Perspectivas para avanço do Ensino Médio: Singularidades de um Centro de Ensino de Jovens e Adultos (CEEBJA) em Curitiba

Artigo referente aos resultados dos estudos do caderno 1 no Ceebja Maria Deon de Lira na cidade de Curitiba - Paraná

Justificativa
            O ensino médio no Brasil é um segmento que traz inúmeros desafios para o governo, seja pelos elevados índices de reprovação e evasão, seja pela falta de qualidade que se observa na maioria dos cursos ofertados em todo o país. O Pacto Nacional pelo ensino médio surgiu em uma tentativa de minimizar estes resultados, contando com a parceria de secretarias de educação dos estados, de professores e de coordenadores pedagógicos.
           Observa-se atualmente uma dicotomia nesse segmento, já que é direcionado para dois tipos distintos de alunos: Para os que têm maior poder aquisitivo é oferecido um estudo que prepara para o vestibular, com vistas ao aprender a aprender. Já para um segundo grupo, camada desfavorecida da população, é destinado um estudo que ensina aprender a fazer.
       Esta dicotomia têm reflexos na sociedade visto que àqueles que se oportuniza um ensino que conduz à universidade, terão um papel de comando, já ao segundo grupo resta apenas o de comandados.
Além disso, quando se pensa na modalidade de educação de jovens, adultos e idosos no ensino médio, há um olhar preconceituoso e negativo por parte da sociedade, que a relaciona a um ensino aligeirado, apenas reparador e de segunda categoria, destinado às camadas mais pobres da esfera social cuja função é apenas minimizar a inferioridade cognitiva de trabalhadores que nunca se compararão à superioridade cognitiva das pessoas que frequentam o ensino regular e terminaram seus estudos no tempo previsto. 
          Os desafios a serem superados são muitos, haja vista que o conceito de conhecimento e de aprendizagem se modificou bastante, pois o que se espera dos alunos e dos professores hoje, é muito diferente do que há poucos anos atrás, graças às novas tecnologias de comunicação e informação.
          Nos dias atuais, o professor não é o único a transmitir conhecimentos e o aluno não é mais “o receptáculo a deixar-se rechear de conhecimentos”, a grande questão que se põe para a escola hoje é ensinar não só como obter informações, mas também como avaliá-las e gerenciá-las transformando-as em conhecimento sistematizado (ALARCÃO, 2008).
Educar para compreender exige reforma das mentalidades e deve ser primordial na educação do futuro, ou seja, em vez de uma “cabeça bem cheia” é necessário que o educando tenha uma “cabeça bem feita” (MORIN, 2000, apud ALARCÃO, 2008, p.14).

Problematização
      
        Atualmente no Brasil, a oferta do ensino médio é diversificada tanto na proposta quanto nos objetivos a serem alcançados. As escolas particulares visam capacitar o aluno para vencer a etapa do vestibular e do ENEM, as escolas técnicas federais capacitam o aluno para indústria, as escolas técnicas estaduais embora com menos recursos, também visam aos mesmos objetivos. Há ainda o ensino propedêutico oferecido nas escolas estaduais que não preparam nem para uma coisa nem para outra.
       Há ainda aqueles que estão fora da dicotomia idade-série, para estes é oferecido a modalidade de Ensino para Jovens e Adultos, cuja finalidade (embora que velada) é dar conta de capacitar mão-de-obra para outras vertentes do mercado de trabalho.
        Como se vê a nomenclatura é uma só, porém há um fosso ideológico separando uma oferta da outra, acentuando a desigualdade no atendimento ao que seria um direito igualitário de todos.
        Esse quadro é preocupante tendo em vista o que afirma Alvin Tofler (1995) em seu livro A Terceira Onda, no qual cita que a modernidade trouxe em seu bojo a valorização do conhecimento que passou de meio adicional de produção de riquezas, para meio dominante, tornando-se assim substituto último de outros meios de produção. Em decorrência dessa mudança o mundo sofreu dramáticas transformações, pois se antes era valorizado o trabalhador que não fazia perguntas, não pensava e nem inovava, apenas obedecia a ordens, atualmente exige-se que ele pense, critique, argumente e seja criativo.
       Neste sentido, Kuenzer (2002) acrescenta que novos paradigmas deste século apontam para uma complexificação dos instrumentos de produção, informação e controle, os quais passaram da era eletromecânica, para a microeletrônica necessitando com isso que se desenvolvam:

       Competências cognitivas complexas e de relacionamento, tais como análise, síntese, estabelecimento de relações, criação de soluções inovadoras, rapidez de resposta, comunicação clara e precisa, interpretação e uso de diferentes formas de linguagem, capacidade para trabalhar em grupo, gerenciar processos para atingir metas, trabalhar com prioridades, avaliar, lidar com as diferenças, enfrentar desafios das mudanças permanentes, resistir a pressões, desenvolver raciocínio lógico-formal aliado à intuição criadora, buscar aprender permanentemente, e assim por diante. (KUENZER, 2002, p.3).

