A juventude chinesa na luta por democracia

Se no Brasil, recentemente, um grupo em passeata pelas ruas de São Paulo pedia intervenção militar imediata e impeachment da reeleita presidenta da República Dilma Rousseff, na China — mais especificamente em Hong Kong — , há algumas semanas, manifestantes pró-democracia reivindicavam o sufrágio universal nas próximas eleições da região. É comum — ou pelo menos foi bastante durante a guerra eleitoral travada, principalmente, nas redes sociais — ouvir alguém bradar um “então por que você não vai pra Cuba?”, mas raramente (ou nunca) ouve-se o equivalente a respeito da China, mesmo ela também sendo um país declaradamente socialista. Os chineses são destaque quando se fala de seu vertiginoso crescimento econômico, de seu grande potencial produtivo, de sua disputa por mercado com os EUA ou até da ínfima remuneração de sua mão-de-obra não qualificada. No entanto, pouco foi noticiada atualmente, pelo menos pela mídia brasileira, a luta da juventude chinesa pelo direito de escolher seus representantes e de viver fora do cerco controlador e opressor das ordens de Pequim.

A China é uma república socialista unipartidária, sendo governada pelo Partido Comunista da China (PCC), porém Hong Kong é considerada uma Região Administrativa Especial, o que significa que ela funciona através da Lei Básica. Tal lei foi uma das exigências do Reino Unido ao devolvê-la ao território chinês e confere um caráter autônomo à região, que possui os poderes executivo, legislativo e judiciário próprios e é adepta da economia capitalista. Apesar de sua autonomia, Hong Kong de forma alguma configura uma democracia ou encontra-se alheia ao controle do governo central chinês: seu chefe executivo é eleito por uma comissão eleitoral — que também determina os candidatos ao cargo — composta por membros representantes dos chamados “grupos funcionais”, empresários e trabalhadores escolhidos por Pequim que, além disso, têm poder de veto sob a escolha. O que os participantes da famigerada Umbrella Revolution e do movimento Occupy Central — dos quais falarei mais adiante — desejavam inicialmente era que a nomeação dos candidatos, assim como daqueles que os escolhem, fosse feita por civis, o que garantiria uma eleição por sufrágio universal e, consequentemente, democrática.

Na semana do dia 29 de setembro, manifestantes pró-democracia ocuparam o distrito financeiro de Hong Kong em forma de protesto, integrando o movimento Occuppy Central with love and peace (Ocupe a Central com paz e amor). A área foi coberta por jovens das mais variadas origens e realidades, que se organizavam através de uma cooperação coletiva — sem líderes, horizontal -, dividindo sua comida e sua água entre si, debatendo e trocando experiências. Como observado anteriormente, o objetivo era o sufrágio universal nas próximas eleições, em 2017, mas por ser uma meta extremamente grandiosa e que envolve um número infindável de burocracias, determinou-se que o foco passaria à demanda mais simples disponível: tirar do poder o atual chefe executivo de Hong Kong, C. Y. Leung. Os ocupantes da Central, inclusive, construíram um túmulo simbólico para ele.

Numa tentativa de dispersar os manifestantes, silenciar suas vozes e dar um ponto final brusco para a situação, a polícia de Hong Kong foi ordenada a entrar em confronto direto com eles numa das primeiras noites de ocupação — inclusive foi nesse contexto que surgiu o termo Umbrella Revolution (algo como Revolução dos guarda-chuvas), pois os manifestantes usavam guarda-chuvas para se proteger do gás lacrimogêneo. O que o governo chinês de certo não esperava era a explosão de críticas e a exposição de falhas tanto na sua força policial, quanto naqueles que a comandam desencadeadas pela conduta violenta de seus oficiais. Não demorou muito para que as comunidades tanto nacional quanto internacional passassem a temer um novo massacre da Praça da Paz Celestial: em 1989, centenas de pessoas foram mortas pelo exército chinês após uma série de manifestações contra a repressão do governo. Também não demorou muito para vir à tona o despreparo da polícia de Hong Kong, que até pouco tempo antes das ocupações nem sequer carregava armas consigo e era muito bem vista pela população. Em 1º de março desse ano, 29 civis foram mortos e mais de 130 feridos num ataque de muçulmanos portando facas em uma estação de trem em Kunming. Após o ocorrido, os policiais chineses, mesmo sem treinamento adequado, passaram a carregar armas e receberam a seguinte ordem: ao lidar com “terroristas” — conceito um tanto quanto vago -, devem atirar sem qualquer tipo de aviso ou hesitação.

Se, como dito no começo, a China — principalmente Hong Kong — é destaque mundial por razões econômicas, são elas as mais relevantes e decisivas quando se fala dos possíveis rumos dos protestos pró-democracia e suas consequências. Por um lado, a economia da China está se tornando menos dependente da de Hong Kong, o que faz os líderes do governo central chinês acreditarem que eles têm pouco a perder aumentando a violência na contingência dos protestos e, portanto, a pressão sob aqueles contrários aos ideais do Partido Comunista. Apesar disso, ainda é inegável a posição de Hong Kong como um centro global por onde passam grandes somas de dinheiro e como uma rota comercial crucial para entrada de investimentos estrangeiros na China, fazendo com que uma visão negativa generalizada ainda possa prejudicar o país economicamente.

Os ocupantes da Central, assim como aqueles que os apoiam ou até a população chinesa como um todo, têm plena noção de que uma transição para um regime democrático ainda é um sonho difícil de ser alcançado e que custa bem caro. Apesar disso, e mesmo que nenhuma das exigências do movimento pró-democracia seja atendida, a juventude de Hong Kong se fez presente e reverberou pelo mundo seu desejo de libertação preso na garganta dos chineses há gerações. Agora, mais do que nunca, as autoridades chinesas e a comunidade internacional sabem: em Hong Kong há resistência.

 

Por Marina Mairos

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