INTERDISCIPLINARIEDADE COMO PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA O ENSINO NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO
PACTO NACIONAL PELO FORTALECIMENTO DO ENSINO MÉDIO
COLÉGIO VITAL VRASIL – MARINGÁ - PARANÁ
CADERNO III- CIÊNCIAS DA NATUREZA
INTERDISCIPLINARIEDADE COMO PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA O ENSINO NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)
CURSISTAS:
ALEXANDRA ANDRADE OLIVEIRA
ANA LUCIA SCAPIN
IDA SIRLEI MENEGALI ABONIZIO
LUCIANE APARECIDA LOPES JUSTINI
LUIZ CARLOS SALES DE ARAUJO
MARIA DE FATIMA PEREIRA
NEUSA JUNKO IZAKI
SANDRA CANALI
SANDRA LUCIA PRUDENCIO SANTANA
SANDRA REGINA FRANCHI RUBIM
ORIENTADORA DE ESTUDOS:
SELMA MARIA SABAINI
MARINGÁ
OUTUBRO/2015
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, com as demandas na educação, faz-se necessário articular teoria e práxis, na busca de objetivos arrojados e na ação concreta, para a transformação dos homens e do mundo, dialeticamente imbricados. Diante disso, Kuenzer (1999, p. 32), em relação à prática docente, assinala que o professor “[...] precisará ser um profundo conhecedor da sociedade de seu tempo, das relações entre educação, economia e sociedade, dos conteúdos específicos, das formas de ensinar, e daquele que é a razão do seu trabalho: o aluno”.
Para pais, professores, escola e Estado, portanto, restam a grande responsabilidade em cumprir os princípios e fins da Educação Nacional contemplados na Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB): “[...] A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da Liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade a cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996, Art. 2.º, p.9).
É a educação que se encarrega de manter viva na memória de um povo todos os saberes até então acumulados e mantê-los vivos, para que as próximas gerações, com base em tais conhecimentos, possam produzir outros. Assim sendo, de acordo com as novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio – DCNEM (BRASIL, 2012), a escolha metodológica e temática representa a possibilidade de orientar trabalhos com a realidade presente, relacionando-a e comparando-a com momentos significativos do passado. Didaticamente, as relações e as comparações entre o presente e o passado permitem uma compreensão da realidade em uma dimensão histórica que transcende as explicações sustentadas no passado ou só no presente imediato.
Mediante às considerações acima acreditamos que esse momento de estudo sobre o Ensino Médio se faz relevante. O Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio (PNFEM) pode suscitar debates sobre a garantia e universalidade de direitos para refletir a questão da distância entre o discurso sobre a educação com um bem público, portanto, um direito para a população adolescente-jovem.
O PNFEM faz parte de um conjunto de ações para superar os problemas do Ensino Médio Brasileiro. As estratégias para o enfrentamento do problema vislumbram Cursos de Formação Continuada, em consonância com o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007); O Plano Nacional de Educação (Projeto de Lei nº 8.035, de 2010) e as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (Resolução CNE/CEB nº 2, de 30 de janeiro de 2012). Se caracteriza por uma ação dialogada entre o Ministério da Educação (MEC) com as Secretarias.
Durante esses dois anos pudemos analisar as propostas curriculares do Ensino Médio que contemplam uma formação humana integral, tendo o adolescente e o jovem como sujeitos e protagonistas de sua história. O curso PNFEM tem como linha mestra a temática Sujeitos do Ensino Médio e a Formação Humana Integral, considerando as quatro dimensões presentes nas DCNEM: trabalho, Cultura, Ciência e Tecnologia.
No caso de nosso grupo de pesquisa do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, o perfil dos alunos corresponde ao trabalhador estudante (Educação de Jovens e Adultos - EJA), que leva sua dupla jornada (trabalho-estudo) pela necessidade de sobrevivência, tanto para manutenção da família quanto para sustento próprio.
