O Currículo do Ensino Médio, seu Sujeito e o Desafio da Formação Humana Integral (Professores do Colégio Estadual Leonilda Papen/Mercedes/Paraná)
APONTAMENTOS SOBRE O CADERNO TRÊS
Neste texto pretendemos abordar algumas questões sobre o Currículo que acreditamos serem centrais para pensarmos a educação, em especial o Ensino Médio. Problematizamos a ausência de uma perspectiva de classe no entendimento da Educação presente no Currículo e a supervalorização pós-moderna nas alteridades. Para iniciar, cita-se uma apresentação dos autores:
Caro professor, cara professora do Ensino Médio, o principal objetivo deste texto é acompanhá-lo em uma reflexão sobre suas práticas, sobre as relações dessas práticas com o campo teórico do currículo e indagar, ainda, que implicações essas reflexões podem ter ao considerarmos as necessidades e o direito à educação que possuem os alunos jovens (e adultos) do ensino médio brasileiro. (p. 05).
Aqui já existe uma visão empobrecida sobre a educação. A educação não pode ser considerada como um “direito”, ou não somente um direito, mas como uma necessidade para quem pensa em mudar a situação socioeconômica dos principais sujeitos da educação do/no Ensino Médio nas escolas públicas do Brasil, ou seja, os filhos dos trabalhadores.
Salientamos que o que orienta nossa intenção de diálogo e de reflexão sobre a prática tem como ponto de referência permanente as experiências dos jovens e demais sujeitos do ensino médio com o mundo do trabalho, da ciência, da cultura e da tecnologia. Convidamos, assim, à leitura, à reflexão e ao diálogo, orientados por um eixo comum: os sujeitos do ensino médio e os desafios diante da perspectiva da formação humana integral. (p. 5.)
Historicamente, a visão dualista sobre a função da educação no Ensino Médio se dividia na perspectiva a) preparação para o Ensino Superior e b) preparação/qualificação para o mercado de trabalho. Em qualquer uma destas, o Currículo previa a separação das disciplinas por áreas e estas ministradas de maneira monodisciplinar, ou seja, cada especificidade respeitando os limites da sua “disciplina”. Ainda, como complementação para este Currículo, a repetição e a memorização eram práticas educacionais valorizadas, bem como a não-relação entre teoria e empiria.
Os autores trazem como perspectiva de mudança um Currículo que valorize as especificidades no ensino Médio, voltado para entender e interagir com “(...) as diferentes juventudes que o frequentam, suas identidades, suas culturas, suas necessidades”. (p. 08). Podemos criticar esta perspectiva que aborda a pluralidade, e diversidade, a alteridade e outros adjetivos que levem para a relação entre diferentes. Entendemos que em uma sociedade capitalista, dividida em classes (aqueles que trabalham e aqueles que vivem do trabalho alheio), não pode ter como ponto de referência principal o “diferente”. Há, nas escolas públicas, um ponto da diversidade na vida dos estudantes que os une: sua condição de classe trabalhadora. É esta a especificidade que precisa ser valorizada e revalorizada a cada dia dentro da escola pública para que esta identidade associada pelos estudantes. Todas as questões sobre o respeito à diversidade são muito importantes e devem ser valorizadas mas, devem ser vistas e percebidas de um local social. Caso este local não esteja claro, bem definido e valorizado, a proposta de se fazer um “(...) ensino médio sustentado na e pela finalidade de uma formação humana integral” (p. 08) não passará de mais uma tentativa frustrada.
Conforme os autores, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Parecer CNE/CEB 05/2011 e Resolução CNE/CEB 02/2012), trouxeram como eixos as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura como fundamentos para repensar o Currículo. Segundo eles, “O que elas propõem é que toda a atividade curricular do ensino médio se organize a partir de um eixo comum – trabalho, ciência, tecnologia e cultura – e que se integre, a partir desse eixo, à totalidade dos componentes curriculares”. (p. 10). Por mais que a proposta tenha como finalidade fazer uma integração entre estes eixos temáticos, falta um que acreditamos ser essencial para pensar a educação e sua função social: a política. Não temos como pensar a educação sem pensar na política – não confundida com politicagem ou somente com a política parlamentar – dada a importância desta para que os alunos se percebam enquanto classe e vejam que as possibilidades de mudança estão vinculadas com a participação destes no mundo da política. Aqui entendemos política como uma forma de entender o mundo e principalmente a atuação para que este mundo seja concretizado. Política em um sentido gramsciano, onde faz-se política fora dos meios institucionais. Esta mesma política que desde a década de 1970 está sendo denunciada como uma das formas complementares que faltavam para a educação passar de ser “Tradicional” para ser “Crítica” (p. 14).
