CADERNO III - Ciências da Natureza - PROPOSTA INTERDISCIPLINAR: Elementos sociais, econômicos, científicos e culturais envolvidos na cultura do tabaco
PACTO NACIONAL PELO FORTALECIMENTO DO ENSINO MÉDIO – FORMAÇÃO EM AÇÃO IV, CADERNO III
ELEMENTOS SOCIAIS, ECONÔMICOS, CIENTÍFICOS E CULTURAIS ENVOLVIDOS NA CULTURA DO TABACO
Orientadora: Marli Hrenichen
Professores cursistas:
Andrea Ignaszewski Cymbalista
Eloiza Deki
Luiz Carlos Repa
Mariane Kohut
Vanessa Carlotto
RESUMO
Este artigo tem por objetivo analisar os resultados obtidos através da aplicação, em sala de aula, de proposta interdisciplinar voltada às problemáticas envolvendo a cultura do tabaco. O tema se justifica devido a escola estar situada e receber alunos ligados, quase na totalidade, a atividades essencialmente agrícolas, onde predomina a agricultura familiar e tem-se a fumicultura como a principal fonte de renda. A proposta foi direcionada a alunos do segundo e terceiro anos do Ensino Médio do Colégio Estadual do Campo Professor Francisco Gawlouski – Ensino Fundamental e Médio. Os objetivos do trabalho foram: ampliar o conhecimento dos alunos em relação a conteúdos relacionados à temática; levar os alunos a problematização, levantamento de hipóteses, pesquisa e reflexão crítica acerca de diversos aspectos envolvidos nas relações de trabalho e consumo deste produto. As disciplinas envolvidas na proposta são: Sociologia, Geografia, Biologia, Física, Língua Portuguesa e Matemática.
PALVRAS-CHAVE: Interdisciplinaridade, Ensino Médio, Educação do Campo, fumicultura.
1 INTRODUÇÃO
Tendo em vista que o município de Paulo Frontin, Paraná, é essencialmente agrícola, predominando a agricultura familiar e tendo a fumicultura como a principal fonte geradora de renda, optamos por elaborar uma proposta de trabalho que levasse em conta assuntos diretamente ligados às relações de trabalho, consumo, aspectos sociais, culturais e científicos ligados a um assunto que se faz presente na realidade da quase totalidade dos alunos atendidos pelo Colégio Estadual do Campo Professor Francisco Gawlouski, situado no pequeno município de Paulo Frontin, estado do Paraná, com atenção especial aos alunos do terceiro ano do Ensino Médio, uma vez que muitos deles não só auxiliam a família no processo de produção do tabaco, desde o plantio até a colheita, bem como, possuem sua própria cultura. Outros, porém, exercem trabalhos temporários, fora do horário da escola, em lavouras de tabaco. Além disso, é nesta fase da vida que os jovens se encontram mais preocupados e focados em questões e escolhas para o futuro.
Percebemos também que esta cultura persiste por gerações, tornando- se um ciclo vicioso e ilimitado. Desta forma, os jovens a perpetuam como um legado, sem perspectivas ou preocupação de mudar o que desde crianças faz parte, de forma muito invariável, de suas vidas.
2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
Antes de nos aprofundarmos nos aprofundarmos nos resultados obtidos com a aplicação e resultados obtidos com nossa proposta, abordaremos, de forma breve, sobre algumas questões históricas relativas ao reconhecimento e valorização da escola e do homem do campo em nossa sociedade.
Após várias leituras, foi possível perceber claramente que por muito tempo, ambos se mantiveram a margem das políticas educacionais do país, tanto que a educação rural (terminologia utilizada até a década de 1990) sequer foi mencionada nos textos constitucionais de 1824 e 1891 (PARANÁ, 2006, p.17). Somente em 1937 é que, com a criação da Sociedade Brasileira de Educação Rural é que o ensino passa a ser visto como essencial ao homem do campo, porém, o que predominou foi o caráter assistencialista, com pouca preocupação à formação integral dos alunos. Por incrível eu pareça, essa situação ainda não mudou muito nem a partir da década de 1960, quando foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n. 4024/61), deixando a educação rural a cargo dos municípios.
