Conhecer e compreender o mundo através das linguagens

CONHECER E COMPREENDER O MUNDO ATRAVÉS DAS LINGUAGENS
Edileia de Aquino Ramalho
Eliana Gomes Santana
Eliane de Souza
Elismery Ferreira Macarios
Elizabeth Vidolin Alpendre
Fernanda Caldas Fuchs
Noely Maria Lesnau
Simone Vosne Portela

A estrutura de poder que exerce a linguagem padrão pode ser explicitada através de vários exemplos como na diversidade, posicionamento, naturalização e desnaturalização, globalização, autorias e organização. Quem teria então o poder intrínseco da linguagem? Por que há tantos interesses em que, cada vez menos, seja cobrada a linguagem padrão, culta? Para que ou para quem a linguagem padrão serve?
Estas são apenas algumas das indagações refletidas durante o Caderno IV da Formação de Professores do Ensino Médio, Etapa II. Dentre as perguntas que vão delineando as reflexões, vários são os aspectos que são apresentados como, por exemplo, que “as linguagens constituem as relações humanas e instituem as mais variadas formas de produção de conhecimento” (BRASIL, 2014, p.12).
Num primeiro momento duas histórias exemplificam a linguagem conceituando-a como constitutiva da prática social. A primeira traz a obra de Machado de Assis, Esaú e Jacó. A segunda, relatada através do filme do diretor alemão Werner Herzog, O enigma de Kaspar Hauser, revela-se repleta de simbolismos, cujas experiências vividas pelo personagem tanto pela ótica das ciências médicas como das sociais, mostram a importância do aprendizado da linguagem para o bom relacionamento interpessoal. Fator este que mais chama a atenção.
Em uma das falas de Kaspar Hauser pode-se observar bem explicitamente o poder da linguagem: “Tenho que aprender a ler e a escrever para depois poder compreender”.
Portanto, avaliam-se as linguagens como elementos relevantes nas relações humanas, beneficiando-se através delas tanto no que se refere ao desenvolvimento interno, apreensão de conhecimentos, tanto nas experiências externas, no contato com o outro. Nas práticas sociais.
Todavia, precisa-se pensar nos componentes curriculares conforme proposta contida nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – DCNEM (BRASIL, 2012), para daí poder formular estratégias e perspectivas a serem alcançadas através das linguagens. Dessa forma compreendem as áreas que devem considerar o repensar o currículo escolar diante de uma proposta para uma formação humana integral nas disciplinas de Língua Portuguesa, Língua Materna (populações indígenas), Língua Estrangeira (com Língua Espanhola tendo oferta obrigatória, mas facultativa ao estudante), Arte (Artes Visuais, Dança, Música e Teatro) e Educação Física.
Nesse sentido, importa considerar também a LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais como disciplina imprescindível para estudantes surdos, uma vez que se reforça a proposta de formação humana integral, cuja prática social dos estudantes é relevante.
Dentro desses componentes curriculares deverão ser encontrados espaços voltados ao processo de aprendizagem significativa, em torno de uma participação democrática, cujo envolvimento dos estudantes resulte em críticas, mas também em possíveis soluções às situações refletidas e exploradas. Estes devem ser, pois, alguns dos aspectos positivos encontrados nas diferentes áreas das linguagens.
A partir dessa premissa, compreende-se a educação como prática humanizadora cujo ser humano encontra-se inserido em contextos socioculturais específicos, vivenciando experiências próprias e únicas do seu meio. Ou seja, através dessa prática humanizadora, possibilita-se reconhecer esse sujeito como individualidade repleta de práticas sociais. Assim sendo, pensar na importância de se resgatar essas práticas sociais e lapidá-las com os conhecimentos científicos, poderá ser uma das soluções para o problema e uso crítico das diferentes linguagens. Ao realizar ações nesse segmento, obtém-se ampliação de saberes relativos à produção de identidades, tendendo-se a estabelecer relações sociais significativas.
Em outras palavras:
As práticas sociais mediadas pelas linguagens podem manter um estreito vínculo com as tecnologias digitais. Nesse sentido, as práticas educativas na área de Linguagens poderão sofrer influências mais diretas das tecnologias e mídias digitais. Nesse caso, é importante que haja problematização e a releitura das visões acerca do conhecimento, do papel dos estudantes e dos professores na construção desses conhecimentos, entre outros fatores ligados às visões de mundo e de realidade que permeiam as práticas em que os sujeitos estão envolvidos (BRASIL, 2014, p.30).
O que se quer dizer é que tanto as práticas sociais como as do conhecimento científico precisam ser mediadas para que o que for bom seja retido e, o que não for útil, possa ser repensado, refletido e criticado de maneira consciente, possibilitando-se, assim, uma formação humana integral.
Apontam-se, então, atividades de ensino e aprendizagem cujos conhecimentos da área de linguagens estariam presentes no desenvolvimento humano. Explicita-se, pois, que sendo a linguagem elemento presente em nosso cotidiano nas mais diversas circunstâncias e de grande diferencial em nossa evolução como seres humanos, a todo momento estamos inseridos em contextos de interação através das mais diferentes formas de linguagens. Isto é, nos relacionamentos é que vamos aprendendo e apreendendo.
