Malala é presenteada, por sua luta, pelas crianças sem presente

 

 

 

 

 

No período do ano em que é comemorado o Dia das Crianças(1), e o Dia do Professor(2), nada mais conveniente que conhecermos um pouco sobre a jovem Malala, pois ela tem tudo a ver  com os direitos das crianças e dos adolescentes, e educação.
Quem é Malala? Qual a sua luta? O que a fez receber esse presente, isto é, o prêmio Nobel da Paz nessa última sexta-feira? São perguntas que buscaremos responder, mesmo que brevemente, neste texto.
Quem é?
Malala Yousafzai é uma adolescente de 17 anos, que nasceu em 12 de julho de 1997, na localidade de Mingora, no distrito de Swat, no Paquistão.
O contexto
Nesse país profundamente conservador, e mais precisamente no Vale de Swat, no noroeste do país, onde muitas vezes se espera que as mulheres fiquem em casa para cozinhar e criar os filhos, apenas 34% das meninas frequentam a escola, segundo dados de 2011.
Malala nasceu e cresceu nesse contexto. No início de sua infância, a situação ainda era melhor, com a educação das meninas sendo realizada sem muito questionamento. Nos anos 2000, entretanto, a influência do talibã se tornou cada vez maior, até que o grupo dominou a região, em 2007.
Em 2008, o líder talibã local emitiu uma determinação exigindo que todas as escolas interrompessem as aulas dadas às meninas por um mês. Na época, ela tinha 11 anos. Seu pai, que era dono da escola onde ela estudava, e sempre incentivou sua educação, pediu ajuda aos militares locais para permanecer dando aulas às meninas. Mas essa atitude era sempre muito arriscada.
Sua trajetória como ativista
O Blog

Naquela época, um jornalista local da BBC perguntou ao pai de Malala se alguns jovens estariam dispostos a falar sobre sua visão do problema. Foi quando a menina começou a escrever um blog, "Diário de uma Estudante Paquistanesa", no qual falava sobre sua paixão pelos estudos e as dificuldades enfrentadas no Paquistão sob domínio do talibã.
Os posts para a BBC duraram apenas alguns meses, mas deram notoriedade à adolescente. Ela deu entrevistas a diversos canais de TV e jornais, e participou de um documentário.
Trechos do Blog, escritos em 2009
Veja agora alguns dos trechos mais tocantes de seu diário.
Sábado, 3 de janeiro    'Tive um sonho terrível'
Tive um sonho terrível ontem com helicópteros militares e o Talebã. Venho tendo estes sonhos desde o início da operação militar em Swat. Minha mãe fez café da manhã para mim e me levou à escola. Estava com medo de ir à escola, porque o Talebã havia dado uma ordem banindo as meninas da escola...
No caminho da escola para casa, ouvi um homem dizendo "vou matar você". Apertei o passo e, depois de algum tempo, olhei para trás para ver se ele ainda estava atrás de mim. Mas, para meu total alívio, ele estava falando ao celular e devia estar ameaçando outra pessoa pelo telefone.
Quinta-feira, 15 de janeiro
Hoje é... o último dia antes da ordem do Talebã passar a valer, e minha amiga estava discutindo o dever de casa como se nada além do ordinário estivesse acontecido.
Hoje, também li o diário escrito para a BBC, que foi publicado em um jornal. Minha mãe gostou do meu pseudônimo "Gul Makai" e disse ao meu pai: "Por que não mudar o nome dela para Gul Makai?". Também gostei do nome, porque o meu nome real significa "acometida pelo pesar".
Domingo, 18 de janeiro      'Alguns do meus amigos foram embora'
Meu pai disse que nosso governo protegeria nossas escolas. O primeiro-ministro também falou deste assunto. Fiquei feliz inicialmente, mas agora sei que isso não resolverá nosso problema. Aqui no Swat, nós ouvimos todos os dias que muitos soldados foram mortos e que muitas pessoas foram sequestradas em tal e tal lugar. Mas não há nem sinal da Polícia.
Quinta-feira, 22 de janeiro
Alguns dos meus amigos deixaram o Swat porque a situação aqui é muito perigosa. Não saio de casa. De noite, Maulana Shah Sauran (o membro do Talebã que anunciou o banimento de meninas nas escolas) voltou a alertar para que mulheres não saiam de casa. Ele também disse que o Talebã não atacaria as escolas que as forças de segurança usam como bases.