Com a aprovação da Constituição de 1988, a educação passa a ser concebida como um direito de todos. E em 1996, com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/96, a diversidade do campo é reconhecida. Nesta, vários artigos dão orientações sobre as adaptações a serem observadas para esta modalidade de ensino. O Art. 28 (apud PARANÁ, 1996, p. 18), por exemplo, dispõe que:
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
1. Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
2. Organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III. Adequação à natureza do trabalho na zona rural.
Porém, na prática, realidade das escolas para a população rural continuava precária.
Foi só a partir da década de 1990, que as discussões movimentos mais efetivos em prol de uma educação realmente voltada ao mundo do homem do campo, que foi possível chamar a atenção do poder público para a situação de abandono em que se encontravam as escolas rurais.
No estado do Paraná, estas discussões vêm tomando força desde 2000, ano em que foi criada a Articulação Paranaense por uma Educação do Campo. No mesmo período, realiza-se a II Conferência Paranaense: Por uma Educação Básica do Campo, contando com a presença de diversas entidades e educadores renomados. E após um período de muitas discussões e mobilizações da sociedade e do poder público, em 2006, finalmente, temos no estado do Paraná, as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo (PARANÁ, 2006), documento norteador de uma educação realmente voltada aos povos do campo, e o que os caracteriza é:
O que caracteriza os povos do campo é o jeito peculiar de se relacionarem com a natureza, o trabalho na terra, a organização das atividades produtivas, mediante mão-de-obra dos membros da família, cultura e valores que enfatizam as relações familiares e de vizinhança, que valorizam as festas comunitárias e de celebração da colheita, o vínculo com uma rotina de trabalho que nem sempre segue o relógio mecânico. (PARANÁ, 2006, p. 24)
Sendo assim, a presente proposta se organiza em torno das especificidades envolvidas nas relações sociais, culturais e de trabalho presentes na comunidade da qual pertence a escola alvo da proposta, bem como de um toda uma problemática acerca dos impactos dessa cultura ao próprio produtor, devido à grande demanda de trabalho que a cultura exige; das preocupações com o clima e grande necessidade de mão-de-obra concentrada em determinado período do ano, resultando em jornadas excessivas de trabalho, o que pode vir a causar abalos na saúde do trabalhador rural; das toxinas às quais os mesmo ficam diretamente expostos.
3 A INTERDISCIPLINARIDADE
Atualmente, tanto no Pacto do Ensino Médio, quanto em outras categorias de formação, podemos observar a preocupação constante com abordagens interdisciplinares. Nesse sentido, buscou-se, de acordo com o Caderno III – Etapa I do Pacto:
Trabalhar numa perspectiva que leve em conta estas dimensões, de acordo com o documento, envolve reconhecer o papel da integração dos conhecimentos dentro de cada área, de modo que cada componente curricular proporcione a apropriação de conceitos e categorias básicas de maneira integrada e significativa, e não o simples acúmulo de informações e conhecimentos desarticulados e fragmentados. (BRASIL, p.19)
Para tanto, por meio de trabalho coletivo, analisamos a realidade dos nossos alunos, sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem; fizemos diversos estudos acerca de conteúdos, teorias, metodologias a fim de contemplar, de forma significativa, criativa e envolvente a temática escolhida: fumicultura.