Nesse sentido, pretendemos nesse texto, apresentar uma possibilidade de sequência didática sob uma proposta interdisciplinar na área das Ciências da Natureza. Primeiramente, abordaremos sobre a relevância do protagonismo do jovem e adulto na apropriação e na construção do conhecimento. Na sequência destacaremos a possibilidade de abordagem interdisciplinar na área das Ciências da Natureza. Por fim, apresentaremos uma sequência pedagógica que privilegie o diálogo entre os componentes curriculares Biologia, Física e Química, organizados na área Ciências da Natureza, os quais contribuem com a meta de possibilitar a formação integral do estudante.
2 INTERDISCIPLINARIEDADE COMO PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA O ENSINO NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)
Na contemporaneidade, nos debates que permeiam a Educação, o ponto nevrálgico é a política de universalização do direito à educação, contemplados no Plano Nacional de Educação (PNE) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEMs).
Nesse debate, pois, percebe-se a relevância dos componentes curriculares da área das Ciências da Natureza - Biologia, Física e Química -, no processo de qualificação dessa universalização do ensino.
Sabe-se que os diferentes componentes curriculares têm suas especificidades e suas fronteiras bem definidas, bem como suas tradições e procedimentos instituídos, fundamentadas em seus estatutos epistemológicos. Por conseguinte, inseridos em uma sociedade capitalista, muitos profissionais pensam e atuam educacionalmente em uma lógica utilitarista do conhecimento, onde os conteúdos são repassados de forma fragmentada e generalizada, não havendo uma transversalidade entre os conteúdos.
Destacamos, porém, que nossa visão de educação se dá pelo entendimento de que a formação humana implica o desenvolvimento do homem nas dimensões da cognição, da ética e da afetividade. Para tanto, o homem precisa ter acesso aos conhecimentos científico, filosófico e artístico, contemplando nas distintas disciplinas curriculares. Desse modo, observamos que para se apropriar desses saberes com propriedade, transcendendo a esfera do senso comum, torna-se preciso privilegiar uma abordagem interdisciplinar na transmissão desses conhecimentos.
Enfatizar a interdisciplinaridade e a integração na área das Ciências da Natureza, e seus componentes curriculares, - Biologia, Física e Química -, podem contribuir para a formação integral do jovem e do adulto. Essa estratégia, porém, pressupõe o despojamento das heranças e tradições de um ensino linear, fragmentado e isolado, muitas vezes até dos componentes curriculares das áreas afins. Nesse contexto, destacamos, também, a posição secundária ocupada pelas Humanidades.
Assim, propor um projeto pedagógico no Ensino Médio brasileiro envolve desafios e comprometimentos. Essa estratégia de trabalho interdisciplinar exige o “encargo da compreensão”. Entendemos que o domínio de uma determinada disciplina requer um conhecimento de seus conceitos básicos, de suas categorias de observação de pesquisa. Isso implica, primeiramente, uma formação eficiente do profissional de educação, para poder levar seus alunos à aprenderem conteúdos com a possibilidade de buscarem links, conexão com as demais disciplinas. Enfatizamos, porém, que nossa perspectiva de interdisciplinaridade não significa trabalhar em uma formatação de projeto, de seguir apenas um eixo temático, muitas vezes, forçando uma conexão dos conteúdos nas distintas áreas de saberes. Nosso olhar e nossas ações pedagógicas se pautam no entendimento de que o patrimônio cultural da humanidade se tocam, se interagem, se interligam, se integram, sem, porém, se unificarem.
Salientamos que as práticas de linguagem abrem condições propícias para esse diálogo entre as diferentes especialidades das Ciências da Natureza com outras áreas do conhecimento. Eis um cenário desafiador para buscarmos a apropriação do legado das Humanidades por meio da construção de uma integração entre seus componentes curriculares.
Ao refletirmos a respeito de nossa prática Saviani (2010) afirma que é preciso ter consciência de que toda ação educativa é intencional, ou seja, não há neutralidade nesse processo. Portanto, todo o fazer pedagógico, do planejamento à avaliação, é um fazer político, que se concretiza por meio de um processo eminentemente coletivo. Nesse sentido, o modo como o professor conduz a disciplina reflete-se diretamente na maneira como ele é aprendido e internalizado pelo aluno. Enfim, entende-se que escola/currículo escolar deveria buscar condições para que o aluno desenvolva, ao máximo, suas potencialidades, capacidades intelectuais e sociais.
Todavia, é preciso ressaltar que há limites impostos à escola na busca por essa formação humana integral que não podem ser desprezados. Há também a necessidade de os documentos norteadores do trabalho pedagógico/escolares: Projeto Político Pedagógico (PPP), Proposta Política Curricular (PPC) e Plano de Trabalho Docente (PTD) estarem articulados entre si e com as especificidades dos sujeitos que compõem a comunidade escolar, para uma possível formação humana integral.
É possível trabalhar os conteúdos numa perspectiva integradora, mas, é preciso também repensar a organização do tempo e do espaço escolar, para então se oferecer suporte a novas propostas de ressignificação dos saberes escolares, rever o PPP, PPC e PTD, bem como garantir o direito do educando aos conhecimentos historicamente construídos.
As áreas de conhecimento, nesses termos, na organização curricular devem expressar o potencial de aglutinação, integração e interlocução de campos de saber, ampliando o diálogo entre os componentes curriculares e seus respectivos professores.
As novas DCNEM orientam a organização do currículo em áreas de conhecimento, correspondentes aos propósitos do Ensino Médio: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciência da Natureza. Esta organização permite uma Integração mútua de conceitos, da terminologia, da metodologia e dos procedimentos da análise. As áreas de conhecimento na organização curricular devem expressar o potencial de aglutinação, integração e interlocução de campos de saber, ampliando o diálogo entre os componentes curriculares e seus respectivos professores. Entendemos que essa estratégia traz resultados consideráveis para os educandos, bem como possibilita uma transformação na cultura escolar, a qual se encontra rígida e fragmentada. Trata-se de um tipo de organização que tem a interdisciplinaridade como princípio e a contextualização como recurso. Lembrando que contextualizar os conteúdos escolares não é liberá-los do plano abstrato da transposição didática para aprisioná-los na espontaneidade e na cotidianidade. A organização do currículo em áreas de conhecimento não deve substituir a especificidade de cada componente curricular (disciplinas).
Essa organização deve ser vista sob uma perspectiva interdisciplinar e contextualizada, que se utiliza do trabalho como princípio educativo e da pesquisa com princípio pedagógico. Se a escola hoje não atende as necessidade e especificidades dos jovens, também não dará suporte aos profissionais da educação para o desenvolvimento de práticas pedagógicas diferentes das que vivemos.
A Gestão Democrática, nesse contexto, segundo Paro (1998) é uma possibilidade de se efetivar na escola práticas pedagógicas emancipadoras que garantam os direitos dos docente e dos discentes e de todos que nela atuam. Sabemos que existem situações de exclusão dentro da escola que precisam ser superadas. Por isso, se faz necessário a participação de todos os segmentos, de todas as vozes para a construção de uma escola pública justa com equidade que garanta o acesso e o sucesso de todos que nela ingressam. Faz-se premente a participação de todo o coletivo, englobando as instâncias colegiadas - Associação de Pais, Mestres e Funcionários (APMF), o Conselho Escolar, o Conselho Escolar e o Grêmio Estudantil -, bem como na construção dos documentos essenciais do fazer escolar – o PPP, o PPC e o Regimento Interno. Aos docentes, também, cabe a importante tarefa de elaboração do PTD, articulado aos demais documentos da escola e que se efetivará na sala de aula. Esse se institui como um espaço de vivência pedagógica que se for democrático garantirá a possibilidade de uma formação humana integral.
Nesse contexto, outro desafio que cabe a escola está relacionado ao conceito de Avaliação. Luckesi (2011) assevera que se faz urgente romper com a concepção de avaliação, como sinônimo de medida, de prova, e tendo como função a classificação e a hierarquização. Cabe ao professor considerar a avaliação como parte integrante dos processos de ensino/aprendizagem, com funções diagnóstica, formativa e somativa.
Os desafios no campo da avaliação impostos aos professores, todavia, são muitos: Qual seria o real significado da avaliação escolar? Quando avaliar? O que avaliar? Por que avaliar? Para que avaliar? Quais instrumentos utilizar? Que critérios seguir? Como mensurar? O que fazer com os resultados da avaliação? Como lidar com o desinteresse do aluno pela avaliação? Entende-se, diante dessas indagações, que se faz necessário a todos os profissionais da educação, obter conhecimentos teóricos acerca das concepções filosóficas que direcionam o trabalho pedagógico na escola, em especial, ao que concerne à concepção de avaliação.
Conforme o PPP da escola em que atuamos, a avaliação voltada para a aprendizagem contribui para a formação do aluno, por isso, é indispensável que ela não seja interpretada como um momento estático, mas como possibilidade de observação de um processo dinâmico, intencional e planejado. Assim, levará à não exclusão dos alunos.
Para evitar a classificação e a exclusão na prática avaliativa, saliente-se a importância da avaliação diagnóstica, que dá suporte à organização dos encaminhamentos metodológicos desenvolvidos pelos professores durante o ano letivo. Portanto, promover a avaliação de forma democrática na escola é compreender que sua finalidade é garantir a apropriação do conhecimento por todos os alunos. Avaliar a aprendizagem, por conseguinte, implica avaliar o ensino oferecido, pois, se não houver a aprendizagem esperada, significa que o ensino não cumpriu sua finalidade.
Acerca da EJA, a modalidade de atuação do professor é inerente à organização pedagógico-curricular no que diz respeito à valorização dos diferentes tempos necessários à aprendizagem dos educandos. Considerando seus saberes adquiridos na informalidade das suas vivências e do mundo do trabalho, face à diversidade de suas características, sua aprendizagem pode ser enriquecida, transcendendo o senso comum.
Cabe ressaltar ainda que a organização metodológica das práticas pedagógicas dessa modalidade, deve considerar os três eixos articuladores propostos nas Diretrizes da Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2000): Trabalho, Cultura e Tempo. Estes devem articular a apropriação do conhecimento que não se restringe à transmissão/assimilação de fatos, conceitos, ideais, princípios, informações etc., mas sim, compreender a aquisição cognoscitiva e estar intrinsecamente ligados à abordagem dos conteúdos curriculares propostos para a Educação Básica. Esse referencial deve obrigatoriamente subsidiar a organização do PTD da EJA e, consequentemente, todo o processo de avaliação/critérios e instrumentos da modalidade. Infelizmente, mesmo diante das considerações acima a desistência é significativa na EJA. Anualmente os dados e taxas são levados ao conhecimento de toda a comunidade escolar para traçar metas na tentativa de superação ou diminuição dos índices.
Nesse sentido, destacamos a relevância desse curso PACTO, como uma formação continuada, para o aprimoramento da prática pedagógica, bem como uma oportunidade de analisarmos questões pertinentes para o fortalecimento do Ensino Médio. Nesses termos, apresentaremos uma proposta de sequência pedagógica sob o viés da interdisciplinaridade, perpassando e dialogando com as diferentes áreas dos saberes.
3 SEQUÊNCIA DIDÁTICA COMO POSSIBILIDADE DE ABORDAGEM PEDAGÓGICO-CURRICULAR NA ÁREA DAS CIÊNCIAS DA NATUREZA
Em se tratando da relação sujeito e escola, é preciso considerar, a princípio, o fato de que o aluno, assim que ingressa no ambiente escolar, traz consigo uma gama de experiências variadas, as quais, muitas vezes, sequer são contemplados no currículo oficial escolar. Seria esta, então, uma primeira culpa, dentre as várias, que a escola carregaria. No entanto, como a proposta é eliminar o jogo de culpados, convém questionar, portanto, qual seria o papel da escola diante da diversidade cultural que compõem nosso alunado.
A estratégia inicial de nossa prática é conhecer o aluno nesse aspecto, por meio de entrevistas individuais ou mesmo debates coletivos em sala de aula. Para tanto, a socialização, no caso da Educação de Jovens e Adultos, é contemplada constantemente no decorrer da prática docente, uma vez que esta lida com o aluno que está tentando se (re) inserir ou aperfeiçoar sua atuação no mercado de trabalho pela formação escolar, à qual não teve acesso, interesse ou precisou interromper no período regular.
Desse modo, a escola pode contribuir para que o aluno se sinta sujeito, de direitos e de deveres, tornando-se, por conseguinte, protagonista de sua história, de sua comunidade escolar, enfim de sua sociedade.
Neste sentido, Goodson (1995) deixa claro a importância da história do sujeito para a contribuição na construção do currículo de maneira que o respeito a diversidade exista e prevaleça. Esse entendimento nos leva a refletir sobre o Currículo. Considerar tais especificidades do sujeito, aponta para a contemplação da diversidade na prática escolar, permitindo somar o conhecimento formal (promovido pela escola) ao intuitivo (adquirido pela vivência). Para que essa amplitude seja desenvolvida, é preciso que o professor assuma um papel além de transmitir conhecimentos, e sim, avance para uma mediação mais efetiva e pontual no decorrer da aprendizagem do aluno. Nessa medida, é importante destacar que, conforme preveem nossas DCNEM que elegem as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura como alicerce da proposta e do desenvolvimento curricular, se faz imperativo a mediação do professor que domine o conteúdo; que se preocupe em planejar formas de apresentá-lo; que tenha conhecimento do seu aluno; que possua formação continuada consistente; que seja participante das discussões das políticas públicas; que estude e seja capaz de promover uma prática docente de modo a promover o indivíduo, buscando continuamente a formação humana integral.
Entendemos que a mediação do professor só ocorre se for subsidiada por políticas públicas sólidas, bem como por um ensino significativo para o sujeito histórico, pautando o conhecimento à prática, ainda que nem todo conhecimento seja utilitário. Além disso, é preciso cogitar que o processo de ensino/aprendizagem deveria privilegiar a abordagem holística, cuja perspectiva reside no fato da conscientização de que as atitudes individuais intervêm absolutamente no coletivo.
Antes de apresentarmos nossa proposta, julgamos ser relevante lembrar que. De acordo com Saviani (2007), tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica - LDB, de 1996, quanto o Plano Nacional de Educação - PNE, de 2014, determinam que o governo federal estabeleça os conteúdos a serem ensinados na educação básica. Uma legislação que abrangesse escolas públicas e privadas se consolidou.
Diante dessa parte do processo histórico da educação no Brasil é inevitável percebermos muitas mudanças relacionadas principalmente às políticas educacionais, que nem sempre foram significativas, positivamente, em prol de uma educação de qualidade. Conforme essas mudanças políticas educacionais ocorrem, os conteúdos acabam sofrendo mudanças também.
Essas políticas estão, contudo, mais voltadas às práticas metodológicas, à compreensão de um determinado conteúdo, do que no conteúdo em si. Vale lembrar, que, ao longo da História da Educação, o trabalho do professor passou por várias tendências pedagógicas com um mesmo conteúdo. A revista Nova Escola registrou algumas mudanças nos últimos 25 anos: De 1986 até meados dos anos 1990, foi a valorização do 'aprender brincando'. Os conteúdos aprendidos (se é que se aprendia algo) não eram valorizados.
Segundo Saviani (2007), em 1987, baseadas nas ideias de Jean Piaget, a aprendizagem era encarada como algo espontâneo. Com o tempo, ficou claro que o professor tem um papel fundamental no processo. Durante os anos 1990: Para ensinar a turma, é preciso desenvolver projetos criativos.
No começo dos anos 2000, se tornaram recorrentes os projetos com foco em meio ambiente. As crianças eram incentivadas a entregar panfletos, coletar lixo reciclável e utilizar a sucata para fazer brinquedos (que logo retornavam ao lixo). A intenção era conscientizá-las por meio dessas ações. Na prática, recolher lixo na praça não ensinava e só ajudava a resolver um problema imediato. Sendo assim, observamos que a maioria dos conteúdos permaneceram, ao passo que o método de os ensinar é que passa por mudanças.
Nesse sentido, apresentaremos uma proposta pedagógica que prime tanto o conhecimento científico construído historicamente quanto conhecimento do senso comum, da vivência de nosso aluno. Ressaltamos, porém, que buscaremos transcendê-lo para a dimensão do pensamento filosófico, que a nosso ver, contribuem para a formação integral de nossos alunos.
Desse modo, o desafio da escola contemporânea se firma no cumprimento de seu papel hegemônico na transmissão do conhecimento historicamente construídos, capacitando os alunos para refletirem com criticidade e agir com comprometimento. A educação, que prepara o homem para viver coletivamente, necessita ser condizente com os anseios da sociedade, todavia, lembra, Rubim (2010), a responsabilidade com a formação humana se institui como um imperativo. As instituições educacionais, professores e todos aqueles que de uma forma ou outra se envolvem no processo de ensino devem se comprometer com um método educacional que oportuniza o desenvolvimento do conhecimento no indivíduo, para que esse consolide sua autonomia intelectual.
Essa seção, pois, discorre sobre possibilidades de abordagens pedagógico-curriculares na área das Ciências da Natureza, nas inter-relações entre a Biologia, a Física e a Química, como também entre as demais áreas de conhecimento, visando garantir a formação integral do indivíduo.
3. 1 ENERGIA NUCLEAR SOB OS DIFERENTES OLHARES DO CONHECIMENTO
De acordo com Santos et. al (2013), nos dias atuais percebemos que a energia nuclear tem alcançado uma posição de destaque na mídia, em especial, ao que diz respeito ao seu uso para gerar energia elétrica por meio das usinas nucleares ou para armas atômicas. Muitas vezes, presenciamos algumas manifestações de Organizações não Governamentais (ONGs) condenando seu uso. Divulgam-se que as aplicações das reações nucleares afetaram muito a sociedade e continuam muito presente em nosso dia a dia.
Nesse sentido, julgamos relevante que o aluno conheça esse fenômeno de forma mais profunda, para ser munido de conhecimentos necessários para analisar e se posicionar de maneira crítica e consciente sobre o tema. Para Fonseca (2013), falar de energia nuclear pressupõe, também, desenvolver questões de qualidade de vida, visto que a radiação é empregada na medicina, na indústria alimentícia para a conservação de alimentos entre outros. Porém, o uso da radiação para a obtenção de serviços ou produtos produz resíduos, os chamados lixos nucleares, que oferecem grande risco à população e ao meio ambiente. Ter uma noção mais clara de todos os riscos e possibilidades da atividade nuclear se faz fundamental para o desenvolvimento da cidadania.
Dessa forma, trabalhar esse conteúdo com interação com o social, levando em conta a influência da ciência e da tecnologia na sociedade, pode proporcionar ao aluno uma aprendizagem mais significativa, tornando-o um cidadão mais crítico e alfabetizado cientificamente.
Apresentaremos, por conseguinte, uma sequência pedagógica que perpassa os saberes inseridos nas disciplinas das Ciências da Natureza. Nosso objetivo, se fundamenta na compreensão do fenômeno da radioatividade, seus malefícios, benefícios, bem como a sua relação com o cotidiano e suas implicações na Ciência e na Tecnologia.
Para abordamos esse tema os conteúdos selecionados foram:
- Radioatividade: conceito - fenômenos de origem nuclear.
- A descoberta da radioatividade – histórico.
- Radioatividade natural e artificial
- Reações nucleares.
- Aplicações de radioisótopos.
- Efeitos biológicos das radiações.
- Geração de energia elétrica por origem nuclear.
- Poluição radioativa.
Esses conteúdos exigem direcionarmos nossas ações ao encontro dos seguintes objetivos específicos:
- Conceituar energia nuclear.
- Caracterizar as partículas alfa, beta e a radiação gama.
- Equacionar as reações de desintegração quando o átomo emite partículas alfa e beta.
- Determinar o tempo de meia-vida de uma amostra.
- Interpretar gráficos que relacionam a quantidade de massa do isótopo que foi desintegrada em função do tempo.
- Identificar as principais aplicações da radioatividade: determinação da idade de fósseis e objetos antigos, aplicações na medicina, radioisótopos na agricultura, irradiação de alimentos, aplicações na indústria, contador Geiger, geração de energia elétrica.
- Analisar as consequências dos acidentes nucleares.
- Entender as consequências do efeito biológico da radiação nos seres vivos.
Para tanto, faz-se necessário elegermos alguns caminhos e estratégias. Nesse sentido, apresentaremos as 3 etapas de nosso trabalho.
Na primeira etapa, buscaremos conhecer os conhecimentos prévios dos alunos sobre radioatividade, a partir de problematizações. Utilizando o fragmento da música Rosa de Hiroshima, de Vinícius de Moraes e Gerson Conrad, cantada por Ney Matogrosso, faremos os seguintes questionamentos para os alunos sobre a mensagem da música: A radioatividade representa somente algo perigoso associado a armas e acidentes nucleares? O que é radioatividade? De onde vem a energia nuclear? As pessoas têm contato com a radiação em seu dia a dia? Você acha que a radiação é benéfica ou maléfica ao ser humano? Cite exemplos.
Na sequência, serão desenvolvidas atividades com base nos conhecimentos prévios dos alunos. Para retornar às questões após o estudo dos conceitos, solicitaremos que as respostas sejam anotadas no caderno.
Na segunda etapa, serão abordados os conteúdos envolvidos sob o aspecto interdisciplinar, tomando como ponto de partida as respostas dos alunos na etapa 1, direcionando, desse modo, o debate sobre os conteúdos a serem explorados.
As atividades propostas são:
Atividade 1- Por meio do texto: Energia Nuclear (Livro Química Cidadã), que perpassa temas sociais, como: saúde, tragédias, produção de energia. Podemos propor um estudo em grupos sobre as controvérsias do uso da energia nuclear a partir das questões elencadas no final do texto.
Atividade 2 - Apresentar aos estudantes o conteúdo científico de forma expositiva, dialogada, lançando mão de recursos didáticos, como imagens, vídeos, imagens, gráficos, entre outros.
Atividade 3 -Tipos de radiação – imagens sobre os três tipos de radiação (alfa, beta e gama). Após a explicação sobre essas radiações, os alunos deverão se organizem em círculo, para que citem exemplos de aparelhos ou fenômenos do cotidiano, onde se possam encontrar essas radiações.
Atividade 4 - As leis de desintegração radioativa e efeitos fisiológicos da radiação, utilizar a sala da informática para pesquisarem sobre o assunto.
Atividade 5 - Assistir documentários como, A tragédia de Goiânia com o Césio-137, a tragédia de Chernobyl, A bomba de Hiroshima e Nagasaki, Ciclo do Urânio, Funcionamento de uma Usina Nuclear, entre outros. Esses temas estão disponíveis em < www.quimica.seed.pr.gov.br/modules/video/showVideo.php?video=9626 >. Os documentários colaborarão para análise da ação da radiação nos organismos e discussão do conteúdo.
Atividade 6 - Propor o jogo virtual sobre o salvamento de uma usina nuclear. Neste jogo o aluno tem o objetivo de salvar uma usina nuclear que está prestes a entrar em colapso, o que deixaria a cidade que ela abastece sem energia. Mas antes de chegar a usina o aluno será desafiado a usar seus conhecimentos sobre o tema, passando por quatro ambientes, onde situações baseadas em diferentes formas de uso das radiações no cotidiano são transformadas em perguntas. Por meio do conteúdo científico o aluno poderá realizar associações com os textos lidos anteriormente, e desse modo, poderá levantar discussões e responder as questões. O Jogo se encontra no site < http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/handle/mec/15880 >. A atividade permite analisar a problemática energética, assim como, a necessidade do uso racional dos recursos energéticos e a substituição dos potencialmente agressivos ao meio ambiente.
Atividade 7 - Dividir a turma em dois grupos para elaboração de materiais, como por exemplo, cartazes, maquetes, painel. Depois eles apresentarão argumentos sobre as discussões durante as atividades desenvolvidas, listando os malefícios e os benefícios da radioatividade.
Por fim, na terceira etapa, será o momento de sistematização do conhecimento científico-tecnológico-social. Para a finalização das aulas trabalhadas durante esta sequência didática, o professor aplicará as mesmas questões da etapa 1, permitindo, assim, que o professor possa avaliar a contribuição dessa atividade ao aluno na apropriação do conhecimento de radiações e de suas relações com seu cotidiano. Os alunos ainda poderão preparar folhetos e cartazes de esclarecimento que incluam questões como: O que são as radiações? Como se proteger delas? Ou ainda fazer um levantamento dos lugares no cotidiano que armazena material radioativo, bem como sobre a forma de descarte.
As atividades desenvolvidas para trabalhar na perspectiva do movimento CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade), seguiu a metodologia de acordo com as seguintes fases:
a. Iniciar com uma questão social/ambiental: energia, armas nucleares relacionada a uma tecnologia (usinas e bombas).
b. Trabalhar o conteúdo científico: radioatividade
c. Estudar a tecnologia em função do conteúdo: a relação do tipo da radiação e suas aplicações.
d. Retomar a questão social e ambiental: uso da radioatividade para atender a demanda de energia e as implicações de seus riscos.
Torna-se importante destacar que além da química, física e biologia, o tema pode dialogar com outras disciplinas. Na Geografia vale lembrar os acidentes de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro; Chernobyl, na Ucrânia e Césio -137, em Goiânia. Na Matemática poderemos elaborar gráficos com porcentagem de isótopos em função do tempo. Em História pode-se apresentar o histórico da radiação e das Bombas lançadas em Nagasaki e Hiroshima. A Língua Portuguesa pode realizar leitura e interpretação de textos, em diferentes gêneros textuais.
Para o desenvolvimento desse trabalho, a sequência didática deve ser planejada e desenvolvida dentro de um organograma pré-estabelecido com um número definido de aulas e sua duração, dessa forma o professor poderá avaliar e planejar as intervenções que se fizerem necessárias no decorrer desse processo.
Salientamos que, por meio de uma sequência didática, poderemos incorporar na prática pedagógica uma metodologia de ensino que possibilite ao aluno, não apenas a leitura e a expressão oral de conteúdo, mas, também, a reflexão sobre diferentes situações e contextos no âmbito da disciplina estudada. Merçon e Quadrat (2004) lembram que essa prática pedagógica possibilita a criação de situações de ensino aprendizagem mais eficazes para as mais diversas modalidades de ensino. A organização das atividades em sequência oportuniza aos alunos o domínio de diversos gêneros textuais que permeiam a vida em sociedade, preparando-os para saberem usar a língua, nas mais variadas situações sociais, oferecendo-lhes instrumentos eficazes para melhorar suas capacidades de ler e escrever.
REFERÊNCIAS
BRASIL. LDB. Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional. Lei federal nº 9394 de 26 de dezembro de 1996. Brasília, DF: Senado, 1996.
_________. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos – CNE/CEB. Parecer n.º 11/2000. Brasília: Conselho Nacional de Educação, 2000.
_________. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação Câmara de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Resolução n.º 2, de 30 de Janeiro 2012. Brasília: Conselho Nacional de Educação, 2012.
FONSECA, Martha Reis Marques da. Química. Vol.3, São Paulo: Ática, 2013.
GOODSON, Ivor. F. Currículo: Teoria e História. Petrópolis/RJ: Vozes, 1995.
KUENZER, Acácia Zeneida. As políticas de formação: a constituição da identidade do professor sobrante. Educação e Sociedade. Campinas, v. 20, nº 68, dez. 1999.
LUCKESI, Carlos Cipriano. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. São Paulo: Cortez, 2011.
MERÇON, Fábio; QUADRAT, Samantha Viz. A radioatividade e a História do Tempo Presente. Química Nova na Escola, n19, p. 27-30, 2004.
PARO, Vitor. Gestão democrática da escola pública. 2.ª ed. São Paulo: Ática, 1998.
RUBIM, Sandra Regina Franchi. História da Educação, poder e imagens: representações régias do século XVI. 192 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá/Pr, 2010.
SANTOS, Wildson L. P. et al. Química Cidadã. Vol. 2. São Paulo: AJS, 2013. Disponível em: < file:///C:/Users/SANDRAREGINA/Downloads/199233-266620-1-PB.pdf >. Acesso em: 12 out. 2015.
SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2007.
SAVIANI, Nereide. Saber Escolar, Currículo e Didática. Problemas da unidade conteúdo/método no processo pedagógico. 6.ª ed. rev. Campinas/SP: Autores Associados, 2010.
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