Domingo, 25 de janeiro     'Dúzias de escolas foram destruídas'
Parece que o Exército só pensa em proteger as escolas quando dúzias são destruídas e centenas mais são fechadas. Se eles tivessem conduzido suas operações adequadamente, não estaríamos nesta situação.
Quarta-feira, 28 de janeiro
Estamos ficando com o pai de uma amiga em Islamabad. É minha primeira visita à cidade. Ela é bonita, com belos bangalôs e estradas largas. Mas, em comparação com minha cidade no Swat, falta beleza natural...
Domingo, 8 de fevereiro     'Fico triste ao olhar meu uniforme'
Fico triste ao olhar para o meu uniforme, minha mochila e minha caixa de apetrechos para as aulas de geometria. As escolas para meninos reabrirão amanhã. Mas o Talebã baniu as meninas das escolas.
Quinta-feira, 19 de fevereiro
Disse aos meus irmãos que nós não falaremos mais da guerra, só de paz daqui em diante. Nós recebemos a informação da diretora da nossa escola de que nossas provas serão realizadas na primeira semana de março. Passei a estudar mais.
O Atentado
O receio de Malala, de tentarem matá-la, retratado em seu blog como um “sonho terrível”, infelizmente aconteceu. O ataque ocorreu no dia 9 de outubro de 2012. Malala seguia em um ônibus escolar quando foi vítima de militantes do Taleban, aos 15 anos. Dois homens entraram no ônibus que a levava para casa depois da aula, perguntando por ela. Depois de identificada, Malala foi atingida na cabeça. Segundo conta em sua autobiografia, amigas disseram que três tiros foram disparados, acertando ainda outras duas estudantes.
No Brasil o livro "Eu sou Malala" foi lançado em outubro de 2013 pela editora Companhia das Letras.
Seu crime
Seu crime foi se destacar entre as mulheres e lutar pela educação das meninas e adolescentes no Paquistão. Ela passou a ser alvo dos fundamentalistas religiosos, quando tinha apenas 11 anos, sobretudo, após a criação do blog, onde fazia campanha contra os esforços do Taliban de proibir as meninas de estudar.
Ida à Inglaterra
A chegada de Malala ao Reino Unido aconteceu seis dias após o ataque. Ela foi mantida em coma induzido, e quando despertou, dez dias depois, logo demonstrou estar consciente, procurando questionar onde estava e o que havia ocorrido, mesmo estando entubada e não podendo falar.  A jovem ainda passou por uma segunda cirurgia, e sua recuperação foi surpreendente, segundo os médicos. Havia riscos de sequelas cognitivas e problemas na fala e no raciocínio, mas Malala escapou do ocorrido sem problemas.
Atualmente
Malala teve alta apenas em janeiro de 2013, e continuou o tratamento na Inglaterra, onde passou a viver com sua família. Atualmente, ela frequenta uma escola na cidade de Birmingham.
Sua luta
Malala após ter sobrevivido ao atentado se tornou uma das principais vozes no mundo, por seu ativismo pelos direitos à educação e o direito das mulheres.
Depois do ataque, um fundo foi criado em seu nome com o objetivo de defender o direito universal à educação. Em jullho de 2013, o líder do Taleban paquistanês, Adnan Rasheed, enviou uma carta à ativista, desculpando-se pelo atentado.
Premiações antes do Nobel
Em setembro de 2013 Malala recebeu o Prêmio Internacional pela Paz da Infância. E também foi premiada por diversas organizações. Recentemente, foi laureada com o respeitado Prêmio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, do Parlamento Europeu.
O Nobel
Malala é a mais jovem ganhadora do prêmio em 112 anos de história. Juntamente com o indiano Kailash Satyarthi, ela foi laureada com o Prêmio Nobel da Paz 2014.
O prêmio, no valor de cerca 1,1 milhão de dólares, será entregue em Oslo no dia 10 de dezembro, aniversário de morte do industrial sueco Alfred Nobel, que criou a premiação por meio de seu testamento em 1895.