          Por isso urge que o ensino médio oferecido pelas escolas públicas desenvolva uma consciência crítica e autônoma no educando que esteja afinada à sociedade contemporânea, e que contribua para a formação de sujeitos capazes de “sobreviver ao assalto das imagens, mensagens e espetáculos da mídia” que inundam a cultura atual. (KELLNER, 1995, p.107).   

OBJETIVOS

Geral:
• Por meio de capacitação específica, instrumentalizar os professores que atuam no ensino médio com recursos teóricos para que busquem práticas educacionais inovadoras, as quais deem conta de ofertar um ensino de qualidade.

Específicos:
• Refletir sobre os problemas que envolvem o ensino médio tanto histórico, como socialmente.
• Analisar dados levantados sobre os alunos que compõe à escola, com vistas a intervir positivamente no panorama escolar.
• Assumir compromisso com práticas que garantam a qualidade de ensino e a permanência do aluno nos bancos escolares

Fundamentação Teórica

       No século XIX como nos afirma Beisiegel (1974, p.21-22) percebe-se a existência de dois tipos paralelos de educação uma destinada ao povo e outra destinada para as classes superiores, as quais eram mais evidentes depois do ensino primário, pois os mais pobres não tinham acesso às escolas secundárias.
   Nos anos subsequentes esse quadro não sofreu grandes alterações, até 1920, quando o então ministro da educação e saúde de Getúlio Vargas, Francisco Campos, foi responsável por reformas educacionais, regulamentando a reforma do ensino secundário, por entender que o ensino secundário é o mais importante ramo do sistema educacional, afirmando ainda  ser a fonte de formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional,  responsável ainda, pela construção de hábitos, atitudes e comportamentos que habilitassem o educando a viver por si mesmo e a tomar  em qualquer situação as decisões mais convenientes e mais seguras. (apud ROMANELLI, 1978, p.135).
       Foi em 1931, no entanto, na gestão de Gustavo Capanema que se consagrou a divisão entre o ginásio, agora de quatro anos, e um segundo ciclo de três anos, com a opção entre o clássico e o científico. Havia ainda a opção  para aqueles que não quisessem frequentar  a universidade, de se matricularem em  cursos profissionalizantes  no nível do segundo ciclo (cursos técnicos).
      Uma grande modificação desse quadro ocorreu em 1950 , quando houve a possibilidade dos alunos que frequentavam o ensino profissional se transferirem para o curso secundário, facultando aos diplomados o direito de se candidatar ao curso superior. Em 1961, houve a completa equivalência dos cursos técnicos ao secundário, para efeito de ingresso em cursos superiores.
      Observa na sequência que são inúmeras as reformas de ensino, geralmente espelhando-se em modelos que deram certo em outros países, mas que no Brasil devido às suas especificidades não conseguem o mesmo êxito.
       O panorama começou a mudar com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), o qual previu que se pudesse ofertar formas adequadas de ensino com vistas à possibilitar aos jovens e adultos o acesso e a permanência na escola.
      De lá para cá muito já foi alcançado, mas estamos longe de oferecer um Ensino Médio que capacite os jovens e adultos para o protagonismo e a cidadania de forma satisfatória, visto que a dualidade “cultura e trabalho” ainda é bem presente no panorama educacional.
      Torna-se necessário esforços para superar esta dualidade proporcionando um ensino que seja integrador e emancipador do sujeito e que ao mesmo tempo oportunize ao país capacitar profissionais competentes.
         A questão da qualidade ainda é um ponto nevrálgico em toda a educação básica. É imprescindível que haja políticas públicas que contemplem a diversidade das demandas sociais.
        As políticas públicas devem convergir para manter o jovem na escola até a conclusão do ensino médio, o que hoje não acontece, principalmente nas classes menos favorecidas.
        O projeto de Lei nº 8.035/2010 traça algumas metas a serem atingidas a médio e a longo prazo para esse segmento de ensino, mas isso somente se concretizará se todos estiverem engajados: professores, gestores, prefeitos e governadores, já que se entende que o problema da qualidade e a permanência do aluno na escola requer esforços conjuntos.

