Entre a ação e a Esperança

Como um termo comum ao discurso cotidiano, a esperança tornou-se uma temática de discussão cotidiana à vida humana. Desde um simples jogo de futebol, até a busca da cura do câncer, a esperança está sempre presente. Esperamos que nosso time venha a ser o campeão da temporada. Esperamos que o câncer, que assola e corrói impiedosamente o corpo, seja vencido pela medicina.
Na mitologia grega, a esperança personificava-se na jovem deusa Elpis, armazenada num jarro por Zeus e confiada a Pandora, que tinha a função de liberar todos os males na terra e, inadvertidamente, deixou escapar apenas uma virtude... A esperança.

sao_tomas_de_aquinoEntre os filósofos antigos, muitos foram os que a ela renderam homenagens. Para Platão, a esperança para se alcançar o bem supremo, ou seja, a sabedoria estava exclusivamente no post mortem, onde, enfim, teríamos contato com as ideias perfeitas. Contudo, foi com a revelação cristã que a esperança tomou conotações divinas, tendo belas interpretações por Paulo de Tarso e com os filósofos cristãos Santo Agostinho, Pedro Abelardo e São Tomás de Aquino, que fez uma bela preleção sobre o assunto na sua Summa Teológica, relacionando plenamente a esperança com a fé.

Inclusive, na religião católica, que dominou grande parte da historia do cristianismo, a esperança é considerada uma das três virtudes teologais e condição sine qua non para a salvação. É através da esperança que os  cristãos esperam alcançar o Reino de Deus e, juntamente, conquistar a vida eterna e a felicidade. Assim, a esperança é vista como uma virtude intimamente ligada à fé. Devemos confiar nas palavras de Deus, agir virtuosamente e esperar pacientemente para alcançarmos as promessas Divinas. Esta teoria fica bastante explícita na encíclica spe salvi, publicada pelo papa Bento XVI.

Por outro lado, distanciando-nos um pouco do caminho interpretativo puramente da fé, se é que podemos fazer tal coisa, analisemos a palavra esperança por outro ângulo e observemos um contraponto à teoria cristã.

A palavra esperança provém do latim sperare, e tem como significação uma expectativa otimista referente a algo que se deseja alcançar. Devido a este caráter de espera e não de ação, para muitos pensadores iluministas e modernos, imbuídos da ideia de dominar a natureza, a esperança deixa de ser uma virtude e passa a ser vista como uma passiva ignorância teológica. A felicidade, a vida boa, não poderia ser conquistada pela passividade. Somente a própria ação de viver e agir sobre o presente poderia levar a vita beata. Esperança seria sinal de falta de controle, falta de domínio. Desta forma, os homens, pela perfeição da matemática e sua capacidade criativa (para alguns até diríamos criadora), acreditavam num antropocentrismo radical capaz de dominar o mundo e controlá-lo com a sua vontade. A razão começava a dominar e sobrepujar a fé, legando à esperança um espaço de inferioridade passado ao homem fraco, como dizia Nietzsche. Darwin mostrava a força do mais forte sobre o mais fraco, na luta pela sobrevivência da espécie.

antropocentrismoDesta feita, na ânsia de ter domínio sobre si mesmo e tudo o que o cerca, o homem passou a acreditar somente na sua força pessoal e relegar a fé para os fracos, que se abandonavam em passiva crença em esperanças vindouras e não lutariam por conquistas imediatas, dominado a sua vida ao invés de deixar-se levar.

Não obstante, contemporaneamente, vemos uma volta à observação do valor da natureza e a consequente compreensão da falibilidade de uma razão antropocêntrica. Enfim, o homem começa a compreender seu lugar na imanência do mundo, como uma peça deste imenso quebra-cabeça.

Contudo, acreditamos que tanto a atitude passiva e de espera no que poderá vir, entendida como esperança, assim como a vontade de domínio total de todos os aspectos da vida, são exageros. A força da esperança não pode ser negligenciada em nossas vidas, afinal, quando voltada à vontade de mudança, ela pode ser uma importante força a impulsionar a busca pelo autoconhecimento.

Ora, certamente que a passividade não pode sobrepor à vontade de mudança. Contudo, é evidente que há momentos em que a vontade fraqueja e as situações desenvolvem-se de tal forma que somente a esperança nos faz desejar lutar. Por isso a necessidade d’um equilíbrio entre a passividade e atividade, entre esperança e ação.

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