e homogênea para todo o Brasil; é unitária porque defende numa visão particular e universal o direito social por uma educação com qualidade para todos, sobretudo, levando-se em conta as diferenças locais e regionais.
c) formação continuada do professor
É imprescindível a formação continuada do professor como chave para lidar com os desafios que permanecem para o ensino médio na realidade brasileira. Sabe-se que a educação pública brasileira nunca foi vista como investimento indispensável para mudar a realidade do nosso povo. Além disso, as políticas públicas destinadas à educação brasileira, raramente mostraram-se decisivas e eficientes com competência cognitiva e técnica no processo de formação de professores. Optou-se pela universalização da educação dos nossos alunos, seguida da desqualificação profissional dos professores.
Infelizmente, vivencia-se no seio das escolas públicas brasileiras uma forte tensão entre as demandas das políticas públicas e a realidade educacional. Aprender sempre. Talvez essa afirmação seja a que represente melhor a ideia de formação continuada no mundo cada vez mais veloz em que vivemos, e que se renova a cada momento. Pensar o professor como sujeito ativo e agente transformador da realidade, exige, em primeiro lugar, uma atitude concreta: investir na formação continuada do professor para que possa apreender as contradições sociais que nos cercam. A relação ensino aprendizagem é dialética. É o aprender sempre, para sempre aprender e ensinar. Nesse sentido, torna-se imprescindível, professores com uma visão crítica da realidade para ensinar em face dos desafios que permanecem para o ensino médio na realidade brasileira.
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