Inicialmente, nos pautamos em estudos desenvolvidos por Ezequiel Redin e Paulo Roberto Cardoso da Silveira, intitulado: Os elementos não econômicos determinantes para o cultivo do fumo na agricultura familiar (Revista Congrega Urcamp, 2010); na Sociologia, Teoria do Conceito de Mais Valia e Alienação de Karl Marx, focando as fases de produção e o lucro final que agrega valor econômico a indústria e não ao produto; em Geografia: Milton Santos e suas reflexões a cerca das relações socioeconômicas de exclusão dentro do espaço geográfico; Biologia: Programa parâmetros em Ação, Meio Ambiente na Escolar, focando ações no campo social e natural; Língua Portuguesa: Bronckart, com bases em suas análises e conhecimento a cerca do interacionismo sócio discursivo é possível o reconhecimento de textos de opinião e argumentativos; Bernard Schneuwly e Joaquin Dolz, com contribuições acerca do aprendizado e desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita, tendo como eixo principal Sequência Didática, ressaltando que nesta disciplina o tema foi acabou sendo antecipado devido ao trabalho com as atividades da Olimpíada de Língua Portuguesa – 2014, pois o tema foi foco de atenção dos alunos em diversos momentos, escolhido por eles, inclusive, para produções de artigos e isso contribuiu para o nascimento dessa proposta; em Matemática: Aleksandrov, com considerações sobre geometria analítica; por fim, Física: com Mayer, Helmholtz, Maxwell e Gibbs, sobre termodinâmica. Enfim, nos aprofundamos nos conceitos com vistas à realidade local e aspectos sociais, culturais, ideológico e econômicos.
Podemos resumir os conteúdos abordados em sala de aula da seguinte forma: Sociologia: alienação e mais valia; Geografia: globalização da exclusão, territorialidade; Biologia: anatomia, fisiologia, saúde e ecologia; Português: artigo de opinião, tema, interpretação, condições de produção, função do texto, aspectos ideológicos, vozes, coesão, coerência, operadores argumentativos, tipos de argumento, ortografia (incluindo: pesquisa, debates, entrevistas); Matemática: custo benefício levando em consideração a área ocupada, o investimento financeiro, recursos humanos empregados e seus custos considerando os dias de trabalho empregados pelas pessoas envolvidas; distância entre pontos, intersecção de curvas, determinação de pontos por meio da geometria analítica; Física: Leis da termodinâmica, conceitos como temperatura, calor como energia em trânsito, equilíbrio térmico, propriedades termométricas, medidas de temperatura.
Os conteúdos foram abordados em sala de aula partindo da temática escolhida, sendo aplicados, de forma gradativa, principalmente no decorrer dos últimos dois meses.
Além dos conteúdos acima mencionados, foi feita com os alunos uma viagem à feira de cursos da UFPR (Universidade Federal do Paraná). O objetivo foi possibilitar aos alunos, por meio da participação nas oficinas, uma nova visão de mundo acerca das muitas possibilidades de formação e trabalho existentes, inclusive na área agrícola. Cabe ressaltar que foi possível observar em tais oficinas o quanto a tecnologia vem auxiliando no avanço do conhecimento nas diversas áreas, seja na descoberta e utilização de novas técnicas quando na facilidade de interação e acesso a novas descobertas.
4 RESULTADOS ALCANÇADOS
Após o período de aplicação da nossa proposta, pudemos observar a importância que ela teve na vida dos alunos, pois os mesmo tiveram a oportunidade de problematizar, pesquisar, se apropriar de conhecimentos que para eles são significativos, se relacionam com a própria realidade de vida e que podem servir para ampliar o horizonte de expectativas frente à educação institucionalizada, pois muitos desses alunos já expressaram no passado, por diversas vezes, a ideia de que a escola “não serve para nada”, uma vez que pretendem continuar na lavoura, tendo como principal argumento que “plantar fumo dá mais lucro”.
Após o desenvolvimento das atividades, vários alunos demonstraram uma posição diferente da anterior, a de que a busca pelo conhecimento, o “estudo” também é necessário a quem pretende continuar no campo; que existem outras possibilidades de trabalho e formação ao filho do pequeno agricultor; que é possível se apropriar e desenvolver técnicas e posturas mais seguras, eficientes e que garantam maior qualidade de vida e renda, mesmo aos que vivem dessa cultura; que é preciso ir em busca de aperfeiçoamento, de conhecimento acerca das novas tecnologias em prol de uma vida melhor no campo, o que acaba também elevando a auto-estima das pessoas que vivem e dependem da produção agrícola, sobretudo os pequenos proprietários e aqueles envolvidos em trabalhos temporários, o que é muito comum em lugares onde predomina a cultura do tabaco.