Vemos que a política está diluída na cultura. Não compactuamos desta perspectiva. Entendemos que não podemos separar as “instâncias” sociais em partes (política separada da economia, economia separada da cultura, etc.). As “partes” devem ser entendidas no “todo” indissociável. Faz-se isso meramente como método analítico. Nas DCNEM a cultura toma o enfoque central em detrimento de outras instâncias. Isso, em nossa perspectiva, é problemático, pois atrela os problemas de outra ordem para formas culturais de ver, perceber e viver em sociedade. Uma sociedade cada vez mais, segundo eles, pulverizada por um sem-número de individualidades.
Um exemplo do que estamos a criticar na perspectiva deste entendimento do Currículo pode ser vista por meio de uma citação dos autores. Para eles,
Vamos admitir, então, a diversidade de jovens (de juventudes) e o fato de que nem sempre essa diferenciação se encontra relacionada à condição social, ao gênero ou à raça. Dentro de um mesmo grupo, com características socioeconômicas, de gênero e de raça semelhantes, desenvolvem-se comportamentos e identidades distintos. A demonstração de que os jovens podem trilhar caminhos diferentes reforça a concepção de que eles dispõem de uma margem de escolha e de autonomia para traçar seus próprios destinos. (p. 20).
É justamente esta concepção de jovens e de educação que não temos. Os jovens são diferentes, assim como os adultos são, as crianças também e os idosos. Todos somos diferentes. No entanto, esquecer ou menosprezar as diferenças de classes, que poderiam, dentro da diversidade, proporcionar uma identidade de classe, fazendo com que os jovens se percebam mais do que “cor”, “cabelo”, “música”, etc., entendendo que eles – assim como nós – estamos inseridos dentro de um contexto socioeconômico que tem a desigualdade social como fonte propulsora, como energia (é só lembrar do conceito de exército industrial de reserva). Assim, queremos enfocar, para que não haja desentendimentos, que entendemos que as diferenças culturais devem ser problematizadas, consideradas e valorizadas na prática pedagógica, mas entendemos que para além de diferenças, a educação pública deve ser destinada a emancipação humana dos filhos e filhas de trabalhadores, não mais envergonhados por não serem filhos da classe dominante, mas orgulhosos de saberem que são seus pais que promovem a sustentação econômica do país, por meio do seu trabalho. Valorizamos mais a identidade de classe do que a diversidade cultural.
Não se trata, portanto, de negar voz e vez para os jovens no contexto escolar para promover a “grande voz” da “sabedoria escolar”. Trata-se, essencialmente, de entender o Currículo de forma a valorizar uma identidade de classe crítica, disposta a lutar pelos seus direitos, que reclame e que seja insubordinada diante das imposições injustiçadas “vindas de cima”. A escola, neste contexto, tem o papel de indicar a contradição, sendo ela parte da contradição de se propor a educar tendo em vista um objetivo (a emancipação humana) mas está intimamente ligada com governos (neo)liberais que formulam propostas pedagógicas pouco reflexivas, naturalizadoras das mazelas e das diferenças sociais; com quadros funcionais preconceituosos, por vezes acomodadas e nostálgicos com a última ditadura civil-militar no Brasil; dentre outros problemas que enfrentamos nas escolas nos dias atuais. Esta, também, é uma questão que poderia ser levantada: quantos professores estão dispostas a mudar sua proposta pedagógica? Ou melhor, quantos professores estariam dispostos a mudarem suas visões de mundo, em prol da valorização dos filhos da classe trabalhadora, buscando ensinar-lhes que estes não são somente mão-de-obra, mas são cabeças pensantes e que eles é que podem mudar algo por meio de sua luta?
Quanto a relação entre a pesquisa como forma de aprendizagem os problemas são gigantescos. Primeiramente, os alunos, já viciados na prática do “onde está a resposta para eu copiar” não estão acostumados a serem pesquisadores. Eles são, quando muito, copistas. Lembram os copiadores do período medieval que, na inexistência de tipografia, copiavam a bíblia e/ou os livros manualmente. Os alunos são desde o início de sua vida escolar ensinados que as respostas precisam ser copiadas de um lugar, não problematizadas e reproduzidas de forma quanto mais idêntica possível.
De uma maneira geral, vemos que a instituição escolar – de ensino fundamental e médio – está em um processo de descrédito. Uma grande parte dos estudantes não se identificam com a educação e o que ela tem para oferecer. A tradicionalidade do ensino e as amarras que as instituições escolares – incluindo as instâncias “superiores”, como o MEC e a SEED no Paraná –, relacionada com a aprovação nem sempre merecida dos alunos que, por uma pressão para manter os números positivos de aprovação, forçam direta e indiretamente os professores a aprovar alunos que não teriam condições intelectuais para avançar nos seus estudos. Estamos diante de um Currículo pensado para melhorar a educação – na amplitude do termo – mas que é restringido pelas amarras burocráticas das instâncias gerenciadoras da educação (Federal e Estadual).
Professores do Colégio Estadual Leonilda Papen/Mercedes/Paraná
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