   Campo da pesquisa

    O campo da pesquisa foi um Centro de Educação Básica de Jovens, Adultos e Idosos (CEEBJA) da periferia de Curitiba.  Os CEEBJAs são frutos de um modo de pensar a educação da EJA nos moldes paranaenses desde o final da década de 1980, quando houve uma descentralização de recursos e do poder decisório das iniciativas educacionais para os estado e municípios e a elaboração de Diretrizes Político-Pedagógicas da Fundação EDUCAR, as quais visavam assegurar o Ensino Fundamental gratuito e obrigatório para todos. (DCE/PR 2006).
             Assim como as demais escolas destinadas à EJA, o CEEBJA investigado é regido pelas Diretrizes Curriculares da Educação de Jovens e Adultos no Estado do Paraná – DCE/PR (2005). Conta ainda com o Regimento Escolar, que disciplina a organização, a vida estudantil e as formas de representações da comunidade no conselho escolar e uma Proposta Político Pedagógica.
           A escola localiza-se na região sul da cidade de Curitiba, no bairro Boqueirão, apontado como um dos mais populosos da capital paranaense, tendo como atividades econômicas principais o comércio de produtos têxteis, de automóveis novos e principalmente usados.
        A sede da escola investigada oferta ao aluno duas formas de ensino: ensino individual (presencial), destinado aos profissionais que não podem frequentar diariamente os bancos escolares, tais como enfermeiros, motoristas de caminhão, cuidadores de idosos, e outros que não possuem horários normais de trabalho. Com essa opção, o aluno pode decidir o turno que deseja frequentar e só são contadas as suas presenças. Há, ainda, o ensino coletivo no qual a presença do aluno é obrigatória, tendo um funcionamento similar ao do Ensino Regular.  O aluno pode optar por uma ou outra forma, ou ainda pelas duas na sua trajetória estudantil, concluindo em menos tempo que o Ensino Regular, conforme previsto nas Leis de Diretrizes e Bases Nacionais (LDBEN).
     O CEEBJA oferece ainda Ambientes Pedagógicos Descentralizados (APEDs), instalados em regime de comodato com escolas da Prefeitura Municipal com o intuito de facilitar a continuação dos estudos de alunos que residem em locais muito afastados e que não dispõe de recursos financeiros para deslocamento até a sede (prédio principal). A solicitação para abertura de turmas vem da direção, baseada na procura de vagas. 
A pesquisa