Malala, descobriu que havia recebido o prêmio quando estava na aula de química, mas isso não foi motivo para deixar de estudar. Ela foi em seguida à aula de física e inglês, e teve um dia normal na escola. “Meus colegas e professores me disseram que estavam orgulhosos, mas isso não vai me ajudar a passar nas provas”, brincou.
Sobre a época em que foi baleada pelo Talibã, ela disse que tinha duas opções: não falar e esperar ser morta ou falar e esperar ser morta. “Escolhi a segunda”, comentou.

Ainda sobre a surpresa em receber o Nobel, Malala expressou: “[...] isso (receber o prêmio) é algo muito grande para mim.” A adolescente disse que se sentiu honrada, mais forte e corajosa para seguir em frente. “Fico feliz em dividir esse prêmio com Kaliash Satyarhi, que luta em nome de crianças, contra o trabalho infantil.” Malala diz ter conversado com Kaliash para que os premiês do Paquistão e da Índia compareçam na entrega do prêmio do Nobel em dezembro. As duas potências nucleares têm uma relação tensa e já foram à guerra três vezes.

Em nota, o Comitê do Nobel afirma atribuir o prêmio deste ano a Kailash Satyarthi e Malala Yousafzay pela luta de ambos por direitos fundamentais de jovens e crianças. "As crianças devem frequentar a escola e não ser exploradas financeiramente", afirmou o presidente do Comitê norueguês do Nobel, Thorbjoern Jagland.
O indiano Kailash Satyarthi abandonou a carreira de engenheiro eletricista em 1980 e passou a fazer campanha contra o trabalho infantil e a organizar numerosas formas de protesto pacífico e manifestações contra a exploração de crianças para ganho financeiro. "É uma honra para todas aquelas crianças que ainda sofrem com a escravidão, trabalho forçado e tráfico", disse Satyarthi ao canal de TV CNN-IBN, após saber que ganhou o prêmio.

O prêmio foi concedido em um momento no qual as hostilidades entre Índia e Paquistão se intensificaram ao longo da disputada fronteira da região de Caxemira, de maioria mulçumana, no pior confronto entre as duas potências nucleares rivais em mais de uma década. "O Comitê do Nobel considera ser um ponto importante que um hindu e uma mulçumana, um indiano e uma paquistanesa, unam-se em uma luta comum pela educação e contra o extremismo", disse Thorbjoern Jagland, chefe do comitê do Nobel.

O presidente Barack Obama afirmou que a entrega do Prêmio Nobel a defensores dos direitos das crianças é uma vitória para todos aqueles que lutam para manter a dignidade humana. Obama destacou “a paixão e a determinação” da jovem paquistanesa e lembrou que se sentiu “impressionado com sua valentia”, quando a conheceu, no ano passado. Obama ressaltou também que Malala e Satyarthi superaram ameaças e arriscaram suas vidas para melhorar o mundo, e destacou que, mesmo seguindo religiões diferentes e vindo de países distintos, ambos compartilham um compromisso com a justiça.

E a ativista paquistanesa, Khalida Brohi, também expressou sua admiração quando soube do Nobel da amiga: “sua alma é muito mais sábia que sua idade.”

O que pensa a adolescente
Agora que soubemos o que representa e as circunstâncias que envolveu essa premiação, convém sabermos um pouco mais sobre o que pensa a ganhadora do Nobel da Paz. A seguir, destacaremos algumas das opiniões de Malala:

Acerca do Nobel
“Este não é o fim da campanha que eu comecei. Este é o início. Eu quero ver todas as crianças indo à escola. Eu me senti mais forte e mais corajosa, porque este prêmio não é apenas um pedaço de metal ou uma medalha que você veste ou um prêmio que você guarda em seu quarto.”
“[...] não importa a cor da pele, a religião ou o país: todos devem ser respeitados e lutar pelos direitos das crianças e de todos os seres humanos.”

Acerca do Taleban
"devem fazer o que querem através do diálogo. Matar, torturar e castigar gente vai contra o Islã. Estão utilizando mal o nome do Islã".
“Em razão do Taleban, muitas meninas são impedidas de ter educação no Paquistão. [...] Gostaria de ver todas as crianças indo à escola e tendo educação.”