Ainda foi possível observar que os conteúdos específicos de cada disciplina foram bem assimilados e associados com a realidade. Isso torna a aprendizagem mais significativa ao aluno e contribui para uma formação integral do sujeito, que é justamente o que se busca, de acordo com a proposta do Pacto Nacional para o Frotalecimento do Ensino Médio.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos nossa abordagem destacando a importância da abordagem interdisciplinar, partindo de temas de grande relevância no contexto social e/ou vivencial dos alunos. Pois concordamos com a citação contida no Caderno II- Etapa I do Pacto Nacional Para o Fortalecimento do Ensino Médio, que afirma: “os jovens necessitam ser percebidos como sujeitos de direitos e de cultura e não apenas como “objetos” de nossas intenções educativas.” (BRASIL, 2013, p.21).
Mais adiante, o mesmo documento menciona:
A escola pública necessita ser simultaneamente única de qualidade para todos mas também atenta às características de sua territorialidade. É neste sentido que não se pode conceber uma escola situada numa região rural a qual não se aperceba das demandas, necessidades e culturas próprias de seus jovens que não são as mesmas da juventude que vive em áreas urbanas. (BRASIL, 2013, p. 40)
Sendo assim, o que buscamos valorizar por meio desta proposta, as experiências, o conhecimento de mundo que nossos alunos - filhos de pequenos proprietários que tem, em sua maioria, a agricultura familiar, sobretudo a atividade da fumicultura como principal fonte de renda - já possuem acerca de um tema. Tal conhecimento serviu de subsídio para a formulação de problemas, hipóteses, atividades de pesquisa e aprofundamento de conteúdos já contemplados pelas Diretrizes Curriculares de cada disciplina.
Conseguimos ainda, de forma interdisciplinar, transitar através das quatro dimensões: trabalho, ciência, tecnologia e cultura que, de acordo com atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (apud BRASIL, 2013, p. 9 – Caderno III), devem ser concebidas como base da proposta de desenvolvimento curricular de nossas escolas.
7 REFERÊNCIAS
BRASIL. Formação de professores do ensino médio, etapa I - caderno II : o jovem como sujeito do ensino médio/Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica; [organizadores : Paulo Carrano, Jarez Dayrell]. Curitiba : UFPR/Setor de Educação, 2013.
BRASIL. Formação de professores do ensino médio, etapa I - caderno III: o currículo do ensino médio, seu sujeito e o desafio da formação humana integral/Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica;[autores : Carlos Artexes Simões, Monica Ribeiro da Silva]. Curitiba: UFPR/Setor de Educação, 2013.
CENPEC. Pontos de vista. Caderno do professor: orientações para produção de textos. Equipe de produção: Egon de Oliveira Rangel, Eliana Gagliardi e Heloísa Amaral. São Paulo: Cenpec, 2010c. Coleção da Olimpíada.
DANTE, R. D. Matemática: Contextos e aplicações – vol. 3. São Paulo: Ática, 2014.
GASPAR, A. Compreendendo a Física: ensino médio. São Paulo: Ática, 2010.
MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I e II. Tradução: Reginaldo Sant'Anna. 21ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
_____. Manuscritos econômico-filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2004.
PARANÁ. Diretrizes curriculares da Educação do Campo. SEED: Curitiba, 2006.
REDIN, E.; SILVEIRA, P. R. C. da. Os elementos não econômicos determinantes para o cultivo do fumo na agricultura familiar. Revista Congrega Urcamp 2010 –ISSN: 1982- 2960.
SANTOS, M. Por uma outra globalização – do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2006.
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