As cotas para questionar o tal do Mérito

No último dia 28, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a sua Síntese de Indicadores Sociais que confirmou os dados há muito tempo conhecidos dos brasileiros: mais da metade (54,3%) dos estudantes das universidades públicas pertencem aos 20% mais ricos da população. Os mais ricos são também maioria (64,2%) na rede particular do ensino superior.

Para superar essa desigualdade, propostas de reservas de vagas para estudantes oriundos do ensino médio da rede pública têm sido adotadas – ou às vezes impostas -, em universidades federais e estaduais. Entre apoiadores e críticos da medida, os argumentos podem ser resumidos em apenas um para cada lado: os que apóiam as cotas acreditam que elas podem promover a redução da gritante desigualdade brasileira; os contrários às cotas alegam que elas vão contra o sagrado critério de mérito para a seleção dos estudantes do nível superior. É exatamente este o ponto.

De que mérito se está falando? Da capacidade de responder com um X a questões desinteressantes que qualquer profissional bem sucedido é incapaz de responder poucos anos depois de concluído o ensino médio? Se é para falar de mérito, então temos que perguntar que tipo de estudante tem melhor condição de realizar uma boa graduação, com interesse, dedicação e capacidade de questionamento, para futuramente se tornar um bom profissional. Então vamos perguntar…

Quem é mais preparado para fazer uma faculdade de astronomia: um adolescente que foi bem treinado para responder perguntas em provas ou um jovem indígena que se localiza no tempo a partir da observação das estrelas? Quem é mais preparado para ser um bom estudante de direito: um jovem que durante 12 anos aprendeu que as perguntas dele não devem ser feitas fora de hora ou uma jovem que participou com a família de movimentos por moradia? Quem tem mais chance de ser um dedicado estudante de jornalismo: aquele que durante toda sua vida escolar escreveu redações sobre temas que não lhe interessavam ou o rapaz que, apesar de todas as adversidades, conseguiu montar uma rádio comunitária no seu bairro? Vamos pensar naquela menina da periferia que desde os 13 anos ajuda os vizinhos menores nas lições de casa e agora quer fazer faculdade de pedagogia. E no rapaz que, como ajudante do pai marceneiro, aprendeu a fazer cálculos matemáticos, interessado em fazer a faculdade de arquitetura.

Perguntemos que tipo de estudante tem mais condições de enriquecer os debates em sala de aula, trazer novos olhares para as grandes questões acadêmicas. Abrir as portas da universidade para a população tradicionalmente dela excluída não precisa ter o único objetivo de reduzir as desigualdades. Pode também significar um real enriquecimento do conhecimento ali produzido, a partir do diálogo entre os saberes científicos, os saberes tradicionais e os saberes das diversas culturas que compõem este imenso e diverso país. Quando os vestibulares começarem a levar a questão do mérito a sério, não precisaremos mais das cotas.

 

Por Helena Singer

01.10.07

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