      A pesquisa foi realizada na sede e nas APEDs no período entre 04 a 06 de agosto e distribuiu a 534 alunos do ensino médio um questionário contendo dez perguntas que servirá de base para uma pesquisa qualitativa que será elaborada em grupo, cujo resultado será divulgado no segundo artigo a ser publicado pela equipe de professores. Como resultados quantitativos preliminares pode-se observar que o gênero feminino é maioria com 312 respondentes contra 210 do gênero masculino.
        Com relação a faixa etária, 190 dos alunos respondentes estão na faixa que compreende 18 a 24 anos, 162 estão entre 25 a 30 anos, 91 estão entre 31 a 39 anos, 80 entre 40 a 59 anos e 5 estão com 60 anos ou mais.
        Quando perguntados sobre o grau de escolaridade do pai, 50 disseram que os pais não têm nenhuma escolaridade, 195 cursaram o ensino fundamental de 1ª a 4º série, 85 cursaram o ensino fundamental de 5ª a 8ª série, 83 cursaram o ensino médio, 41 tem o ensino médio incompleto, 26 o ensino superior e 54 não souberam responder.
Já com relação ao grau de escolaridade da mãe, 76 declararam que suas mães não têm nenhuma escolaridade, 217 tem ensino fundamental de 1ª a 4ª série, 63 o ensino fundamental de 5ª a 8ª série, 84 ensino médio, 25 ensino médio incompleto, 25 superior e 25 não souberam responder.
O transporte utilizado para vir à aula por 85 alunos é o ônibus, 127 de carro, 31 de motocicleta, 20 de bicicleta, 164 vêm a pé e 03 não responderam.
Com relação ao tempo gasto para deslocamento da residência ou do trabalho até o local de estudo 180 alunos levam até 10 minutos, 178 levam de 11 a 30 minutos, 121 levam de 30 minutos a 1 hora e 54 levam mais de uma hora;
Sobre a quantidade de filhos,129 declararam ter somente 1 filho, 202 mais de 01 e  177 não têm filhos. Já sobre a renda mensal da família, 200 declararam receber até 1 salário mínimo ( R$ 948,00), 261 até 3 salários mínimos ( R$ 2.844,00), 66 mais de três salários mínimos.  332 responderam que estão na modalidade de Jovens e adultos já há algum tempo e 200 que estão pela primeira vez.
Com relação à conclusão do ensino fundamental, 358 afirmaram ter concluído no ensino regular e 177 na modalidade EJA. Perguntados se se sentem motivados a estudar 501 responderam sim e 31 não. Quanto ao em que deixaram de estudar, 119 responderam que entre 2010 a 2011, 60 entre 2012 a 2013, 72 outro período , 43 não interromperam os estudos e outros períodos 16 (2009), 16(2008), 11 (2007), 18 (2006), 17(2005), 16 (2004), 7 (2003), 10 (2002), 06 (2001), 13 (2002), 13 (1999), 9 (1998), 16 (1997), 06 (1996), 03 (1995), 4 (1994), 3 (1993), 2 (1992), 04 (1991), 07  (1990), 02 (1989), 03 (1988), 03 (1987), 03 (1986), 08 ( 1985), 05 (1984), 03 (1983), 02 (1982), 01 (1980), 01 (1975), 01 (1976), 01 (1969), 01 (1967) E 01  (1966);
O motivo que os levaram a deixar de estudar, varia: 92 declararam por problemas familiares, 271 necessidade  de trabalhar, 37 mudança de bairro ou cidade, 32 experiências negativas na escolaridade anterior e 73 por outros motivos (algumas explicações descritas: gravidez, desmotivado, vadiagem/preguiça, não gostava de estudar, excesso de faltas, não tinha idade para cursar a EJA, bullying,  filhos pequenos, reprovação, desinteresse, falta de recursos financeiros/escola particular, relaxamento e mudança para o exterior);
O motivo apontado para a retomada dos estudos foi para 270 conseguir emprego ou ascender profissionalmente, já para 138 foi a aprendizagem e desenvolvimento pessoal, 54 conseguir um diploma e 29 outros motivos.
A principal contribuição do ensino médio na visão de 126 deles foi a obtenção de um diploma, 147 aquisição de cultura geral, 186 melhores perspectivas de ganhos materiais, 35 outros.
Quanto a dificuldade para prosseguir com os estudos, 142 declararam cansaço, 42 apontaram como motivo o nascimento dos filhos, 21 carga horária exigida ser muito grande, 35 afirmaram que o  horário da disciplina é incompatível , 263 não tem dificuldades e 13 outros motivos.
A pretensão após a conclusão do ensino médio para 172 alunos é passar no  vestibular, para 212 é o  curso profissionalizante, 23 afirmaram que  já atingiram os objetivos estudantis e 98 não sabem ainda.
Com relação ao bairro em que residem: 96 afirmaram que moram no Boqueirão, 16 no Hauer, 69 no Alto Boqueirão, 41 no Uberaba, 197 no Sítio Cercado, 28 no Pinheirinho, 40 no Xaxim, 11 no São José dos Pinhais, 03 na Fazenda Rio Grande, 10 no Ganchinho, 04 no Campo do Santana, 03 no Centenário/Cajuru, 04 no Guabirotuba, 01 no CIC, 03 no Tatuquara, 03 no Umbará, 01  no Campo Comprido, 01 em Piraquara, 01 no Novo Mundo, 03  no Jardim das Américas e 01  no Capão Raso.

Considerações Finais

             Antes mesmo da análise qualitativa já é possível perceber informações muito importantes que podem auxiliar a equipe no conhecimento dos alunos que compõe a escola, suas expectativas, suas dificuldades.
             Acredita-se que conhecer melhor o aluno que frequenta a escola poderá ajudar nas próximas etapas do curso.

Professores Pacto Ensino Médio no Ceebja Maria Deon de Lira – Curitiba – Paraná
- Geni Alberini
- Sueli Tinoco Vieira
- José Aparecido de Oliveira Pires
- Alice do Rocio Ladaminsky
- Marina Soares Lima K.
- Elita Bier
- Joel Soares Kaizer
- Maria Cristina Alcici P.
- Nisele Maria

           

 

Referências Bibliográficas

ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 6 ed.São Paulo: Cortez. 2008. 
ALBERINI, G.  Leitura literária: entre o discurso e a prática do professor. UFPR, 2009. Dissertação de Mestrado.

BEISIGEL,C. Estado e educação popular. São Paulo: Livraria Pioneira, 1974.
KUENZER, A, Z. Conhecimento e competências no trabalho e na escola. http://www.senac.br/BTS/282/boltec282a.htm, acesso em 17/08/2014

ROMANELLI, O. História da Educação no Brasil.Petrópolis:Vozes,1978.