Nesse prisma, apresentam-se as seguintes atividades:
- roda de conversa com amigos e familiares sobre assuntos diversos;
- uso de instrumentos da tecnologia para interações sociais: celular, facebook, WhatsApp, e-mail, etc;
- participação em eventos diversos (sociais, culturais, religiosos, acadêmicos...);
- participação em práticas esportivas;
- práticas de leitura e escrita em situações diversas (estudo, lazer, informação...);
- produção de desenhos, figuras, imagens com finalidades diversas;
- produção de filmes e fotos em situações informais ou formais;
- visitas a museus, centros culturais, cinemas, teatros etc.
Tais situações podem ser mobilizadas como atividades de ensino e aprendizagem na sala de aula e fora desta, explorando-se conhecimentos da área de linguagens, tendo em vista o direito à aprendiza¬gem e contribuindo para o desenvolvimento humano.
Ainda, nesse sentido reforçam-se as práticas de leitura de manchetes de jornais, comparando-se uma mesma notícia em diferentes apelos emocionais. A função destacada poderia ser o vocabulário utilizado, analisando-se as reações diversas no leitor em diferentes versões. Por exemplo: “Beberrão estrebuchou até a morte”/ “Pessoa embriagada foi assassinada”. Neste exemplo, o substantivo beberrão tem uma carga semântica não só mais forte do que pessoa embriagada, como também é cômica. Da mesma forma, estrebuchar é um verbo que indica movimentos convulsivos e aqui foi usada de forma dramática.
Sendo assim, solicitar aos alunos explorarem manchetes mudando-se o vocabulário de forma intencional, com mais apelo emocional ou racional, refletindo-se a partir disso sobre o efeito que o uso do vocabulário pode ocasionar na interpretação das manchetes.
Outra forma de se refletir acerca do uso da linguagem é trabalhar com uma produção de peça teatral. Apresenta-se a definição do cenário, indumentária, maquiagem, impostação de voz, intenção no tipo de mensagem que se pretende passar ao público, etc. Solicita-se então aos alunos refletirem sobre possíveis modificações no cenário, indumentária, maquiagem, de modo a provocar outro tipo de reação no público. Dessa maneira, pensa-se poder refletir sobre como o uso da imagem interfere na leitura de mundo que se faz.
Outro exemplo que se pode utilizar para revelar a importância da linguagem está no relato de uma visita a um museu ou centro cultural. Que percepções cada estudante destacou? Por quê? Na sequência, solicitar aos estudantes que comparem seus relatos/ fotos, evidenciando o que cada um destacou, o que omitiu e por quê? Suas produções podem ser disponibilizadas nessas diversas linguagens: fotos, filmes, relatos, desenhos, demonstrando-se as diversas formas de representações de um mesmo local.
Compreende-se, pois, que é pela comunicação que o homem expressa sentimentos, ideias, conceitos, bem como evolui como ser humano interativo que ensina e aprende em contato com o outro. Nesse sentido, pode-se afirmar que cada palavra, cada imagem, cada gesto que provoque uma ação/reação interativa se configura em uma comunicação através das múltiplas linguagens. A imersão na qual todos estão sujeitos, remete ao processo cotidiano de múltiplas possibilidades comunicativas, sendo impossível qualquer opção em contrário.
O ser humano não é um observador neutro, descomprometido com o que observa. Ele toma posição, é influenciado pelo que observa de uma ou outra forma e coloca em prática sua capacidade de fazer juízos sobre o que experimenta. Os seres humanos são seres linguísticos e os juízos que emitem os constituem em observadores diferentes.
Indivíduos que participam de uma mesma situação são observadores diferentes, de acordo com os juízos que fazem daquilo que acontece. A rigor, não tem sentido falar de uma "mesma" situação, pois não existe uma situação "objetiva". As situações serão tantas quantas forem os observadores que participarem dela.
Com certeza, estas experiências favorecem os direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento humano, tais como: a organização e uso crítico das diferentes linguagens; a diversidade das linguagens; a naturalização e desnaturalização das linguagens nas práticas sociais; a autoria e posicionamento na realização da própria prática; a pluralidade de práticas e valores socioculturais; a consideração de seus saberes na relação com a experiência escolar; a compreensão e apropriação do uso de várias formas de linguagem; ao acesso crítico a patrimônios; ao pensamento emancipador; a atuação consciente no que concerne aos dilemas da contemporaneidade que afetam a dignidade humana, entre outros.

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REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Formação de professores do ensino médio, Etapa II – Caderno IV: Linguagens / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica; autores: Adair Bonini...et al.. – Curitiba: UFPR / Setor de Educação, 2014.