Pronunciamento na Assembleia de Jovens da ONU, em julho deste ano
"Eles pensaram que a bala iria nos silenciar, mas eles falharam", disse em um discurso no qual pediu mais esforços globais para permitir que as crianças tenham acesso às escolas. "Nossos livros e nossos lápis são nossas melhores armas", disse ela na oportunidade. "A educação é a única solução, a educação em primeiro lugar".
"Os terroristas pensaram que eles mudariam meus objetivos e interromperiam minhas ambições, mas nada mudou na vida, com exceção disto: fraqueza, medo e falta de esperança morreram. Força, coragem e fervor nasceram", completou.
Na época, Gordon Brown, ex-primeiro-ministro britânico e enviado especial da ONU para a educação, elogiou Malala como "a garota mais corajosa do mundo" ao apresentá-la à Assembleia de Jovens da ONU.

Portanto, voltando ao título desse nosso texto, a luta de Malala, assim como a do indiano Satyarthi, é a favor das crianças sem presente, no sentido que existe ainda hoje, um grande número de crianças que não vive a infância. E também são sem presente, por não receberem os direitos, descritos na Declaração Universal dos Direitos da Criança.

Não recebem de presente da sociedade, muitas vezes, nem um nome, um abrigo, um alimento, uma escola, um zelo e um hospital.
Não recebem por parte dos pais e da sociedade: a compreensão, o amor, e o carinho.
E de brinquedo, não ganham de presente sequer o tempo livre, onde poderiam inventar seus brinquedos e brincadeiras, e se divertir à vontade. Enfim, não ganham as condições para brincar, estudar, crescer e amadurecer de forma sadia. Nesse sentido, a luta de Malala, pelo direito à educação, e a de Satyarthi, contra a exploração do trabalho infantil, se complementam. 

 

A adolescente Malala Yousafzai discursa na ONU, em julho deste ano. (Foto: AFP)

 

Foto tirada pouco antes de Malala levar um tiro na cabeça, quando tinha 14 anos

 

A jovem paquistanesa Malala Yousufzai em foto tiranda quando ainda estava internada no hospital Queen Elizabeth, em Birmingham (Foto: AFP)

 

O Talibã bombardeou escolas no noroeste do Paquistão

 

 Aamir Qureshi/ AFP)

Funcionário de uma livraria de Islamabad exibe
cópias da autobiografia da ativista paquistanesa
Malala Yousafzai (Foto: Aamir Qureshi/ AFP)

 

Notas de Rodapé:

1. O Dia Mundial da Criança é oficialmente o dia 20 de novembro, data que a ONU reconhece como Dia Universal das Crianças por ser a data em que foi aprovada a Declaração dos Direitos da Criança em 1959 e a Convenção dos Direitos da Criança em 1989. Porém, a data efetiva de comemoração varia de país para país. No Brasil, no ano de 1924, o deputado federal Galdino do Valle Filho teve a ideia de "criar" o dia das crianças. Os deputados aprovaram e o dia 12 de outubro foi oficializado como Dia da Criança pelo presidente Arthur Bernardes, por meio do decreto nº 4867, de 5 de novembro de 1924.
2. Dia do Professor: Decreto Federal 52.682, de 14 de outubro de 1963. O Decreto define a essência e razão do feriado: "Para comemorar condignamente o Dia do Professor, os estabelecimentos de ensino farão promover solenidades, em que se enalteça a função do mestre na sociedade moderna, fazendo participar os alunos e as famílias".

Referências:

 

file:///C:/Users/K-11/Documents/a%20Pasta%20Em%20Dialogo/Nobel%20Paz/'Ti...

http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2014/10/10/paq...

http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2014-10-10/malala-yousafzai-e-ativi...

http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,isso-e-muito-grande-p...

http://oglobo.globo.com/mundo/malala-este-nao-o-fim-da-campanha-que-come...

http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/10/saiba-quem-e-malala-yousafzai-...

http://g1.globo.com/tecnologia/ted-global/2014/noticia/2014/10/amiga-ati...

Comunidades: