Formação Humana Integral, o Currículo do Ensino Médio e seus Sujeitos
Denise Santos
Edileia de Aquino Ramalho
Eliana Gomes Santana
Eliane de Souza
Elismery Ferreira Macarios
Elizabeth Vidolin Alpendre
Fernanda Caldas Fuchs
Noely Maria Lesnau
Simone Vosne Portela
As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM) objetivam a Formação Humana Integral, alicerçadas na perspectiva de que trabalho, tecnologia, ciência e cultura devem constituir-se em elementos principais do currículo dos alunos no Ensino Médio no Brasil. Além disso, as diretrizes concebem o trabalho enquanto princípio educativo e a pesquisa enquanto princípio pedagógico no processo de formação dos jovens desse nível de ensino. Para isso se faz necessário a reformulação do currículo, para que os conteúdos sejam mais significativos para os alunos, de forma que possam relacionar os conhecimentos ao seu contexto de vida, concretizando-se na práxis.
O trabalho deve ser entendido em sua forma ontológica, isto é, relacionado a toda prática e ação humana. O trabalho humano se diferencia do trabalho instintivo animal por ser consciente e proposital. Assim, esta capacidade de ter consciência de suas necessidades e de projetar meios para satisfazê-las, diferencia o ser humano dos outros animais. Por meio do trabalho a humanidade cria e recria o mundo em que vive, de forma consciente e intencional. Esta dimensão do trabalho é o ponto de partida para a produção de conhecimentos e de cultura pelos grupos sociais. Desta forma, através do trabalho o homem produz conhecimentos que, sistematizados sob o crivo social e por um processo histórico, constitui a ciência.
A ciência, portanto, é o conjunto de conhecimentos sistematizados, produzidos socialmente ao longo da história, na busca da compreensão e transformação da natureza e da sociedade. Dessa maneira o conhecimento de cada parte da realidade constitui os campos da ciência, que são as disciplinas científicas. Conhecimentos assim produzidos e legitimados socialmente ao longo da história são resultados de um processo empreendido pela humanidade na busca da compreensão e transformação dos fenômenos naturais e sociais.
Nesse sentido, a ciência contribui na elaboração de conceitos e métodos cuja objetividade permite a transmissão para diferentes gerações, ao mesmo tempo em que podem ser questionados e superados historicamente, no movimento permanente de construção de novos conhecimentos.
Por sua vez, a tecnologia pode ser conceituada como transformação da ciência em força produtiva. O desenvolvimento da tecnologia visa à satisfação de necessidades que a humanidade se coloca, o que nos leva a perceber que a tecnologia é uma extensão das capacidades humanas. A partir do nascimento da ciência moderna, pode-se definir a tecnologia, então, como mediação entre conhecimento científico (apreensão e desvelamento do real) e produção (intervenção no real).
A cultura deve ser entendida como o modo de vida de uma população e corresponde a valores éticos e estéticos que orientam as normas de conduta de uma sociedade. Uma formação integral, portanto, não somente possibilita o acesso a conhecimentos científicos, mas também promove a reflexão crítica sobre os padrões culturais que se constituem em normas de conduta de um grupo social.
Assim, evidencia-se a unicidade entre as dimensões científico-tecnológico-cultural, a partir da compreensão do trabalho em seu sentido ontológico, pois a unidade entre pensamento e ação está na base da capacidade humana de produzir sua existência. É na atividade orientada pela mediação entre pensamento e ação que se produzem as mais diversas práticas que compõem a produção de nossa vida material e imaterial: o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura. Por essa razão trabalho, ciência, tecnologia e cultura são instituídos como base da proposta e do desenvolvimento curricular no Ensino Médio de modo a inserir o contexto escolar no diálogo permanente com a necessidade de compreensão de que estes campos não se produzem independentemente da sociedade, e possuem a marca da sua condição histórico-cultural.
Para tanto, a concepção do trabalho como princípio educativo apresenta-se como base para a organização e desenvolvimento curricular em seus objetivos, conteúdos e métodos. Considerar o trabalho como princípio educativo equivale dizer que o ser humano é produtor de sua realidade e, por isso mesmo dela se apropria e pode transformá-la. E, ainda, que é sujeito de sua história e de sua realidade.
Em síntese pode-se afirmar que o trabalho é a primeira mediação entre o homem e a realidade material e social, constituindo-se como prática econômica porque garante a existência, produz riquezas e satisfaz necessidades. Desta forma, a concepção do trabalho como princípio educativo deve integrar o currículo, possibilitando a apropriação de conceitos necessários para a intervenção consciente na realidade e a compreensão do processo histórico de construção do conhecimento.
A pesquisa como princípio pedagógico torna-se imperativa diante da produção acelerada de conhecimentos, característica deste novo século, trazendo para as escolas o desafio de fazer com que esses novos conhecimentos sejam socializados de modo a promover a elevação do nível geral de educação da população.
O aumento exponencial da geração de conhecimentos tem, também, como consequência que a instituição escolar deixe de ser o único centro de geração de informações. A ela se juntam outras instituições, movimentos e ações culturais, públicas e privadas, além da importância que vão adquirindo na sociedade os meios de comunicação como criadores e portadores de informação e de conteúdos desenvolvidos fora do âmbito escolar.
Apesar da importância que ganham esses novos mecanismos de aquisição de informações, é importante destacar que informação não pode ser confundida com conhecimento. O fato dessas novas tecnologias se aproximarem da escola, onde os alunos, às vezes, chegam com muitas informações, reforça o papel dos professores no tocante às formas de sistematização dos conteúdos e de estabelecimento de valores.
No Paraná as diretrizes apontam para a perspectiva disciplinar do currículo, isto é, com Conteúdos Estruturantes, Básicos e Específicos. Os dois primeiros com caráter obrigatório na Proposta Curricular da escola e os conteúdos específicos com desdobramentos opcionais para atendimento às especificidades locais, considerando os alunos envolvidos.
Nesse sentido as Diretrizes Curriculares Estaduais afirmam que só a disciplinaridade garante que as especificidades dos conhecimentos possam ser ensinadas e aprendidas, pois cada ciência, em cada campo do conhecimento tem sua epistemologia singular. Este fato, no entanto, não impede que as diferentes disciplinas, traduzidas nos diferentes Planos de Trabalho Docente dialoguem entre si, como, por exemplo através da interdisciplinaridade.
O currículo entendido como “experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento em meio a relações sociais e que contribuem para a construção das identidades (...)” (MOREIRA e CANDAU, 2007, p. 18), envolve refletir sobre documentos, conteúdos, práticas pedagógicas, experiências, posturas e atitudes.
Dessa forma, apresenta-se a proposta do colégio (omitiu-se o nome por votação do grupo) cuja Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, Língua Portuguesa e Língua Estrangeira Moderna, no caso o Inglês, fazem parte do cotidiano escolar. Todavia, não no currículo oficial. Mesmo observando-se o amparo de lei federal, ainda não houve aprovação e mudança no currículo escolar deste estabelecimento em especial.
Interessante trazer ao debate o respaldo legal de que para uma escola bilíngue deverá ser contemplada como primeira língua a língua materna do cidadão, neste caso a LIBRAS. Após, segue-se a Língua Portuguesa, conforme Lei Federal n°10.436/2002:
Art. 2o Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.
(...)
Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa.
Sendo assim, o currículo, mais do que uma imposição legal, deve ser considerado o meio, o norte a ser praticado na garantia dos direitos. Portanto, considerar a LIBRAS o meio de comunicação objetiva dos surdos é prestigiar sua língua materna, porém não em detrimento da Língua Portuguesa, nem da Língua Estrangeira, esta aparecendo como optativa, porém também um direito conquistado e garantido por lei. Estas, por sua vez, constituem áreas afins e colaboram na aquisição de conhecimentos específicos.
Há urgência na aplicabilidade e acessibilidade de uma escola bilíngue aos estudantes que dela precisam. Contudo, os obstáculos enfrentados pela comunidade escolar e pela comunidade surda para que se contemple através do currículo as solicitações anteriormente expostas, reforça ideias relacionadas às ações políticas desinteressadas em estruturar, de acordo com as necessidades dos estudantes surdos, a prática escolar.
É relevante que tais dificuldades e obstáculos apareçam, pois através dessas ações que geram debate e embates, ocorrem o surgimento de leis que regulamentam e/ou ampliam outros elementos. Como é o caso da criação do Decreto nº 5.626, de 22 de Dezembro de 2005. Através desse Decreto regulamentou-se a Lei n° 10.436, de 24 de abril de 2002, contemplando-se a Língua Brasileira de sinais – LIBRAS nos currículos obrigatórios dos cursos de formação. Assim, tem-se no Artigo 3°:
A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Em relação ao exposto, questiona-se sobre o porquê da comunidade surda não merecer essa contemplação também na educação básica.
Em suma, pode-se apontar para a necessidade de ações positivas com relação ao trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura de maneira que façam parte interdisciplinarmente das áreas do currículo, proporcionando a formação de cidadãos plenos, convictos de seus valores e de suas potencialidades.
No caso da LIBRAS, pensa-se que a sua inserção no currículo escolar, de forma ordenada, constituirá ganho de classe, de grupo social, ou seja, será um para a comunidade surda, uma vitória, tendo em vista que é a sua língua materna.
Enfim, o grupo do Ensino Médio deste colégio continuará sua luta por expressar a necessidade de reforma e flexibilidade no que se refere ao entendimento do que seja um currículo voltado à integração dos diferentes conhecimentos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. MEC. Decreto nº 5.626, de 22 de Dezembro de 2005. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm>. Acesso em 29 set. 2014.
__________. Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/res0398.pdf
MOREIRA, A F, CANDAU, V. M. Indagações sobre o Currículo: currículo, conhecimento e cultura. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag3.pdf. Acesso em: 22 de agosto de 2014.
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